Funcionária free style
Ela só quer, só pensa em diversão. Bianca Bertolaccini, 24 anos, stylist da Trip, cuida do visual dos editoriais de moda da revista e ajuda as trip girls a ficarem mais à vontade.
Conheci Bianca numa fila. No extinto bar A Torre do Doutor Zero, em São Paulo. Intoxicado de drum’n’bass, virei para o lado, absorto em lâmpadas quebradas no teto; no que voltei, vi na minha frente uma menina de olhos verdes gigantes. Como quem não quer nada — e, assim, pode querer tudo. Chiei: “Você furou a fila”. Ela: “Furei sim, e daí?”. Metida, pensei: “Vai ficar aí com esse arzinho blasé?”. A folgada: “Vou sim, e daí?”. Pagou e saiu.
Depois, por acaso, nos vimos em Maresias, véspera do réveillon de 1996. “Você é aquele cara estranho da Torre”, saudou ela, perto do também extinto Bar do Meio. E surtou numa conversa que juntava Hendrix, moda, gafieira, Björk, fuscas, Jerry Lewis e discos voadores. A mini Ornella Mutti contou que tinha nascido em Votorantim (SP), mas já tinha morado em Florianópolis, onde até teve uma casa de batidas — com apenas 14 anos. Contou isso e se atirou no mar mexido de ano-novo. E sumiu. Fiquei inquieto. Dez minutos depois, resplandecente de sal e benta por Iemanjá, voltou: “Não precisa se preocupar. Cansei de surfar à noite na Joaquina”. Tudo tranqüilamente surreal.
A não ser um detalhe. No meio do papo, a pequena deusa acocorou-se na areia. E, me olhando com aqueles olhos verdes gigantes, fez cabaninha com o vestido e mandou um tranqüilo xixizinho. Como quem não quer nada — seguindo a conversa do ponto em que parou. Tentei não demonstrar espanto. Mas, nessa simples inversão de atitude, do sublime ao sem-noção, saquei: Bianca é o tipo de garota que qualquer mortal morreria por.
Assim começou nossa bela & nonsense amizade. Na época, a leonina destratava um violão meio hipporongo e um baixo torto, interpretando de Djavan a Lenny Kravitz. Pensei em incorporar a voz rouca e italianada da menina na banda obscura em que tocava na época. Mas sua cabeça estava em outra — em todos os lugares: ela aparecia e desaparecia com a mesma velocidade e falta de cerimônia de quem tira um CD dos Orishas e põe um do Luiz Gonzaga. Um dia surgiu toda toda: tinha ganho um concurso de dança e ia para Itaúnas, a capital forrozeira no Sudeste — onde, contou sem detalhar muito, teve sua “transa mais louca”. Foi no forró que conheceu Tato, do grupo Falamansa, por quem — amansai, leitores — ela é fielmente apaixo-nada há quatro anos.
Sonho de chacrete
Pouco tempo depois, num novo acaso nos trombamos aqui na TRIP, eu na redação, ela na produção. Engraçado observar as reações dos coleguinhas a suas vestes além do comum: umas anáguas anos 20, uma microssaia de oncinha, um vestido de enfermeira, um casaco da Aeronáutica, uma camisa de frentista da Petrobras — que ela volta e meia traz de seu próprio brechó, o Guaraná de Rolha. Chamar atenção é dom que poucos dominam com seu humor e graça. Por onde ela passa, a grama fica azul. Ela sabe disso: “Meu sonho era ser chacrete. Não me comparo a nenhuma mulher. Eu me amo”, declara, em simpática arrogância. O ensaio fotográfico é um ensaio para o próximo passo em seu plano de dominação do mundo: ser atriz. Não se envergonhou de posar nua: “Não estou em atitude putona”. E com o namorado, não teve forrobodó? “Nada. Ele tem o maior orgulho”, manda ela, que revela estar sentindo uma “vontade quase incontrolável de ser mãe”.
Não tenho dúvida de que, no que quiser fazer, vai mandar muito bem. Provocar o inesperado é arte para seres como ela. Que não perdem tempo com coisas como ficar na fila.
Créditos
Coordenação de produção Renata Grynszpan Estilo Lara Gerin e Carolina Gold Beleza André Sartori Assistentes de fotografia Beto Hacker, Ricardo Avarese Agradecimentos Edifício Sobre as Ondas (Guarujá), Guaraná de Rolha, Les Filós, L’Oeil, Minha Avó Tinha, Rendas e Fuxicos, Spazio 1717