TEXTOS MÍNIMOS

por Luiz Alberto Mendes em

TEXTOS  MÍNIMOS

 

Leve e livre

 

A antropologia atesta que o homem pré-histórico tinha muito mais liberdade que o homem civilizado. Há rastros, pinturas ruprestes, utensílios e habitações em cavernas de um mesmo grupo humano em diversas e longínquas áreas. Andava centenas de quilômetros a vida toda. Especialistas afirmam que é porque ele não tinha propriedades, não carregava peso e nada o prendia. Ele era leve e livre. Eu que viajo constantemente carregando meus livros nas costas para vender e possuo um passado nada glorioso, sei exatamente o que é estar pesado e preso. Até meu cachorro, Chicão (chegou aqui agora, esfregando seu cabeção na minha perna, com a língua pra fora, resfolegando), me prende. Para viajar preciso conversar muito com meus filhos para que cuidem dele devidamente, prometer recompensas e tudo. E ainda fico preocupado, às vezes até telefono para reforçar com os meninos. Eles gostam dele, mas são garotos, sabe como é: vivem com a cabeça no vídeo game e seus guerreiros invencíveis.

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O Sonho e o Presente

 

As pessoas que jogam perdem muito para ganhar pouco e ficam contentes com isso. São muitas as opções para jogos oficiais e extra-oficiais. Porque alguém iria jogar nas loterias, no bicho, nas rifas, apostas, todos os dias, sem ganhar e insistindo ano após ano? Às vezes não entendo: quem não ganha e não empata é perdedor; ou estou enganado? O que observo é que os que perdem não lamentam a perda e sim haver deixado de ganhar. Vício? De ter esperança em ganhar? Autopunição de perder (não creio)? Ou a adrenalina ao conferir? Talvez conferir seja o prazer. Viver aquele momento em suspenso entre a perda e a esperança do ganho, imaginando até a quem vamos favorecer, caso sejamos os vencedores. Pode ser. Mas eu acho que as derrotas são o passado que a mente se encarrega de deglutir e as vitórias são o presente que trazemos sempre vivo na memória. Para quem persegue vitórias com sacrifícios de tantas perdas, o ganho assume importância que transcende ao valor. O passado não existe ou tem existência relativa. Vitórias e derrotas são fundamentais somente no presente porque vivemos à mercê do presente, tendo o passado como pano de fundo. O futuro? Ah! Este vive refém do presente; sorte ou azar?    

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Seres  Humanos

 

Vivemos a suspirar, alongando o olhar janela afora, por algo que nem sabemos o que seja. No fundo eu acho que não nos sentimos vivos o suficiente. Não somos amados o suficiente; não somos respeitados quanto necessitamos; não temos nada que nos complete de verdade; estamos sozinhos nas decisões; e vivemos a temer o erro não porque queremos acertar e sim pela dor que causa. Somos seres humanos.

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Capilares

 

A realidade jamais conseguiu encarar a imaginação frente a frente. Sempre saiu perdendo feio no duelo. Embora encurrale e deixe bem claro que tudo é apenas figuração.

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Talvez não importe a dor, a alma aberta em ferida, se toda essa luz ainda estiver em nossa janela.

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A dor é como pedra que não germina; basta-se.

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Tudo é bem menos arrebatador em se convivendo. Dificilmente corresponderemos à expectativa dos outros, mas morreremos tentando.

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Liberdade não consiste em fazer tudo o que queremos e sim em querer tudo o que fizermos.

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O  Brilho

 

O sonho de ser feliz tem perdido seu brilho. É claro que há alguma felicidade. Mas jamais aquela sonhada dentro das grades. Há uma felicidade que é conseqüência do autocontrole, do equilíbrio, da lucidez, essas virtudes nem sempre possíveis. O nosso autocontrole se equilibra muito mal na lucidez.

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Ser

 


Despir-se de si, dos hábitos de sempre, do previsível e da rotina imutável, então abrir-se para o que as andanças têm a oferecer e renascer curioso, aberto ao que há de ensinamento em cada inusitado.

Estar desconhecido, anônimo, desmascarado para olhar adentro, tirar férias de si mesmo e então tudo pode virar escola. Reinventar-se, tornar-se estrangeiro e independente; não ter endereço.

Ser.

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Luiz Mendes

02/09/2009.

 

 

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