O pênis na arte contemporânea
Como a genitália masculina tem sido retratada na cultura contemporânea
Nos pênis imensos esculpidos por Francisco Brennand e espalhados num parque das esculturas no Recife Antigo (PE), aos pintos alados do brasileiro Juarez Paraíso e do pai morto do artista plástico Ron Mueck, são inúmeras as maneiras com que a genitália masculina tem sido retratada na cultura contemporânea. “Agora ele aparece dentro de um contexto mais libertário e, ao mesmo tempo, mais simbólico, no sentido de trazer à tona os valores da atualidade, inclusive da sexualidade contemporânea, já aparecendo todos os fetiches e até algo mais perverso. Na arte contemporânea, não trabalhamos mais com regras, como havia em outros momentos. Hoje pode se fazer de tudo. Pode, inclusive, estar ligado a ideia do falocentrismo”, garante Roaleno Ribeiro Amâncio Costa, especialista em arte erótica e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Para Costa, o artista que explicita essa nova realidade é o artista e escultor norte-americano Jeff Koons, que realizou uma série de grandes pinturas hiper-realistas onde aparecem ele e (a atriz pornográfica e vereadora italiana) Cicciolina, com quem foi casado. “Nós podemos até questionar se essas obras são eróticas ou pornográficas”, opina. Ele também destaca o trabalho do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, o qual, segundo ele, trabalha com temáticas como sadomasoquismo e homossexualidade. “Uma dessas fotografias, tiradas em Londres, na Inglaterra, é a de um modelo negro que está com o zíper aberto e o pênis grande e grosso do lado de fora”, ilustra.
A professora de Estudos da Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Icléia Rodrigues de Lima Gomes cita as obras hiper-realistas do escultor australiano Ron Mueck. “Ele tem esculturas gigantes com genitálias masculinas e, fez, por exemplo, a genitália do pai dele morto. O que essa obra provoca e faz com a gente? Ou seja, não é a genitália que é erótica, mas aquilo que ela está fazendo junto com outra genitália. No hiper-realismo do Mueck, a genitália gigante do pai dele é tão super-real com o feto que sai da barriga de uma grávida, em outra escultura dele. Talvez haja aí mais a sensação de que estou sendo informada do que uma estesia da obra de arte”, avalia.
As gigantescas esculturas de Francisco Brennand, presentes em locais públicos, como o aeroporto internacional de Recife (PE) e o parque das esculturas no Recife Antigo, também são destacadas por Icléia, assim como o trabalho do artista plástico mato-grossense Adir Sodré. “Ele teve uma tela vendida para um estrangeiro por 8 mil reais, em que mostra um festival de pênis alados e vaginas como botão de flor. E as pessoas amam. Parece um naïf, uma arte ingênua, sem julgar meu amigo e aluno”, comenta.
"Nos séculos XIII e XIV a Igreja Católica promoveu a repressão das imagens explicitadas nos romances eróticos, criando a noção de pornografia em função desses livros criticarem o que acontecia dentro dos castelos dos reis e dos monastérios"
Outro artista contemporâneo, digamos mais tradicionalista, é o escultor espanhol Miguel Ortiz y Berrocal. “O artista nunca se interessou pelo nu masculino e pelo pênis em si, mas como um instrumento para reconhecer certa figuração em obras que poderiam ser muito abstratas. Por isso, iniciou seus estudos com um formalismo geométrico e, depois, sob a influência do abstracionismo da escultura espanhola dos anos 50, até encontrar seu próprio caminho, recorrendo ao antropomorfismo como ideal de beleza clássica”, opina Beltran Berrocal, patrono fundador e diretor de comunicação da Fundación Escultor Berrocal, em Málaga, na Espanha. Ele garante que as pessoas reagem com sorriso, curiosidade e vergonha ao verem pênis que, na maioria, são anéis que podem ser levados aos dedos. A obra dele mais apreciada é a escultura de tom satírico “Maria La O (Opus 092)”, que mostra uma mulher reclinada com um pênis escondido entre os seios.
História
Mas nem sempre foi assim. “Na arte ocidental, a genitália masculina aparece desde a Idade Antiga, com os gregos e os romanos. No Oriente, vemos isso acontecer desde o ‘Kama Sutra’ (acredita-se que foi escrito pelo indiano Vatsyayana por volta do século IV)”, explica Roalano Ribeiro Amâncio Costa. O estudioso garante também que nos séculos XIII e XIV a Igreja Católica promoveu a repressão das imagens explicitadas nos romances eróticos, criando a noção de pornografia em função desses livros criticarem o que acontecia dentro dos castelos dos reis e dos monastérios. “A monarquia e a igreja se juntaram, então, para criar uma lei de criminalização da ideia da exposição da sexualidade”, acrescenta.
