por Carlos Nader
Trip #175

Com o ritmo frenético das inovações, fomos transformados em ratos de laboratório

No ritmo frenético das inovações tecnológicas, os testes de segurança a longo prazo foram relegados a quinto plano – o que transforma todos nós em ratos de laboratório

Nesta época de desenfreada inovação tecnológica, vale a pena lembrar a célebre frase de Schopenhauer sobre um outro tipo de inovação: “O surgimento de toda nova verdade passa necessariamente por três fases. Primeiro, ela é ridicularizada. Segundo, é veementemente combatida. E, terceiro, é aceita como se fosse autoevidente”. Óbvia.
Nessa observação brilhante, Schopenhauer se refere a uma categoria de inovação que a gente poderia grosso modo chamar de “cultural”, no sentido mais amplo que o adjetivo possa ter. As três fases que o pensador descreve são aquelas que um paradigma realmente novo, revolucionário, necessariamente enfrenta antes de ser aceito por uma determinada cultura.
Do cristianismo, a princípio ridicularizado e combatido por César ou pela elite judaica, à física quântica, a princípio ridicularizada e combatida por Einstein ou pela elite científica, não faltam exemplos históricos que confirmem o processo que o filósofo alemão vislumbrou com exatidão. Talvez tenha até faltado a Schopenhauer a percepção de uma quarta fase, aquela em que a nova verdade, depois de aceita, é usada, abusada, deturpada e massificada por charlatões, conscientes ou inconscientes. É um fato que, por sinal, certo uso hoje em dia muito comum do próprio cristianismo e da física quântica não desmentiriam nem um pouco.

A NOVA VERDADE
De qualquer modo, não é todo dia que aparecem no campo cultural ideias que mereçam ser batizadas com a expressão “nova verdade”. Mas existem algumas. Talvez a maior delas, em nossa época, seja aquilo que chamamos de “aquecimento global”, “mudança climática” ou “desastre ambiental”, dependendo do nosso estado de espírito. Essa nova verdade inconveniente, que foi no início vista apenas como um ramerrão ecochato e depois passou para o centro de grandes embates governamentais, é hoje encarada pela maioria da população como um fato científico autoevidente. Trilhou o tal caminho de Schopenhauer: depois de enfrentar durante décadas, estoicamente, toda forma de ridicularização e oposição, vem se tornando óbvia.
Não é assim que as coisas se dão no campo tecnológico. Para que uma nova tecnologia seja aceita por determinada cultura, ela só precisa funcionar e prometer rentabilidade a seu dono. É assim que ela se torna autoevidente. E é lançada no mercado sem a longa provação por que passa uma verdade cultural. No ritmo industrial frenético da contemporaneidade, os testes de segurança foram relegados a um quinto plano. Sobretudo aqueles que medem os efeitos cumulativos de longo prazo de uma determinada tecnologia sobre o ambiente e a população.
Tem sido assim, do motor a explosão ao celular. Lança-se e depois pensa-se nas consequências para a saúde e o ambiente. Só para dar um exemplo recente, estima-se que no ano passado tenham sido lançados mais de 3 mil produtos químicos novos e que menos de 20 deles tenham sido testados a longo prazo. Na maioria das vezes, o próprio mercado é o teste.
Não é uma questão de solução simples. Ninguém, inclusive eu, está muito disposto a esperar 30 anos para poder usar uma nova tecnologia. Mas talvez o processo de aceitação de uma nova verdade descrito por Schopenhauer e o não processo de aceitação de uma nova tecnologia industrial tenham muito que aprender um com ou outro. Quem sabe o desafio de nossa civilização não seja justamente o de encontrar um caminho do meio? É uma ironia triste o fato de que o conceito “aquecimento global” tenha demorado tanto tempo para ser aceito enquanto o uso das tecnologias que o criaram tenha sido aceito de maneira imediata.

*CARLOS NADER, 43, homem de mídia, é o diretor do filme Pan-cinema permanente. Seu e-mail é carlos_nader@hotmail.com

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