Pequenas lan houses, grandes negócios
A Trip foi a lan houses no Rio para ver como PCs por hora mudam a vida das comunidades
Elas deixaram de ser apenas uma segunda casa para os maníacos por games e se tornaram escritórios virtuais para quem não tem acesso à internet. A Trip visitou lan houses de comunidades carentes do Rio de Janeiro para descobrir como algumas pessoas conseguiram transformar suas vidas diante de um computador alugado por hora
por roberta salomone fotos rafael adorjan
Há menos de dois anos, Nelson Reis da Fonseca resolveu criar seu primeiro e-mail. Encorajado por um amigo, o eletricista e instrutor de capoeira nas horas vagas logo ficou fascinado pelo mundo da internet. Ele passava, em média, três horas por dia enfurnado em uma lan house perto da sua casa, em Realengo, bairro popular da zona oeste do Rio de Janeiro. Aprendeu a mexer no computador, fez uma conta no MSN e hoje mantém dois perfis com quase 800 amigos no Orkut. Graças aos contatos virtuais, conseguiu também vários trabalhos. Em 2006, ficou seis meses na Rússia fazendo apresentações de capoeira ao lado de 30 sambistas e mulatas. No ano passado, ensinou a arte marcial brasileira para um grupo de jovens na Índia. "Sem a internet, nunca teria chances de sair do país e aprender tanto", conta Nelson, de 31 anos, que agora arranha o russo e sempre troca mensagens com os gringos que conheceu fora do Brasil.
Alguns quilômetros distante da casa de Nelson, na Cidade de Deus, mora Elaine Nascimento, de 22 anos. Desempregada desde o nascimento da filha de 4 anos, ela gasta o pouco que tem numa pequena lan house próxima de onde mora. Por uma hora em frente ao computador, paga R$ 1. "Nem sempre tenho o dinheiro, mas sei que é importante para mim", diz Elaine. No último mês, ela já perdeu as contas de quantos concursos se inscreveu. "Quero trabalhar com marketing um dia, mas enquanto isso não é possível estou aceitando qualquer proposta."
Nelson e Elaine não se conhecem nem têm amigos em comum no Orkut. Também não são da turma dos games - que costuma ser a principal freqüentadora das lan houses. Mas têm em comum a descoberta da internet como uma ponte sobre o abismo das oportunidades. O baixo poder aquisitivo não é problema. Basta uma moedinha de R$ 1 para que eles tenham acesso às mesmas informações de pessoas de maternidades cinco estrelas. Para ver essa realidade de perto, a Trip esteve em lan houses no Rio de Janeiro, em bairros distantes dos conhecidos e badalados pontos turísticos. E viu que esse novo público começa a ditar regras bem peculiares por ali.
AMBIENTE FAMILIAR
"Separei três computadores, sem jogos, só para os meus novos clientes. São pessoas que gostam de um ambiente silencioso e sem bagunça. Por isso, falar alto aqui dentro é terminantemente proibido", diz Marcos Flávio, dono da Connect, que fica em frente à entrada de um grande conjunto habitacional, em Realengo, e que recebe cerca de 90 freqüentadores todos os dias. De olho na nova clientela, Marcos começou a elaborar e vender currículos no ano passado. Já são confeccionados dez por dia, que custam R$ 2,50 por folha impressa.
Fenômeno ainda em crescente expansão, as lan houses são o local escolhido por metade dos brasileiros que acessam a rede mundial de computadores. Uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostrou que o uso em estabelecimentos de acesso pago pulou de 30% em 2006 para 49% no ano passado. "As lan houses estão perdendo a imagem negativa que tinham e hoje são espaços de diversão e também de geração de renda para toda a família", afirma Rodrigo Baggio, diretor executivo da ONG Comitê para Democratização da Informática (CDI).
1 MILHÃO DE AMIGOS
Foi por causa dos games que Ailton Vargas, de 22 anos, começou a freqüentar uma dessas há cinco anos. Hoje, reclama se alguém grita ou fala palavrão perto dele. "Desconcentra", desabafa Ailton, que já se cadastrou em vários sites de emprego e, num único mês, chegou a gastar R$ 150 com seus acessos à internet. A despesa, ele garante, valeu a pena. Já conseguiu dois trabalhos. "Muitas empresas hoje em dia não usam apenas o currículo para conhecer o candidato. Elas acessam o Orkut para conhecer mais os futuros funcionários", ensina.
Se alguém entrar na página de Lucas Pena, de 20 anos, por exemplo, vai encontrar 700 amigos - a maioria virtual - e descobrir um pouco das preferências e hobbies do estudante de turismo. Mesmo fazendo estágio, ele continua a bater ponto todos os dias na lan house do seu bairro atrás de novas oportunidades. Chega às duas da tarde e não sai antes de anoitecer. Pelos serviços, desembolsa uma boa parte do seu salário:
R$ 100 por mês. Se o valor é altíssimo para ele, que está empregado, imagine só para milhares de outros que mal ganham - ou nem ganham - para sobreviver.
"Nas áreas mais miseráveis, a população que vive com menos de um salário mínimo não tem condições de pagar para acessar a rede", afirma o sociólogo Paulo Sérgio Amadeu, autor do livro Exclusão digital: a miséria na era da informação, que aposta na criação de espaços comunitários com computadores conectados e acesso de graça e ilimitado. "Com a escola pública e gratuita, ainda temos mais de
9 milhões de analfabetos no Brasil. Para assegurar a inclusão digital será necessária uma política pública para além do mercado", acredita. Enquanto isso não acontece, Luana de Assis Paula, que está desempregada desde janeiro, investe as suas últimas economias em horas de lan house. "Fiz um cadastro num site de uma empresa e cheguei a ser chamada para uma entrevista. Sei que é difícil, mas só me resta acreditar que alguém vai me dar uma chance. Pelo menos uma."