A beleza de achar bonito, por Pedro Bial

"Na língua brasileira, a palavra beleza virou advérbio para responder quando se pergunta como se vai"

por Pedro Bial em

Difícil falar de mudanças nos padrões e conceitos de beleza e sensualidade nos últimos 30 anos, sem falar dos últimos 30 séculos. São dessas coisas que parecem mudar, mas que nada, nisso os macaquinhos pelados pouco mudaram. Como talvez seja exaustivo recapitular desde Pangeia, vamos direto a essas últimas três décadas: nelas, testemunhamos a glorificação da beleza doente de heroína, seguida pelo retorno do apelo corado da saúde, conduzido com garbo por La Bündchen.

Da moda junkie, ficaram os esmaltes e maquiagens de cor escura, em tons de hematoma, um aparente contrassenso diante da razão de ser de tais artifícios, ostentar a saúde dos genes, em faces rosadas e lábios rubros. Chamar de contrassenso talvez seja uma interpretação mecânica da psicologia evolucionista: unhas negras, lábios e faces arroxeados podem bem funcionar na dinâmica da máscara, do disfarce, provocando a fantasia do freguês: “Se ela assim o esconde, deve ser algo muito bom…”.

Na língua brasileira, a palavra “beleza” virou advérbio para responder quando se pergunta como se vai. E mais, na sintaxe paulista sobreveio ainda o “belo” ou “bela” fazendo assim de “cara” carioca (sinonímia feliz já que faz de todo ou toda cara uma beleza) um “você” confeitado, com saudade do tempo que era “vossa mercê”, vosmecê há de se lembrar. 

Crédito: Pedro Podestá e Autumn Sonnichesen

Palpável e palatável
Já me perguntei tantas vezes: o que faz a gente achar uma certa coisa bonita e não aquela outra qualquer? Achar, não, ter certeza. Gosto é decisão instantânea, absoluta convicção, não se hesita antes de declarar uma coisa feia ou, ao contrário, bonita. A não ser que se esteja numa galeria de arte contemporânea, onde tal juízo de valor ia ficar feio.

Se a gente supor que, antes de considerar qualquer coisa bonita ou feia, a gente sentiu medo (o que é mais que provável pois medo foi a primeira coisa que a gente sentiu antes de sentir qualquer outra coisa), supondo também que, além do medo, sentia-se fome e frio, e o medo de sentir fome e frio, talvez o primeiro sentimento de beleza tenha sido a promessa de fome aplacada, de sede saciada, de conforto e saúde.

A árvore. Por que a árvore é bonita? Pela sombra? Pelo fruto? Por ser refúgio, abrigo? Pela promessa de calor, carvão futuro? E por que, quando falo árvore, vejo corpo e, onde o corpo, a imagem da árvore?

Avançando mais um passinho, em nossa tentativa de explicar a beleza de achar bonito, talvez constatar que na origem do prazer estético está a esperança de abrigo e repouso, o desejo de segurança, revigoração. Chega-se à formulação simples como um ovo: beleza é alimento. A gente quer comer a bela, e o belo, já diz o calão.

E se o sexo pode não ser assim tão bonito, como pode ser, fazer sexo começa em achar alguma coisa muito atraente. Beleza atrai, junta, constrói, funda, insemina.

Beleza, então. Na boa, bela, pra que isso de belo? Primeiro, matar a fome, antes de mais nada. Diante de uma árvore, buscar bendito o fruto, o gosto. 

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Aliás, convenhamos, o sabor deve ter sido a pioneira manifestação de algo bom tão bom que ganhou a categoria do prazer visível, palpável, palatável, notável, sensível: gostoso.

Isso, o primeiro bonito foi o gostoso! Esse o primeiro título da beleza.

O que parece belo o é pelo sabê-lo, pelo dele adivinhar-se o sabor, o farto repasto, o respeito – o que é belo nos parece apetitoso.

Acima de tudo, por que não beleza pela beleza? Acha pouco, pois não? Beleza se basta.

Créditos

Imagem principal: Autumn Sonnichsen

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