Caubóis animados
Rocky & Hudson, os caubóis gays de Adão Iturrusgarai, estreiam em 2019 como uma série de TV no Canal Brasil
Rocky & Hudson, famosa tirinha criada em 1987 pelo cartunista Adão Iturrusgarai, acaba de ganhar uma série em animação com estreia prevista para julho deste ano, com os atores Matheus Nachtergaele (Rocky) e Paulo Tiefenthaler (Hudson) como protagonistas. A adaptação dos quadrinhos da dupla de caubóis gays foi assinada pela produtora Otto Desenhos Animados, de Otto Guerra — ele foi também o diretor de um longa-metragem com os personagens lançado em 1994.
A primeira temporada será exibida no Canal Brasil e terá 13 episódios de sete minutos, em que a única relação com o filme é a repetição de Otto nos créditos. “Os personagens secundários e o próprio estilo da direção de arte foram mais inspirados nos quadrinhos do que no longa”, conta a diretora Erica Maradona, sócia da produtora e responsável também pelos roteiros, que precisavam expandir bastante o conteúdo das tirinhas, que, por serem curtas, não renderiam episódios completos. “Mandei pro Adão morrendo de medo de ele achar uma bosta, mas ele gostou!”, contou ela. “Inseriu piadas, tirou algumas coisas, apontou o que achava que precisava desenvolver melhor… Teve um momento, já no final, em que os roteiros passaram pelo Allan Sieber, que também deu seus pitacos”, explica, sobre o processo de criação de Rocky & Hudson — Os caubóis gays.
O episódio de estreia, "Mulher Fatal", foi baseado na primeira história longa que Adão criou, apontada por ela também como uma das referências para a direção de arte. (O cartunista apontou ele próprio as referências, uma vez que, publicadas ao longo de mais de uma década, as tirinhas assumiram vários estilos.)
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Na história, uma mulher incrível aproveita para saquear pessoas enquanto elas estão deslumbradas com sua beleza, causando alvoroço na planície do Texas. Começa, então, a saga para encontrar alguém capaz de capturá-la e, entre as opções, surgem os bravos Rocky e Hudson.
Será possível? O lance é esperar pra ver e, enquanto não vai ao ar, confira a ideia que a Trip trocou com o cartunista Adão Iturrusgarai.
Trip. O que lhe inspirou a criar Rocky & Hudson?
Adão Iturrusgarai. Criei os personagens Rocky e Hudson por volta de 1987. A ideia inicial era fazer dois gaúchos gays, para sacanear com a macheza excessiva do gaúcho tradicionalista. Mas mudei o rumo para que ficasse mais universal. O caubói é como o gaúcho, só que é referência mundial.
Um lance interessante sobre Rocky & Hudson é que não lembramos, em mais de 30 anos, de alguém que tenha se ofendido por qualquer piada. A que se deve isso? Não recebo mais críticas por causa de Rocky & Hudson. Tenho alguns amigos gays que são fãs dos personagens. Mas já recebi críticas, principalmente nas histórias iniciais. Acho que eles são bem recebidos pelas comunidades gays porque o tom não é agressivo. Existe a sacaneada, mas, no fim, eles é que são os heróis. Eles é que dominam a cena. Eles é que viram do avesso o heterossexual.
Você acha que o episódio “A Mulher Fatal” foi um bom ponto de partida pra série animada? Tenho minhas histórias preferidas, “A Mulher Fatal” é uma delas. Acho o roteiro acima da minha média, e o desenho, perfeito. Adoro essa fase minha do início dos 90. Depois, meu traço deu uma virada e só voltei a gostar dele quando dei uma virada novamente por volta de 2002. Ele voltou a ficar mais econômico e zoado. O mais genial de tudo é que os desenhistas da Otto conseguiram manter a pegada do traço. Me emocionei com isso.
Por que você parou de desenhar os personagens? Acho que a última série que fiz deles foi uma brincadeira sobre a cura gay. Foi há uns quatro anos. Antes disso, fiz uma paródia de Alice no País das Maravilhas. Não sei se o assunto esgotou. Devo ter cansado, mas não descarto novas aventuras. Gosto bastante desses personagens.
