Utopia da nossa geração

Precisamos fugir do pessimismo atual que enquadra como ingênua qualquer pessoa que tenta algum tipo de ação diante de um sistema político ultrapassado

por Alê Youssef em

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar." Eduardo Galeano

A utopia enquanto força motriz de um processo de busca por um futuro diferente. É o que nos sugere a frase do genial e saudoso Eduardo Galeano (1940-2015). Diferente daquele objetivo estático e ideal a ser alcançado, leva em conta a necessidade do processo, de sempre se saber parte de um contexto social e jamais deixar de lado o sonho e a esperança na transformação de realidades.

Pensar dessa forma no atual contexto político pode ser uma alternativa para fugirmos do pessimismo que enquadra como ingênua qualquer pessoa que tenta algum tipo de ação diante de um sistema político praticamente travado e que necessita de uma profunda reforma. O que quero dizer é que precisamos iniciar o quanto antes, e de forma consciente, o caminho em direção ao horizonte da reinvenção da democracia – que, em última análise, é a busca pelas bases de uma nova forma de fazer política –, uma vez que o atual sistema vive uma crise de representatividade que chega a um ponto agudo.

Pesquisando sobre o assunto para minha dissertação de mestrado em filosofia na UFRJ, me deparei com o livro Reinventar a democracia – 5 ideias para um futuro diferente, do professor português Manuel Arriaga. Primeiro lugar de vendas na seção sobre democracia da Amazon da Grã Bretanha, o trabalho chama a atenção pela sua linguagem simples e didática e pelo foco definido: “Independentemente de quais sejam os problemas políticos que mais nos indignam, o verdadeiro problema, aquele que está por detrás de tudo, reside no fato de que nossos políticos pura e simplesmente não nos representam”.

Dentre as propostas do livro, a maioria leva em conta práticas já adotadas ao redor do mundo para aumentar o controle dos cidadãos sobre o seu governo e consequentemente garantir que este trabalhe de acordo com o interesse público. Da Grécia antiga ele propõe a deliberação cívica, em que um grupo de cidadãos é recrutado aleatoriamente (do mesmo modo como são chamados os jurados para um julgamento) e é nomeado para um mandato único e não renovável para decidir coletivamente sobre um problema político específico.

Sobre sistemas eleitorais, propõe o “voto único transferível” já usado nos parlamentos irlandês e maltês, em que o eleitor vota em uma ordem de preferência entre os candidatos e não apenas em um deles, para que o voto seja sempre válido. Ele defende a adoção do modelo francês de financiamento eleitoral, que impede qualquer participação do capital privado. O autor lista ainda a experiência adotada na Suíça e no estado americano do Oregon de implantar um sistema de referendos para sujeitar ao voto popular projetos governistas que encontram resistência na população.

RISCO DE EXTINÇÃO

Por fim, Arriaga propõe a incorporação de mecanismos que nos permitam pensar a longo prazo sobre assuntos-chave para reduzir o nosso risco de extinção por causa da insensatez nos campos ambiental, econômico e social. Esse ponto é o mais desafiador, pois impõe uma mudança de paradigmas na reflexão atual. É nesse contexto que temas como o papel da tecnologia e do pensamento sustentável na prática política, por exemplo, devem entrar na reflexão sobre nosso futuro.

Chamo a atenção para o fato de que as propostas do Reinventar a democracia não tenham ligação com as noções tradicionais de “direita” e “esquerda”. A distância desses polos ideológicos é presente não apenas no livro do professor português, mas em outros que pipocam sobre a crise da democracia representativa pelo mundo. A procura de novas formas de fazer política é saída para abrirmos nossas cabeças para outras alternativas, diferentes das mesmices que não conseguem mais refletir o que acontece no mundo atual. Talvez essa busca – evocando o horizonte de Galeano – seja a utopia da nossa geração.

*Alê Youssef, 40, é apresentador do programa Navegador, da GloboNews, comentarista do Esquenta, da Rede Globo, e analista político. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com 

Arquivado em: Trip / Ativismo / Comportamento