por Paulo Lima
Trip #233

Viver no Brasil tem se transformado cada vez mais numa opção heroica

Quem nos acompanha mais de perto certamente registrou que, nos temas principais e nas ideias que abordamos mês a mês por aqui nos últimos tempos, o foco tem sido, digamos, em questões que encerram certa tensão. Desde o início do ano passado, quando anunciamos a força de um novo tipo de ativismo que ganhava força e desenhava a migração do poder político para outras esferas da população, até as edições mais recentes, em que tratamos de alguns outros ângulos dos problemas mais pesados que nos assolam. Da sensação generalizada de frustração diante da inoperância e da desonestidade que em medidas semelhantes parecem entranhadas em nossa carne gerando novamente em boa parte da sociedade a sensação de que não há o que fazer e que a saída é sair, até as que trataram de tirar a capa que cobre o vergonhoso racismo vigente no país ou o nível inaceitável de envenenamentos dos mais diferentes tipos a que somos expostos hoje do lado de cá das fronteiras.

Se na presente edição a intenção era tratar do prazer de estar vivo, a realidade cuidou de angular a pauta novamente para uma visão mais crua daquilo que esses tempos nos apresentam.

Viver no Brasil tem se transformado cada vez mais numa opção heroica. Conhecimentos básicos de técnicas de guerrilha urbana e de sobrevivência em zonas de guerra são cada vez mais úteis para que se consiga manter um certo grau de qualidade e de satisfação com o dia a dia.

E não estamos aqui falando de ativistas e Black Blocs, mas de gente que precisa acordar antes do sol para enfrentar condução e mobilidade precaríssimas, sistema de saúde completamente em ruínas, educação precária, sistemas jurídico e tributário sucateados e uma infinita capacidade de manipular e de roubar impunemente que marca presença em quase todas as instâncias, partidos e escaninhos públicos (e boa parte dos privados).

Qualquer um que conheça a cartilha básica da noção de interdependência consegue depreender algo que, mesmo óbvio, passa longe dos radares de boa parte de nossas lideranças empresariais, políticas, financeiras, religiosas etc. Se não estiver ao menos razoável para todos, não ficará bom pra ninguém.

Assim, até mesmo os mais endinheirados, até pouco tempo desfrutando da ilusão de estarem blindados contra as mazelas do país, se queixam a cada dia mais de que não vale a pena e de que a dificuldade de manter o tônus vital e o tesão pela vida aumenta em índices inversamente proporcionais ao crescimento da economia e em linha com o aumento da desigualdade, dos crimes e da corrupção cafajeste e impune.

A Trip de junho de 2014 quer ajudar na busca pelo tesão perdido. Ouvindo gente automotivada que parece ter o condão de gerar a própria alegria a partir de uma visão mais criativa, inteligente, poética e humorada do entorno, como é evidentemente o caso de pelo menos dois das dezenas de convidados desta edição, Autumn Sonnichsen e Xico Sá, tentamos dar mais uma vez nossa contribuição para que você se motive e coloque sua energia a favor de subir a régua desta terra cada vez mais judiada.

Paulo Lima, editor

P.S. Por falar em subir a régua, queremos agradecer pela excelente audiência nas primeiras edições do nosso programa de televisão, o Trip TV. Com nossos parceiros da TV Bandeirantes, vamos nos esforçar para solidificar mais esse espaço que, como tudo que fazemos, tenta genuinamente contribuir para uma reflexão de qualidade na cena nacional.

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