Você curtiu o resultado daquele filme de 1994? Quais são as memórias mais marcantes que você guarda do processo de criação daquela animação e de como ela somou para a fama dos personagens? Aquilo foi uma zoeira sem precedentes. Éramos demasiado jovens e irresponsáveis. Eu fazia o roteiro com caneta Bic com um adiantamento de apenas um dia em relação ao andamento da animação. Eu corria, corria e o trem estava atrás perto de me atropelar. Trabalhava de ressaca na mesa da cozinha do estúdio do Otto. Eu, Otto e o pessoal do estúdio éramos uma família. Foram anos deliciosos. O filme virou uma espécie de cult. Até hoje recebo comentários de fãs daquele filme.
Na atual produção, você deu pitaco em todo o processo ou lançou apenas algumas orientações e deixou a Erica solta pra tocar a parada? A Érica preparou as escaletas e depois fez o primeiro tratamento de roteiro. Depois passou para mim e eu acrescentei diálogos e piadas. Passei pra ela e ela acrescentou coisas e tirou outras. Allan Sieber também deu alguns toques. Foi um trabalho absolutamente leve e sem estresse. Trabalhar com a Érica e o Otto é o melhor que há.
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Revólveres, coldres e orelhas aparecem e desaparecem o tempo todo nos desenhos, e isso acaba sendo muito legal. Mas em que situações criativas você definiu que esses elementos deveriam aparecer e sumir? Sabe que nem eu sei direito isso? É como se o desenho tivesse vida própria e decidisse isso por si só. Conversei um pouco isso com os animadores e dei um certa liberdade a eles. O desenho não precisa refletir a realidade. E isso é a grande mágica. Lá atrás, meus bonecos não tinham orelhas. Depois acrescentei. É difícil animar um personagem sem orelha. Aliás, todos reclamam que é mais difícil animar meus personagens do que algo mais elaborado ou realista.
Fale dos projetos aos quais você se dedica no momento. São vários projetos. Georges Wolinski [cartunista assassinado no ataque à sede do periódico Charlie Hebdo] disse uma vez que sua poupança são seus projetos. E é mais ou menos isso. Não me canso de pensar em coisas novas. Tenho escrito minhas memórias. Em texto mesmo. Se eu continuar nesse ritmo, posso ter no final do ano que vem um livro pronto. Estou montando um outro sobre parafilias [perversões sexuais], com cartuns sobre o tema e um pouco de texto. Há dois anos, comecei a pintar e produzir obras de arte. Já expus em Bruxelas. Uma individual em 2017 e, em março deste ano, faço minha primeira individual no Brasil, em Porto Alegre. E logo devo desembarcar em São Paulo para exposições. Trabalho principalmente durante a manhã e à tarde. Odeio trabalhar à noite. Nesse ponto sou bem careta. Mas as ideias estão sempre rodando na cabeça.
Como é estar afastado do Brasil num momento histórico como o atual? É bom. Estou na Argentina desde 2007 e às vezes gostaria de estar mais longe do Brasil. Mas seria egoísta pensar dessa forma. O Brasil é o meu país. E quero que as coisas terminem bem. Bolsonaro é uma consequência do deserto de ideias que vive o Brasil, bem como o mundo. No Brasil, é ainda mais complicado porque as pessoas não leem, não se informam. Os pastores dominam. Sou otimista, mas às vezes a realidade me nocauteia. Bem difícil isso. Temo pelos meus filhos.
O que você anda curtindo de quadrinhos feitos pelas novas gerações? O melhor do quadrinho brasileiro está sendo feito pelas novas gerações com suas editoras independentes. Há muitos anos tenho me dado conta disso. Participei de algumas feiras gráficas e pude comprovar isso. Tem muita coisa de qualidade. Adoro a trupe da revista Beleléu, a editora Lote 42, o Rafael Coutinho, Marcos Batista, Pablo Carranza, Rafael Corrêa, Cyn Neves... O problema é que minha lista de novas gerações já está ficando adulta. Preciso me recapacitar.
Créditos
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