O segredo da China
“Não posso tentar fazer isso. Se eu tentar, significa que eu posso falhar. E não devo falhar”
Por causa do Expresso futuro, meu programa no canal Futura sobre tecnologia e inovação, passei dois meses na China fazendo um enorme mergulho no que tem acontecido no país nesse campo. O programa, que será exibido no segundo semestre, não foi fácil de gravar. Foi preciso viajar de norte a sul, percorrendo no total mais de 2 mil quilômetros. Dentre as cidades visitadas, muitas são pouco conhecidas no Brasil, como Qindao, Nanjing e Shenzen, entre outras, mas um dos fatores mais fascinantes da viagem foi a oportunidade de conviver e trabalhar com o fabuloso senhor Zhong Yao.
O senhor Yao foi o responsável por organizar e planejar uma boa parte da viagem, especificamente a mais complicada, que envolvia uma agenda intensa de compromissos entre as 6 horas da manhã e as 10 horas da noite. Eram reuniões organizadas sequencialmente, com horário de início e término, deslocamentos por cidades diferentes, viagens de trem e avião, traslados, que, por conta da enormidade das cidades chinesas, duravam, muitas vezes, mais de duas horas, mobilizando um número enorme de pessoas. Tudo isso cronometrado com a precisão de um relógio quântico.
A quantidade de trabalho envolvida na organização dessa jornada é algo de perder o sono, tudo com um obstáculo pela frente: do lado de cá havia um grupo de brasileiros, que se caracteriza (e se orgulha) pela capacidade de improvisação e pelo desejo quase incontrolável de mudar tudo de última hora, seja pelo desejo de aproveitar oportunidades não previstas, seja para construir situações que possam acabar sendo mais promissoras do que as planejadas.
Esse encontro entre um grupo de brasileiros indômitos e o planejamento implacável do senhor Yao gerou uma das lições mais importantes que aprendi na China. Se a China no idioma local é chamada de “O Império do Meio”, o Brasil poderia facilmente ser chamado de “O Império das Meias Palavras”. Nosso hábito de fazermos pedidos do tipo “só mais meia horinha”, “mais um pouquinho”, “não custa nada” causou um curtocircuito na cabeça do senhor Yao. Isso ficou claro nos mais diversos diálogos travados entre nosso grupo na busca de modificar os planos que haviam sido traçados.
save the date
Toda vez que sugeríamos que determinada atividade da agenda fosse “modificada” em prol de outra melhor, era como se estivéssemos falando uma linguagem extraterrena com o senhor Yao. Para ele, era incompreensível como uma programação planejada ao longo de meses, resultado de muito trabalho e mutuamente acordada, poderia ser trocada a partir de uma mera sugestão de um integrante e articulada 30 minutos antes de um compromisso. Um dos momentos mais reveladores se deu na conversa de um dos nossos, que buscava contornar a recusa implacável do senhor Yao de modificar qualquer ponto da agenda planejada. Nosso conterrâneo disse o seguinte: “Senhor Yao, entendo que o senhor não pode modificar a agenda programada, mas poderia ao menos tentar”. Ao que o senhor Yao respondeu: “Eu não posso tentar fazer isso, porque, se eu tentar, significa que eu posso falhar. E não devo falhar. Por isso, vamos todos seguir o plano. Se seguirmos o plano, não iremos falhar”.
Essa frase foi reveladora tanto para mim como para todos os integrantes do nosso grupo. O senhor Yao é a metáfora do porquê a China deu certo e se tornou uma grande potência em tecnologia. Isso aconteceu porque o país soube fazer uma única coisa: seguir o plano. Da mesma forma que o senhor Yao, a China contemporânea planejou o que queria fazer e aonde queria chegar. E uma vez que o plano ficou pronto, ele foi executado. Sem espaço para improvisação, mudanças de última hora, “tentativas” ou meias palavras. Admiro muito nossa capacidade de improvisação, mas, em ciência e tecnologia, precisamos aprender com o senhor Yao, precisamos urgentemente de um plano. E, mais do que isso, precisamos aprender a seguir o plano quando ele estiver pronto. De forma incontornável.
P.S.: O nome Zhong Yao usado nessa coluna é fictício, mas os demais pontos são reais.
Créditos
Imagem principal: Creative Commons