Proibidão
Juliano Cazarré não teme ser um homem feminino. “Choro por qualquer coisa”. Com um discurso libertário e irreverente, o ator gaúcho fala sobre o tabu em torno da nudez masculina, drogas e casamento
Quando fez seu primeiro papel numa novela da Globo, Juliano Cazarré causou furor na internet ao aparecer num ensaio de fotos vestido de terno e com apenas um detalhe aparecendo para fora: o pinto. O ano era 2011, a novela era Insensato coração e o ator fazia Ismael, o motorista da personagem de Glória Pires. Sem experiência até então com a vida de celebridade, Juliano se assustou com a repercussão das imagens feitas pelo amigo de infância, o fotógrafo Diego Bresani, e evitou falar sobre o assunto.
Em entrevista à Trip, o ator gaúcho de 35 anos conta o que aconteceu. “Diego vinha fotografando a classe artística de Brasília, sempre com humor e ousadia. Eu quis participar daquilo e abordar a questão do tabu em torno do pênis na nossa sociedade. Existe essa ideia de que o pau é uma coisa feia: mole é horrível, duro é pornográfico. Mas é algo natural, uma parte do corpo masculino que nos dá muito prazer e alegria. Então por que todo esse tabu em torno dele?”, questiona Juliano, que cita como referência artística o fotógrafo americano Robert Mapplethorpe, autor de uma imagem famosa de um pênis negro saindo de um terno.
Juliano causa frisson por onde passa. O corpo grande e musculoso, conquistado à base de muita natação, surf e musculação, pode ser visto nas páginas da Tpm deste mês, nas bancas. O novo ensaio foi feito também pelo amigo Diego, na casa do ator. “Me sinto à vontade para fotografar com ele e era um trabalho que exigia isso”, explica.
Atualmente o ator vive sem camisa em horário nobre no papel do funkeiro MC Merlô. Em A regra do jogo, ele rebola ao lado das dançarinas Alisson (Letícia Lima) e Ninfa (Roberta Rodrigues) no fictício Morro da Macaca e exibe suas 13 tatuagens e mais uma falsa no peito, de asas, que fez especialmente para o papel. A diretora-geral da novela, Amora Mautner, se derrete em elogios: “Juliano é um grande ator: instintivo, com conhecimento técnico, carisma absoluto e uma inteligência cênica rara. Sou muito fã dele, se depender de mim ele estará em qualquer projeto meu”, declarou a diretora de núcleo da TV Globo, que já havia dirigido o ator em Avenida Brasil (2012).
Homem feminino
Nas telas do cinema, Juliano é o protagonista do filme Boi neon, do diretor pernambucano Gabriel Mascaro, vencedor de prêmios nos festivais de Veneza, Toronto e Rio em 2015. Seu personagem, Iremar, embaralha as noções sobre gênero, encarnando um vaqueiro viril nordestino que gosta de costurar roupas femininas.
Nascido em Pelotas, Rio Grande do Sul, Juliano mudou-se com 1 mês de idade para Brasília, onde passou a infância e a adolescência. Seu pai, Lourenço Cazarré, é um escritor de literatura infantojuvenil, com mais de 30 livros publicados e um prêmio Jabuti para Nadando contra a morte (ed. Formato, 1998). O ator também já se arriscou na literatura, ao lançar há quatro anos o livro de poesias Pelas janelas (ed. Dublinense), com prefácio do colega Wagner Moura.
Formado em artes cênicas pela Universidade de Brasília, Juliano estreou em longa-metragem com A concepção (2005), filme de José Eduardo Belmonte recheado de cenas de sexo, nudez e drogas. Desde então fez mais 16 filmes, incluindo: A festa da menina morta (2008), de Matheus Nachtergaele; A febre do rato (2011), de Cláudio Assis; e Serra Pelada (2013), de Heitor Dhalia; além de quatro novelas e as séries Alice (2008), Som e fúria (2009) e Força tarefa (2009-2011).
Casado com a estilista Leticia Cazarré, com quem tem dois filhos – Vicente, 5 anos, e Inácio, 3 –, o ator mora no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro. Entre uma gravação e outra, pega onda na praia do lado de casa. O corpo forte, o rosto quadrado e a barba cerrada escondem um sujeito sensível e emotivo. “Choro por qualquer coisa. Gosto das coisas singelas. Perco um tempo para observar uma flor ou um pica-pau que apareceu no jardim. Acho que não é o que se imagina de um cara com a minha aparência”, conta. Trip teve dois encontros com o ator – num restaurante no Recreio e nos estúdios do Projac, em Jacarepaguá.
