Fique rico num piscar de olhos
Prometem 39 e-mails recebidos nos últimos meses. Pior é que tem gente que ainda cai
Recebi nos últimos quatro meses 39 e-mails recheados com generosas propostas. Em todos eles, sem exceção, sou convidado a participar de um esquema que me tornará rico em um piscar de olhos. Uma senhora chamada Hajia Taurai YarArdua me pede ajuda para recuperar US$ 57 milhões que o governo da Nigéria reteve de seu falecido marido, segundo ela, um ex-presidente do país1. Em outra mensagem, Mr. Sam Obi, gerente do Skye Bank da Nigéria, me lembra de que um dinheiro proveniente de uma herança está à disposição de alguém disposto a ajudá-lo. São US$ 10 milhões. O detalhe é que eles poderão ser sacados apenas através de um caixa eletrônico. Para me facilitar a operação, o senhor Obi me pede senhas, códigos e endereços.
Já a M. Hendrietta Ipeleng Bogopane-Zulu (o toque final, me parece, deixa transparecer certo sentido de humor do autor) solicita auxílio para recuperar US$ 30,5 milhões que seu marido – falecido também – deixou em um fundo de investimento. A minha recompensa seria de 20% desse valor. Por outro lado, Mr. Waheed Aka, gerente de câmbio do Bank of Africa sediado em Uagadugu, Burkina Fasso, me pede ajuda para recuperar US$ 25,8 milhões que pertenciam a um correntista estrangeiro que morreu em um desastre aéreo, precisamente em 2003. O doutor William Thompson, um médico de um hospital de Acra, em Gana, pede a minha colaboração para recuperar US$ 10 milhões de uma paciente. O esquema é sempre o mesmo, mas o e-mail do senhor Thompson é o mais elaborado. Descreve uma noite no hospital em que uma moça internada, proveniente de Serra Leoa, pediu ajuda para ter de volta o dinheiro que seu marido, um militar morto em conflito com os rebeldes, tinha guardado em alguma conta de algum banco.
Nem todos os textos estão bem escritos. Alguns são patéticos. Ahmed Owusu tenta se fazer de simpático e começa o e-mail com um “sauda3xes para vock”, assim mesmo, e continua em um português cheio da falhas de ortografia e de digitação. No dia seguinte, o mesmo Owusu me manda outro e-mail, com o mesmo texto, mas desta vez escrito corretamente. Outros são menos profícuos e vão direto ao ponto. O campeão deles é Yomun Baraka. Segundo ele me escreve “With great sorrow in my heart and heavy tears in my eyes”2 porque sabe que vai morrer em três meses e precisa de ajuda para retirar US$ 15,8 milhões do país – 40% dessa soma pode ser meu, o resto iria para instituições de caridade.
Prisioneiro Espanhol
O golpe é famoso. É conhecido como a “carta nigeriana” ou “419 nigeriano” (419 é o artigo do código penal da Nigéria que pune esse tipo de crime). É uma versão de um outro, conhecido como “o prisioneiro espanhol” 3. A fórmula é a mesma. Alguém pede ajuda para conseguir recuperar uma soma grande de dinheiro pertencente a alguém passando dificuldades. Para que isso aconteça a vítima terá de adiantar algum valor que, em comparação com o volume final, parece irrisório. É claro que o dinheiro prometido nunca chega. O mais fascinante de tudo é que ele surte efeito. A mensagem sempre mexe com a ganância (e a vaidade, a desonestidade e a irresponsabilidade) de alguém disposto a conseguir dinheiro por meios ilícitos e, aparentemente, disposto a esquecer que dinheiro não cai do céu. No site da embaixada dos Estados Unidos em Abdijan, na Costa do Marfim, existe um artigo avisando sobre esse tipo de golpe – o da carta nigeriana – especificamente. Caem nele, de acordo com a informação disponível, pessoas dos 18 aos 81 anos. A ganância não tem idade.
1 Recebido no dia 1º de agosto de 2010. O fato verídico do e-mail é que em 5 de maio do mesmo ano realmente morreu Umaru Musa YarAdua. Era o 13º presidente da Nigéria.
2 A tradução: “Com grande dor no meu coração e pesadas lágrimas nos meus olhos”.
3 Em 1997 David Mamet escreveu e dirigiu um filme narrando a história de um grupo disposto a dar um golpe. O título? The spanish prisioner.
(*) J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor