Marcos Piffer, o colecionador de brinquedos
No projeto "Perdidos da Infância", o fotógrafo paulista transforma em arte o lixo que o mar leva até a areia da praia de Santos
Quando sai para caminhar na praia, o fotógrafo Marcos Piffer leva com ele uma sacola vazia. E ela quase sempre volta transbordando de bonecas sem uma perna, ursinhos encardidos, uma porção de peças de Lego de todos os tamanhos ou uma pelúcia do peixe Nemo. Há três anos, ele coleta os brinquedos que as ondas levam até a areia de Santos e fotografa um a um em seu estúdio. A série "Perdidos da Infância", que reúne objetos relacionados ao universo infantil jogados no mar, no início deste ano virou uma exposição nos muros do Aquário Municipal de Santos. "A maior parte desses objetos vem das favelas sobre palafitas que ficam na parte de trás da ilha de Santos", diz. "É um trabalho que fala sobre educação ambiental, sobre o lixo, mas também sobre as desigualdades sociais".
Marcos perdeu a conta, mas já levou para casa mais de 1000 objetos. A última coleta foi há poucos dias, quando conseguiu uma autorização da Prefeitura para ir à praia de Santos, fechada desde o dia 20 de março por causa do coronavírus. Com a suspensão do serviço de limpeza, feito por aqueles tratores que passam com um rastelo enorme, a areia estava cheia de lixo – ou, para o fotógrafo, de relíquias para sua coleção. "Foi uma experiência ver a praia completamente vazia com todos aqueles objetos perdidos", conta ele, que coletou quase 300 itens. "O que é mais louco é ver o mato crescendo, um ninhal de quero-quero com 20 filhotes, um cenário completamente diferente".
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A verdade é que Marcos não sabe mais enxergar a praia como uma pessoa qualquer. "Sempre fui um cara ligado à paisagem, ao mar, e agora eu ando olhando pro chão", ri. Fotógrafo há 30 anos, ele viveu um período em São Paulo, mas nunca conseguiu ficar muito tempo longe de Santos, sua cidade natal. "Desde a juventude, quando corria na praia, queria desenvolver algo com os objetos que encontrava", diz. "Você vê coisas inacreditáveis". Televisão de 29 polegadas, ventilador, capacete, pé de mesa, encosto de cama, tábua de privada, porta de geladeira e até um frango congelado são alguns dos itens que já cruzaram seu caminho na areia.
A ideia de registrar os objetos que via cotidianamente na praia nasceu durante um mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 2017. Marcos tinha que desenvolver um produto educativo e resolveu criar um jogo da memória com as fotos dos brinquedos que encontrava levados pelo mar. O fotógrafo resolveu trabalhar com os objetos que se relacionam à infância por causa do apelo lúdico que essas memórias despertam e pela possibilidade de usar o projeto para conversar com as crianças sobre o impacto do lixo no meio ambiente. "Quando você conta que tudo aquilo foi encontrado numa praia, provoca uma discussão interessante", diz Marcos, que levou o jogo às escolas da cidade.
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A quantidade de objetos que vão parar na praia, Marcos explica, depende da lua, da maré e dos ventos. Quando a água sobe e enche o mangue na ilha, levando tudo o que foi jogado pelas comunidades sobre palafitas, onde vivem cerca de 80 mil pessoas, é só contar três dias para a onda de lixo chegar à praia. "Uma vez encontrei uma Barbie com o cabelo emaranhado em uma planta típica do mangue. Ou seja, ela ficou alguns meses ali para dar tempo de a semente fixar raízes", diz. Já no final de um típico domingo de sol, nem todos os objetos perdidos vêm de outras partes da ilha. Baldinhos, forminhas, pás e todo o tipo de brinquedo de praia são deixados para trás pelas famílias ou mesmo tomados por uma onda repentina.
Tudo o que Marcos coleta é levado para sua casa, onde ele anota a data e o local onde foi encontrado e fotografa em cima de um fundo branco – de preferência, do jeito que estava, com as marcas do tempo em que ficou perdido e até um pouco de areia. O fotógrafo não sabe quando seu projeto vai terminar. Talvez nunca. "A única coisa que não acaba é o lixo nos oceanos. Infelizmente, esse problema é eterno", diz.
Créditos
Imagem principal: Marcos Piffer