Colecionador de abismos

Conheça Vinícius Cauhy, o brasileiro que conquistou o mundo numa corda bamba às alturas

por Giulia Garcia em

Tava lá o corpo estendido no chão. Desmaiado e de olhos abertos. Irmão e mãe já o julgavam morto. Segundos antes, Vinícius Cauhy estava prestes a bater o recorde sul-americano em longline, a modalidade de longas distâncias do slackline, a corda bamba estendida entre dois pontos – naquele dia, a travessia somava 290 metros. Quando estava na parte mais alta do trajeto, a 4 metros do chão, perdeu o foco. Daí a queda.

Vinícius já tinha tentado o feito nos 12 dias anteriores. Passou outros dois dias internado, três meses de recuperação. A primeira coisa que fez ao receber alta? Bateu o recorde. A segunda? Criou o maior festival brasileiro do esporte, no mesmo lugar que, pouco tempo antes, quase estampou sua certidão de óbito: Analândia, no interior de São Paulo. E assim nasceu o Slacklândia, no fim de 2016. “Gosto de desafios”, resume ele.

Aos 26 anos, o paulistano Vinícius Cauhy é um dos maiores atletas da América do Sul de highline, categoria às alturas do slack. No dia desta entrevista, ele se preparava para ir ao Paraguai inaugurar o primeiro parque do esporte do país – esporte esse que ele pratica há apenas cinco anos.

Crédito: Divulgação / Bernhard Witz

Foi caminhando pelas praças de São Paulo que conheceu a tal corda bamba. Cursava ciências do esporte na Unicamp e praticava diversas atividades físicas, mas algo diferente o cativou nessa: ele não conseguia fazê-la. Determinado a vencer o desafio, pegou uma fita emprestada com um primo e passou a praticar.

Mal foi ganhando experiência, já armou com o clube AABB, de Limeira, para começar a dar aulas. Na sequência, criou o Centro de Estudo e Treinamento de Slackline (CETS), da Unicamp, e, em seu trabalho de conclusão de curso, desenvolveu uma metodologia de ensino da prática.

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Queda e ascensão
Não demorou para que as competições e viagens tomassem sua agenda toda. Vinícius cruzou o mapa. Ao lado do brasileiro Rafael Bridi, de 30 anos, e de dois atletas argentinos, defendeu a América do Sul na China, e nem foi na modalidade que mais domina, mas sim o mundial de waterline, a caminhada sobre as águas. Os atletas deveriam correr sobre as quatro fitas que compunham o circuito, lado a lado com seus adversários. A vitória seria da equipe que realizasse as quatro travessias no menor tempo.

Crédito: Arquivo pessoal e Divulgação/Ryan Robinson

De cara, enfrentaram uma potência do esporte, a Alemanha. Vinícius nem chegou a participar. Na segunda fase, uma disputa acirrada contra a América do Norte garantiu o terceiro lugar na competição. Mas o ponto alto mesmo foi extra-oficial: havia ali a maior travessia de waterline do mundo – uma fita de 678 metros de comprimento que partia da janela de um templo budista. "Estava aberto só para nós. Foi meio místico sentir a energia daquele lugar. Era como um sonho", conta Vinícius.

Ele era espectador, enquanto três atletas tinham sido selecionados para a travessia. Após a quebra do recorde mundial pelo alemão Julian Mittermaier, o brasileiro decidiu se arriscar na caminhada infinita. Afinal, era um desafio.

O foco o levou até o ponto em que a fita encostava na água. Dali adiante, andaria com parte do corpo imerso. "Aí começam uns pensamentos tipo: 'Será que vem algum bicho nesta água? Não, foca aqui. Se vier um bicho e te comer, deixa. Faz parte'", diz, com o sorriso largo que lhe é peculiar. Seiscentos e dezoito metros depois, ele caiu. Faltavam apenas 60. Claro que as tentativas foram inúmeras, até que seus pés não aguentaram mais e Vinícius aceitou que sua vitória ia muito além daquela corda: ele era estar ali.

Balança mas não cai
Neste ano, veio do vice-presidente da Slackline International Association o convite para participar do Festival de Highline de Moléson, na Suíça. No festival que aconteceu em setembro, o maior adversário de Vinícius não seria o comprimento ou a altura da fita, mas o frio. Os 2°C tiraram a sensibilidade dos pés e mãos, e as primeiras travessias foram um período de adaptação do brasileiro.

Crédito: Divulgação / Aidan Williams

Foi ali que viu – e sentiu – a neve pela primeira vez. "Congelei de verdade, parei de sentir os dedos. Saí de lá e não conseguia me soltar dos equipamentos de segurança, nem calçar as meias ou a bota", conta. Fora a linha de 340 metros de comprimento – uma das mais longas – e com pontas em duas alturas diferentes. Vinícius foi o único atleta a atravessá-la. 

Passado o festival, foi convidado para um projeto do superescalador Bernhard Witz. Seu destino eram as montanhas de La Vierge, uma escalada da qual participariam apenas ele e outras três pessoas; cada qual com sua mochila de equipamentos, de 30 quilos.

Crédito: Divulgação / Stephan Wiesner

Depois de uma estrada sinuosa, uma subida íngreme de 600 metros. Demoraram 7 horas para completar o feito. Grama, cascalho e, por último, uma mistura de ambos com neve. Os escaladores descansaram por um dia e, então, seguiram para a montanha ao lado, onde prepararam a ancoragem para a fita. Com auxílio de um drone, montaram duas vias de travessia; uma menor, de 87 metros de comprimento, e outra maior, de 102. A exposição direta, do chão da fenda até a fita, era de 350 metros, mas bastava olhar para o lado durante a caminhada para se deparar com os 2.100 metros de exposição lateral.

Vinícius Cauhy e Bernhard Witz - Crédito: Divulgação / Stephan Wiesner

Às 7h, o céu nublado ainda amanhecia, e Vinícius se concentrava no aquecimento. Os primeiros passos na fita trouxeram as comemorações do grupo. Atravessou a de 87 metros com duas quedas, mas estava determinado a voltar sem nenhuma. Focado, foi até o meio, quando começou a nevar. "Sou muito de sinais da natureza, do universo. Na hora em que vi aquilo, ficou claro que eu ia conseguir." Não deu outra: fim da fita, pé na pedra, nenhuma queda e um grito de comemoração do brasileiro.

Crédito: Divulgação / Stephan Wiesner

Chegada a vez da travessia mais longa, os outros atletas se juntaram a ele. Vinícius começou seu processo muito antes de se aproximar do penhasco: observando o balanço e posicionamento dos outros highliners e a vibração da fita, fez seus cálculos e estudos para entender a tensão dela e como atravessá-la. Na sua vez, tirou a camisa. "Queria sentir a travessia.”

Vinícius não se contenta. Tem uma lista de travessias-desejos. Entre elas, um highline de mais de 1 quiômetro de distância, o que o aproximaria do recorde mundial. Assume o porquê do encanto pelo esporte: "Quem é que já andou naquele lugar, no topo daquela montanha, naquele vão, logo ali? É disso que gosto no slack: conquistar esses espaços."

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Créditos

Imagem principal: Divulgação / Stephan Wiesner

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