A coisa tá preta
O baiano Thiago Borba retrata a beleza negra e busca desconstruir o racismo em seu projeto fotográfico Black is Beautiful
A coisa tá preta. Então a coisa está feia? Não. Se a coisa está preta, é porque a coisa está linda. É assim que pensa Thiago Borba, fotógrafo baiano que resolveu mostrar a beleza da negritude e desconstruir racismos — diários e estruturais — a partir de sua arte. Sua trajetória com as lentes começa em 2006, quando ele decide largar o curso de marketing e ir para a Espanha estudar fotografia.
De volta ao Brasil após um ano, ele não encontrou em Salvador, sua cidade natal, oportunidades de trabalho. Seguiu, então, para São Paulo, onde trabalhou por 10 anos. “Mais alimentando o mercado do que alimentando a fotografia”, diz Thiago sobre esse período, em que percebeu a necessidade de se reconectar com o sentimento que o tinha levado à arte. “Eu não escolhi a fotografia pra pagar contas, escolhi para poder expressar algo”, explica.
Era hora de retomar os trabalhos autorais. Parou, então, olhou para a sua própria produção e decidiu a partir dela em que direção daria seus próximos passos. “É preciso muito autoconhecimento para entender qual o seu papel no mundo e o que você quer defender”, afirma. Filho de pai negro e mãe branca, percebeu que, durante toda a sua trajetória, seus olhos se voltavam para a negritude. “Eu consegui olhar para onde minha lente sempre esteve apontada, mesmo que de maneira tímida, turva e inconsciente. Aí eu decidi levantar a bandeira”, conta.
No fim de 2016, começou o projeto Paraíso Oculto, formado por imagens que combinavam a beleza negra à natureza, em um equilíbrio de protagonismos. Em abril de 2017, expôs as obras na capital paulista e percebeu que seu trabalho gerava identificação e representatividade. “Vivemos um momento tão tenso que não podemos mais estar neste mundo à toa. Acho que cada um tem que ter um porquê de estar aqui.” Ele encontrou na fotografia o meio de expressar o próprio porquê.
LEIA TAMBÉM: As fotos de Medina Dugger homenageiam umas das mais ricas tradições culturais da Nigéria: os cabelos de suas mulheres
Sabendo onde queria chegar com suas fotos, Thiago viu seu trabalho começar a ficar cada vez mais marcado por uma conexão com as sua próprias raízes. “A junção de natureza e negritude me remete à ancestralidade, a um lugar de origem, um local puro com uma beleza despida de valores sociais”, explica.
Assim, em 2017, Thiago voltou pra Bahia. Pretendia dar continuidade ao projeto, mas seus olhos se abriram para outros aspectos. “Comecei a ver que a sociedade tende a colocar o preto numa caixa só. Quando você está numa cidade onde 76% da população é negra, você consegue abrir essa caixa e entender a diversidade que existe dentro dela”, reflete o fotógrafo. Dessa percepção derivou uma pequena mudança em seu trabalho; para ele, o foco precisava estar no negro, mas não em qualquer um, mas sim no retinto. “Por que o preto retinto? O nosso colorismo no Brasil é muito complexo, no sentido que quanto mais preto, mais preconceito sofre”, explica.
Dessa forma, o projeto Paraíso Oculto deu lugar ao atual trabalho de Thiago, chamado Black is Beautiful (#BLVCKSBTFLL). “A gente talvez tenha poucos olhares bondosos, olhares igualitários, olhares livres de preconceito. A ideia do projeto é desconstruir esses estigmas”, explica. “É uma escolha que eu fiz por mim e pelo mundo. Por mim, pra me sentir vivo, e pelo mundo porque são questões urgentes. Não dá mais pra passar por cima.”
Pessoas que conhece na rua, nas redes sociais, amigos e amigos de amigos, esses costumam ser os modelos de Thiago. Ele acredita que restringir-se a modelos profissionais o levaria a impor outro padrão estético, situação contrária ao que ele propõe em sua arte.
O retorno a Salvador foi uma reconexão com sua origem. Na arte, encontrou um jeito de se reconciliar com sua cidade natal, enaltecendo aquilo que, para ele, é o que ela tem de melhor: a natureza e a negritude. “O que se fala da magia da Bahia vem originariamente do negro. Essa energia que falam que a Bahia tem é do negro. É o negro quem produz aquela música, é o negro quem tem aquele sorriso e aquele jeito de falar que te cativa”, defende.
As fotos ganharam visibilidade no Instagram e, em novembro de 2017, Black is Beautiful foi um dos projetos escolhidos para compor a campanha Novembro Negro do governo baiano. Uma das fotos de Thiago passou a ocupar outdoors, pontos de ônibus, metrôs, entre vários outros espaços públicos. A oportunidade ampliou o alcance das fotografias, que, assim, atingiram um importante propósito: ampliar a representatividade do negro na sociedade. Falta muito, mas Thiago não pretende parar.
Créditos
Imagem principal: Thiago Borba / Divulgação