Cultivo pessoal de maconha: está proibido proibir

por Fabricio Pamplona

Decisão do Superior Tribunal de Justiça gera um precedente que traz segurança para pacientes que plantam maconha para a produção doméstica de óleos de uso terapêutico

Foi por A mais B mais C que o Judiciário disse, repetiu e confirmou que plantar maconha para uso medicinal não é mais crime no Brasil. Três salvo-condutos para a plantação de maconha e produção doméstica "artesanal" de óleos destinados ao uso terapêutico pessoal pacificam o assunto e geram um precedente que traz segurança para pacientes que praticam o autocultivo em nosso país.

A autorização de "habeas corpus" que esse documento concede permite o uso terapêutico pessoal dos óleos de Cannabis sem que com isso se configure crime. Ou seja, elimina o risco dos pacientes serem investigados, denunciados, presos, julgados ou condenados por tráfico de drogas por esta prática.

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Ainda assim, não é equivalente a dizer que "está autorizado" o cultivo pessoal de maconha. Ainda não estamos lá. A maneira mais correta de interpretar o fato é que não se pode mais proibir. Mas ainda é necessário que se estabeleça um rito jurídico adequado e se apresente as evidências que justifiquem o habeas corpus, que é exclusivo para o solicitante.

Mas já não haviam outros habeas corpus para cultivo no Brasil? Sim, desde 2016, e hoje já somam mais de uma centena. A novidade aqui é que o assunto foi pacificado no nível do Superior Tribunal de Justiça (STJ), diferente dos habeas corpus anteriores, concedidos por tribunais locais.

A segurança advinda deste documento elimina qualquer risco de sofrer violência por parte da polícia ou cerceamentos por conta do Judiciário. E isso muda tudo, afinal, o potencial prejuízo resultante desse tipo de abordagem (encarceramento) certamente ultrapassa em muito qualquer potencial prejuízo gerado pela planta em si. Em qualquer composição, intensidade ou frequência de uso, diga-se de passagem.

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Uma vitória do movimento da Rede Reforma liderado pelo camarada advogado Emilio Figueiredo, que uma vez me disse algo que nunca esqueci: "Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito". Depois aprendi que ele estava honrosamente parafraseando Georges Ripert, um notório jurista francês do século passado, que seguiu na linha da "desobediência civil" do Thoreau. 

Pois bem, a realidade se vingou em cores bem vivas e marcantes nesta questão do acesso à Cannabis medicinal, em que os pacientes e familiares têm feito justiça com as próprias mãos há alguns anos no Brasil. Finalmente, o Direito correu atrás de se ajustar à realidade e evitar o gap entre o que é moral e o que é legal perante a Justiça. Antes tarde do que nunca.

Para quem quiser entender a decisão no detalhe, sugiro o link do STJ.

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