Editorial: O esporte salva

por Paulo Lima

Ver todos os outros atletas e o público em volta da piscina cantando ao som da voz e do violão de Pepê naquele sábado à noite foi algo que marcou de maneira definitiva a história da Trip

Bom, pelo menos salvou a Trip.

Explico: corria o ano cristão de 1990. Perto do nosso quarto aniversário, em meio ao momento mais espetacularmente nefasto da economia nacional (muitos observadores e estudiosos entendiam o período que vai do meio da década de 80 até o meio da de 90 como o pior período da história do país, até que, numa demonstração incrível de superação, conseguimos a proeza de produzir este cenário ainda mais calamitoso que experimentamos agora) a empresa atravessava o que poderíamos chamar de um “desconforto financeiro agudo”.
Considerando que no Brasil nada menos que 60% das empresas fecham antes de completar quatro anos de vida, digamos que nosso aniversário corria sério risco de assumir contornos de velório do projeto que tanto amávamos.

Mais uma vez, da escassez surgem as ideias. Por que não apostar na força, no magnetismo irresistível do esporte, celebrando-o da maneira como sempre o enxergamos: uma das mais eficazes, belas e subavaliadas formas de arte, de elevação e de expansão do espírito humano?

E assim foi. Em poucas semanas, nos convencemos, e por consequência convencemos alguns patrocinadores, de que fazia sentido juntar o maior número de pessoas possível para um evento numa das piscinas mais belas e pouco conhecidas do país: o parque aquático do estádio do Pacaembu, em São Paulo. O complexo esportivo, com suas arquibancadas imponentes em volta da água e sua arquitetura grandiosa, tinha tudo para ser o cenário perfeito para a apresentação de uma nova modalidade esportiva que começava a seduzir atletas no mundo inteiro por conta da diversidade, dos desafios de superação humana e da integração com a natureza – três características, diga-se, que se confundem com as crenças e prioridades que sustentam a Trip.

Assim, com a ajuda de dezenas de atletas, conseguimos colocar de pé um evento memorável em que os poucos esportistas que praticavam a modalidade àquela altura no país, sob a batuta do grande Marcelo Butenas, demonstraram às cerca de 2 mil pessoas reunidas a essência do triathlon. Natação na piscina, corrida e pedal em volta do campo.

Ok, não eram exatamente as montanhas e o mar do Havaí, mas era o que tínhamos para o momento. Além disso, uma prova de remada em pranchas de surf na piscina olímpica com a presença dos maiores nomes do surf profissional na época deu um toque de originalidade ainda maior ao nosso lineup.

Entre eles, uma presença tão especial quanto inesquecível: Pepê Lopes. Ninguém menos que um dos maiores surfistas que o Brasil já produziu, finalista do Pipe Masters no Havaí com apenas 17 anos, pioneiro e várias vezes campeão no voo livre, atleta destacado no mundo hípico carioca . Como se isso fosse pouco, pioneiro na difusão da alimentação natural no país, fundador e diretor criativo da marca que levava o seu nome para produtos de vestuário e esportes junto a grandes redes de varejo da época, quando a noção de licensing era algo ainda em gestação, um dos primeiros a apostar na gastronomia japonesa no mercado carioca, criando ao lado da esposa o hoje renomado Sushi Leblon e, além de tudo isso, um dos únicos brasileiros jovens que virou nome de praia numa das faixas de litoral mais festejadas do planeta.

Do alto de todas essas realizações e títulos, Pepê não pensou duas vezes quando recebeu nosso convite. Sem a promessa de qualquer remuneração ou mesmo ajuda de custo, deixou a esposa, os filhos e sua casa, pegou um avião pagando as despesas do próprio bolso para vir festejar conosco não os quatro anos da revista, mas a difusão de uma visão da qual compartilhava: a de que o esporte é um dos campos mais vastos e transformadores do saber humano, que, quando devidamente entendido, pode operar milagres pelos indivíduos e pela sociedade.

Ver todos os outros atletas e o público em volta da piscina cantando ao som da voz e do violão de Pepê naquele sábado à noite, depois de um longo dia de celebração do esporte como um ritual de congraçamento entre pessoas, foi algo que marcou de maneira definitiva a história da Trip e que queremos continuar e homenagear com esta segunda edição especial de aniversário dedicada a milhares de figuras que entenderam, ao longo dessas três décadas, tudo o que de verdade o esporte pode fazer por nós.

Créditos

Imagem principal: FESTA SHIN SHIKUMA | RETRATO PEPÊ ARQUIVO PESSOAL

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