O melhor de dois mundos

Os artistas e e as empresas de tecnologia mais bem-sucedidos hoje são aqueles que conjugam a economia de mercado (de trocas remuneradas) com a da dádiva (motivada por razões sociais) - caso de Radiohead, Nine Inch Nails, Google e Apple

por Rolando Lemos em

POR RONALDO LEMOS* ILUSTRAÇÃO MARIANA ABASOLO

Em 1993, o professor norte-americano Joel Waldfogel escreveu um curioso estudo sobre economia do Natal. O título era “O peso morto do Natal” (e ele não se referia aos famosos perus natalinos). De acordo com ele, o Natal seria economicamente ineficiente. Isso porque, na troca de presentes, as pessoas distribuiriam mercadorias que não atendem aos gostos de quem as recebe. Em outras palavras, se você ganha um presente de que não gosta e o deixa encostado em um canto, está impedindo que outra pessoa que realmente dá valor àquele bem o receba.
Como conclusão lógica, o professor fez uma proposta radical: as pessoas deveriam parar de dar presentes de Natal. Em vez disso, deveriam dar dinheiro umas para as outras, evitando o tal do “peso morto” que presentes natalinos acarretam.

Naturalmente, não há sinais de que a proposta do professor Waldfogel será adotada tão cedo na prática. Uma das razões para isso é que, ao lado de uma economia puramente de mercado (market economy), existe também uma economia da dádiva (gift economy). As pessoas produzem e trocam bens não apenas porque são remuneradas monetariamente, mas também por outras razões sociais, que envolvem um complexo sistema de favores, reputação, diversão e outros elementos subjetivos não monetários.

É POR NOSSA CONTA
O impacto dessa distinção para a economia de hoje é formidável. Apesar disso, são poucos os economistas que se debruçam com atenção sobre os efeitos da dádiva. Um exemplo é o Prêmio Nobel de 2001, George Akerlof. Ele demonstrou que, quando empresas remuneram seus funcionários acima de suas expectativas e essa remuneração é percebida como um “favor” (e não meramente uma “troca econômica”), os funcionários acabam trabalhando mais por conta própria e retribuindo a “gentileza” a médio prazo.
Com isso, a “dádiva” possui um forte impacto econômico. Exemplo disso é que os artistas e mesmo as empresas mais bem-sucedidas da área tecnológica são aqueles que sabem conjugar mercado com dádiva. O exemplo do Radiohead é apenas o começo. Seu último disco (lançado em regime de “pague quanto quiser”) conseguiu ser ao mesmo tempo uma mercadoria e um presente para os fãs. Mais longe ainda foi a banda Nine Inch Nails, que lançou nada menos que quatro álbuns instrumentais em regime de “pague quanto quiser”. Em uma semana, arrecadou US$ 1,6 milhão. Dois meses depois, foram além. Lançaram um novo álbum completo de estúdio (chamado The Slip), dessa vez totalmente de graça, como um presente mesmo para os fãs (no site constava a frase “this one is on us”; ou seja, “este é por nossa conta”). Em síntese, conjugação brilhante entre mercado e dádiva, que aumenta e fi deliza a base de fãs da banda a médio prazo.

Do ponto de vista das empresas, o mesmo padrão acontece. O Google, por exemplo, oferece seus principais serviços gratuitamente (da busca ao e-mail, passando por planilhas e editores de texto gratuitos). Mesmo o lançamento do novo iPhone 3G pela Apple conseguiu trabalhar a idéia de dádiva. Não só o aparelho é melhor que o anterior, mas o seu preço foi reduzido de US$ 399 para US$ 199. Com isso, a Apple deu um “presente” para os entusiastas do produto, ao mesmo tempo que transformou o próprio preço do iPhone em ferramenta de marketing.
Em tempos de rápida transformação como os atuais, em que os novos modelos estão apenas começando e a informação é distribuída de forma desigual nos mercados, a economia da dádiva é fundamental. É ela que nos permite navegar em meio às turbulências, especialmente porque consolida os laços sociais, trazendo um elemento mais “humano” para as trocas econômicas.

*RONALDO LEMOS é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br
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