Trip. Em setembro de 2012, a Trip fez uma edição sobre pênis (Trip #214) e pediu pra publicar as fotos do seu ensaio com o Diego Bresani. Por que você não topou?
Juliano Cazarré. Na época, decidi junto com a minha empresária e meu assessor de imprensa que a gente não queria mexer naquele vespeiro de novo. Acontece que a revista saiu, eu vi ali as fotos do Caetano Veloso e do John Lennon pelados e me bateu um puta arrependimento, mas aí já era tarde. Agora chegou o momento de colaborar com a Trip Editora, com o ensaio para a revista Tpm [edição de fevereiro, nas bancas]. Era algo que eu tinha vontade de fazer, estava só esperando um momento bacana.
Seus personagens exploram bastante a aparência física: o MC Merlô fica o tempo todo sem camisa e o Iremar aparece pelado em Boi neon. Você se considera um sex symbol? Cara, eu nunca penso sobre isso. Jamais me pego no meio da tarde pensando: “Ah, essa vida de sex symbol”. Agora, eu tenho uma maneira de me relacionar com o mundo que é sensual e acho que passo isso para os meus personagens. Gosto das coisas que têm gosto, cheiro e textura. Gosto das sensações primordiais relacionadas à boca, ao estômago e ao sexo. Adoro ver gente bonita andando na rua, tanto homens como mulheres. Não tenho problema nenhum em admirar um cara sarado e falar: “Caraca, olha a panturrilha daquele maluco!”.
Em Boi neon você faz um vaqueiro nordestino que gosta de costurar roupas femininas. A personagem da atriz Maeve Jinkins é uma mulher sensual que dirige caminhão. Como você vê essa discussão sobre gêneros? O diretor Gabriel Mascaro foi muito feliz em captar esta questão que é muito contemporânea: entre o masculino e o feminino existem infinitas possibilidades. E a identidade de gênero não tem a ver necessariamente com a orientação sexual. Um homem pode ser feminino gostando de mulher, assim como uma mulher pode ser masculina gostando de homem. Isso a gente vê muito numa galera mais nova do que eu, como a Miley Cyrus. Ela é uma menina que pode namorar meninos e meninas. Um dia veste uma roupa supersensual mostrando as formas femininas, outro dia está com roupa e corte de cabelo masculinos.
Você quase desistiu de fazer Boi neon. O que aconteceu? Conheço bem o cinema pernambucano, já filmei com o Cláudio Assis, sabia o que me custaria fazer esse filme. É tudo muito intenso. Eu vinha de uma novela [Amor à vida] que não foi fácil fazer, meu personagem mudou muitas vezes ao longo da trama, a mais longa da última década. Nesse tempo, ainda mudei de casa, de Brasília para o Rio. Terminei a novela morto. Aí falei pro Gabriel: “Olha, negão, não tô forte pra fazer seu filme, tem um monte de coisa que demanda força e energia e eu tô exausto”. O Gabriel respondeu: “Relaxa, Juliano, tira tuas férias e depois a gente se fala”. Aí fui para a Europa, descansei e voltei para o filme.
Como foi gravar a cena em que você segura o pau de um cavalo? Quando saí de férias, o Gabriel, como bom malandro, não me avisou de uma mudança no roteiro. Tinha uma cena em que dois personagens vão a um estábulo tentar roubar o sêmen de um cavalo. Quando li o roteiro, falei: “Ótimo, não é o meu personagem que vai pegar no pau do cavalo, tá tudo certo”. Aí voltei de férias, vi o roteiro novo e o Gabriel tinha passado a ação para o Iremar. Desci em Pernambuco indignado e falei: “Ó, brother, seguinte: ou tu começa a me falar as coisas antes ou vai dar errado”. Queria passar pela vida sem ter segurado o pau de um cavalo, mas não deu. O Gabriel exigiu muito dos atores, mas chegou num lindo resultado. Tenho muito orgulho de ter participado desse filme, que vem tendo uma carreira brilhante nos festivais por onde passa.