Segundo Costa, no Davi, de Michelangelo, por exemplo, há um estilo de beleza muito diferente da atualidade. “Se você observar aquelas esculturas gregas, verá que todos os homens eram retratados com o pênis bem pequeno e nem sempre acompanhavam o tamanho natural. Naquela época, era de boa educação os homens que pertenciam às castas mais nobres terem o pênis pequeno, pois o grande era considerado grosseiro ou uma deformidade. Observando com atenção é possível ver que alguns deles eram amarrados com uma linhazinha e tinham a cabeça para dentro, com a pele amarrada para fora”, argumenta. Atualmente, o tamanho do pau está relacionado à ideia de poder, o que se percebe até em expressões como “botar o pau na mesa”, no sentido de ter mais força do que o outro. E, nesse sentido, ele cita as ilustrações do austríaco Egon Schiele; e do francês Jean Cocteau, com as famosas ilustrações para “Querelle de Brest” (1947), de Jean Genet.
Beltran Berrocal traça, então, um amplo painel a respeito da genitália masculina na História: “Depois de ser representado um símbolo de fertilidade nos tempos pré-históricos, através de uma indicação de bissexualidade continuada e do greco-romano da fertilidade, ele foi visto como um símbolo negativo do pecado na Idade Média e na insurgência do cristianismo. Em nosso tempo, há uma oposição a tendência anterior, usando-o como um símbolo da liberalização externa. No entanto, ele é um instrumento simbólico de um peso menor em todos os movimentos artísticos do século XX”.
Tamanho pode ser é documento
A antropóloga Miriam Goldenberg, professora do departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorda a respeito das estátuas gregas e romanas: “Não dá para afirmar que os pênis deles eram desproporcionais. Era o tamanho deles mesmo, só que não estavam eretos. Estavam descansados”. Para a colunista do jornal “Folha de S. Paulo”, sempre houve a ideia de que a beleza feminina é mais suave, pois o corpo é mais curvilíneo e o órgão sexual é para dentro e não para fora, e, desse modo, há certa naturalização com relação a ele, mesmo havendo, no Brasil, o paradoxo de que são os homens que aparecem sem camisa e dificilmente se vê as mulheres sem camisa e sutiã.
“O corpo masculino nunca é tão sexualizado quanto o feminino, mesmo coberto. Antes, ele era construído também como menos estético, em função de ser cheio de pelos e com menos curvas. O que está mudando na atualidade, em que os meninos mais jovens são quase andrógenos. Não há mais tanta marcação entre homens e mulheres e os corpos estão se aproximando. Tanto que os homens considerados mais bonitos não tem mais esse modelo masculino e viril. O mundo gay é que abriu esse caminho para todos terem corpos mais cuidados, trabalhados, depilados, costurados e pintados, o que acaba refletindo no modelo representado”, acrescenta.
Já na cultura africana, o tamanho do pênis está relacionado à fertilidade, como analisa Isa Márcia Bandeira de Brito, especialista na arte desse continente e mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo (USP). “Quanto maior o falo, significava a capacidade do homem em procriar. Na África, os filhos são muito importantes e significam poder, mais braços para o trabalho e ação de defesa contrapossíveis inimigos. Arrisco-me a dizer que até hoje é assim. Agora o Ocidente criou uma ideia de que isso estava relacionado apenas ao tamanho (potência), ou seja, que todos os africanos teriam ‘falo’ grande e, na verdade, a ideia era simbólica e não tem a ver diretamente com potência sexual (tamanho), com luxúria como o Ocidente entendeu”.
Icléia Rodrigues de Lima Gomes tem outra visão, mais curiosa e divertida: “Historicamente, esse órgão assustador masculino foi usado, por exemplo, como um patuá, para afastar ou chamar maus espíritos. Há registros de que todas as sociedades usaram a genitália masculina desse modo. E também irão esconder a genitália saliente, pois um pênis em ereção assusta. Tem algo a ver com a moral e não apenas religiosa. Para mim, como fruidora da arte, ela está junto com o corpo inteiro. Eu faço músculos assim como o pênis, no sentido de mostrar a melhor performance. Hoje, os corpos são festejados, como diria Michel Maffesoli (sociólogo francês)”, finaliza.
(*) Guilherme Bryan, jornalista e professor da PUC-Minas Poços de Caldas e do Centro Universitário Belas Artes. Autor do livro "Quem tem um sonho não dança - cultura jovem brasileira nos anos 80".