Visita a Presídio Feminino

por Luiz Alberto Mendes em

HUMANIDADE

 

Há tempos atrás fui a uma prisão feminina. Lá estavam as mulheres aprisionadas que se tornaram mães enquanto presas. A lei dizia, na época, que elas tinham o direito de ficar com seus filhos por seis meses. Havia 56 mães e 56 nenês, sem gêmeos. Compúnhamos uma equipe do Instituto Ecofuturo. Estávamos ali para, dentro do projeto “Brincar de Ler”, oferecer livros para as crianças e as novas mães. Era dia de visitações e lá estavam seus outros filhos e familiares, além, é claro, dos nenês.      

Ao chegar, fiquei inseguro. As companheiras da Ecofuturo, como mulheres e mães, rapidamente encontraram caminhos de aproximação, segurando nenês. Logo já estavam atraindo a criançada toda para o nosso pequeno núcleo. Esparramamos livros, cada um mais interessante e bonito que o outro. Os pequenos foram se servindo, sem cerimônias.

Vencido o primeiro impacto, peguei um menininho e o livro que ele folheava: seus olhos pediam que alguém lesse. A gente vai aprendendo a ler para criança a cada dia. Exige apenas sentimentos claros e sorriso sincero. É absolutamente necessário esquecer os problemas da vida. A criança observa atentamente. Mesmo que não nos olhe, estamos muito importantes para ela naquele momento.

Logo já vieram outros com os olhos abertos como doces girassóis. O universo infantil é comovente: há luz muito forte e uma lucidez única. Foi difícil me dirigir até as mesas. Não podia invadir. Por serem mães, deduzia-se que seriam mulheres comprometidas. Havia regras, particularmente para mim que as conhecia sobejamente. Não tenho direito de errar em uma prisão. Mas, estava ali para realizar meu trabalho e a curiosidade era maior que a prudência.

Queria conversar com as mulheres. Convencê-las da importância de ler para seus filhos desde nenês. Falar das pesquisas atuais que demonstram que as crianças que entraram em contato com o livro desde pequenas aprenderam a ler com prazer. A vontade era tamanha que consegui ultrapassar o bloqueio e destravar.

Então ficou fácil convencê-las. Todas tiveram imensas dificuldades para aprender a ler. São provenientes das faixas mais pobres da população. Ninguém se preocupou em ler ou apresentar livros para elas. Foi só dizer: se não querem que seus filhos sofram as mesmas dificuldades que tiveram, leiam para eles desde já. Eles não entendem a linguagem das palavras, mas conhecem a linguagem do coração. Ainda fazem parte do coração da mãe. Sentem o que elas sentem ao ler e registram para o futuro.

Estávamos com muitos Passaportes da Leitura. É um livrinho muito interessante. Orienta sobre a importância da leitura para crianças e como fazê-lo. Entusiasmei, criei coragem e fui de mesa em mesa. Pedia licença, distribuía o Passaporte e conversava sobre a importância do que ali estava escrito. Os visitantes pediam mais para levar para parentes e amigos com filhos pequenos. É muito fácil convencer mães sobre qualquer coisa que possa beneficiar seus filhos.

Saímos de lá definitivamente abençoados. Fizemos nosso trabalho, participamos, rimos e choramos com as mães e seus nenês. Algumas delas com seus bebês já chegando ao tempo de entregar para a família ou para os abrigos do Estado... Estas ultimas, se demorarem muito presas, seus bebês serão encaminhados para adoção. Oferecemos o ombro, os olhos e a lágrima, nesse breve momento humano, para chorarmos juntos.

A verdade se faz de fatos e não de palavras, já ouvi dizer. Mas são as palavras sempre carregam os fatos para frente.

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Luiz Mendes

28/09/2010.

         

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