Amor animal

Eu nunca quis ter um filho. Sempre pensei que meu trabalho era filho suficiente.

Mas quando vi a Gaïa, aquela menininha de cachos dourados que vocês já viram mil vezes nestas páginas, nascer no chão da casa dela, entendi o que tento procurar no meu trabalho. O lado selvagem, primitivo e verdadeiro da beleza. Quando você ama alguém, você vai sangrar, vai ter momentos de tédio e outros mais difíceis, mas dentro desse sangue e tédio e dureza tem uns momentos de beleza tão forte e cristalina que eu mesma às vezes não sei me mexer, não sei mais tirar foto, não sei mais escrever nem falar. Às vezes olho para uns momentos da minha vida e não sei o que eu fiz para merecer a sorte de poder enfrentar tanta beleza. O momento em que a Gaïa nasceu foi um desses momentos. 

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Através dela, aprendi muito sobre como é crescer com a própria imagem, já que a fotografo desde seu primeiro segundo da vida, e agora ela, com 4 anos, aprende a tirar foto, entende o que é a própria imagem. E os pais dela também entendem o que é ter uma vida de amor, e uma família retratada. Pra minha sorte, dividem esse entender, esse gosto com a própria filha. Mesmo com os momentos difíceis pelos quais todo relacionamento passa, a gente consegue retratar o belo e o forte.

Modéstia à parte, às vezes me espanto com o fato de que esses pequenos momentos podem virar um trabalho tão forte, tão significativo. Penso nisso quando levo minha câmera para a praia e vejo a Gaïa comendo melancia, penso nisso naqueles momentos quando os três acordam numa quarta-feira qualquer, penso nisso quando vejo a Mariana trocando a calcinha. Sempre vi o amor deles como um amor mais puro, mais selvagem mesmo, e pra minha sorte um amor fotogênico. Esse é o amor animal que às vezes alguém consegue despertar dentro de nós.