Chorar; as lágrimas da dor
Chorar
Todo mundo chora. Já chorei muito. Depois percebi que não adiantava, não resolvia a questão. Fui parando até quase cessar. E ainda era menino.
Voltei a chorar sendo torturado no DEIC. Mas era outro tipo de choro. De ódio represado, de raiva contida, frustrada por conta da vingança impossível. Chorei para vencer a dor crua. Extraia do coração e dos nervos forças para suportar inteiro. Para não ser despedaçado como foram meus parceiros. Chorei pela impotência, pela submissão que o sofrimento impunha.
Depois condenado a mais de um século de prisão, chorei angustiado por conta do tempo a gotejar como uma vela. Mas só depois que aprendi a amar é que voltei a chorar de verdade. Era imensa a saudade que ficava depois de cada abandono. E todos abandonaram. Apenas minha mãe persistiu.
Não chorei perdas irreparáveis. A morte jamais me arrancou uma lágrima sequer. Eu assimilava como um velho lutador cansado. As porradas da vida nunca me comoveram tanto. Sempre preferi perder de uma vez a perder aos poucos. Era dolorido demais para ser apenas chorado. Travava em seco, engolia o ar e sentia a dor vazar fina como pó de construção.
A vida na prisão era uma rotina estupidificante que me forçava lutar o tempo todo para suplantar. Buscava o calor, o estremecimento de me sentir vivo, participante. Nunca soube para onde estava indo e por dentro sempre a dúvida se havia algum lugar para ir.
Depois chorei de alegria. Da inacreditável felicidade de poder estar livre. Tudo era bem menos arrebatador do que imaginava. As expectativas são sempre maiores que as possibilidades. Havia uma satisfação em viver, mas não aquela esperada. Tudo depende demais do nosso autocontrole, do equilíbrio, da lucidez, da coerência, dessas virtudes nem sempre possíveis. Pressão sobre pressão.
Aqui fora chorei outras vezes, mas não por conta das dificuldades pessoais. Essas vou tirando de letra. O problema é que conheço a dor. Sei exatamente o que é o sofrimento e onde pega. Dói em mim saber o sofrimento das pessoas. Sei como é fácil sofrer. Sei lidar com a dor e tenho compaixão para aquele que não sabem. Com estes, a dor é bruta e selvagem.
Estou acompanhando essas catástrofes e tragédias que aconteceram na região serrana do Rio de Janeiro e alguns lugares aqui em São Paulo. Até aqui no Embú que só tem morros, teve gente morta pelas chuvas. A previsão é de mais de mil pessoas mortas. Parentes, amigos, pais e filhos das vítimas, a dor se esparrama pelo país todo.
Dá a maior vontade de chorar só de pensar. No jornal de hoje se fala em mais de três mil crianças desabrigadas. Toda dor merece meu carinho e respeito. Amo quem sofre e nem sei por que. Às vezes choro porque não sou santo, herói ou mágico para, assim num estalar de dedos, acabar com o sofrimento todo dessa gente tão próxima a meu coração...
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Luiz Mendes
20/01/2011.