Assim como o Iremar, você diz ter uma sensibilidade feminina forte. Como é isso? Me emociono muito fácil com tudo, não serviria pra apresentar um telejornal porque sempre tem duas ou três notícias que me deixam com os olhos cheios d’água. Em casa, sou eu quem cozinho, Leticia não é muito da cozinha. Sou mais grudento com os nossos filhos, faço questão de dar colo e de beijá-los. Sempre fui de fazer tudo pra eles: preparar o café da manhã, dar banho, trocar fralda. Quando eles mamavam, eu ia buscar à noite no berço e levava para Leticia.
Como é a divisão de tarefas entre vocês hoje? Leticia é quem resolve as demandas “masculinas” do lar: liga pro cara da mudança, fala com o pedreiro, vai à loja de material de construção. Ela é mais objetiva e direta do que eu, tem uma maneira mais racional de lidar com os problemas. Eu fico chateado com qualquer coisa, sou muito carente. Ela me pergunta: “Mas por que preciso dizer a toda hora que te amo? Não estou aqui, com você, todos os dias?”.
Como vocês se conheceram? Foi na época da universidade, estamos juntos há uns seis, sete anos, mas nos conhecemos há uns 15. A gente nadava no Minas Tênis Clube em Brasília. Ela era triatleta e eu, nadador. Ela tinha namorado e eu, namorada. A gente só se via na hora do treino e falava: “E aí, tudo bom? Beleza?”. Aí vinha o treinador: “Vamos lá, galera, 500 metros de crawl pra aquecer”. Anos depois a gente se reencontrou pela internet e marcou de se encontrar no Rio. No primeiro dia pensei: “Cara, era essa pessoa que eu estava procurando. Ela estava perto e eu não sabia”. Começamos a namorar, logo a pedi em casamento e vieram as crianças. Foi tudo muito rápido.
Você nasceu em Pelotas, mas logo se mudou para Brasília. Como foi sua infância e adolescência? Cresci em Brasília e ia ao Rio Grande do Sul várias vezes ao ano: nas férias de verão, do meio do ano e nos feriados prolongados. Eu adorava, principalmente quando fazia frio, porque Brasília faz calor o ano todo. Minha infância foi típica de uma criança da Asa Norte: sempre debaixo do prédio, brincando solto pela quadra. Brasília não tem praia, mas tem muito clube. Meus pais tinham o hábito de ir ao clube todos os fins de semana.
Além de escritor, seu pai, Lourenço Cazarré, tem outras ocupações? Ele é jornalista de formação. Foi da redação do Jornal de Brasília e do Correio Brasiliense e, durante muitos anos, trabalhou como assessor parlamentar no Senado. Quando se aposentou, assessorou o Pedro Simon, político do PMDB, que é super-honesto, desses que devolve dinheiro público. Ele tinha direito ao salário de ex-governador do Rio Grande do Sul, mas só ficava com o de senador, o resto devolvia. Recentemente acabou o mandato de senador e o Pedro Simon abandonou a política. Minha mãe, Maria Luisa, é pedagoga. Era dona de casa, muito presente, e em alguns momentos trabalhou fora.
Sua família é muito politizada? Lá em casa existe uma postura de olhar tudo com desconfiança, ninguém é militante de partido. Meu pai trabalhou a vida toda no Senado, então sempre soube como funciona a bagunça. Toda vez que tinha uma conversa mais animada, quando eu trazia alguma ideia da rua, ele baixava a minha bola. Eu falava: “Pai, estão dizendo que se o Lula entrar vai ser tudo diferente”, aí ele respondia: “Olha, filho, as coisas não são tão fáceis assim. Se o Lula tentar, o Congresso não vai aprovar. Além disso, você acha que o Lula vai fazer as reformas que ele sempre dificultou quando era deputado?”.
Você votou no Lula para presidente? Nunca votei no Lula ou no PT. Pensei em votar na primeira eleição dele, mas duvidei na hora e não votei. Ao longo do primeiro governo, pensei: “Esse cara não me representa”.
Você foi cara-pintada na época do impeachment do presidente Collor, em 1992? Não, porque eu tinha 11, 12 anos. Mas eu vivi aquilo, lembro de sair de preto no fim de semana em que o Collor pediu pra todo mundo usar verde-amarelo.
Sua adolescência foi de sexo, drogas e rock and roll? Fui contemporâneo de uma Brasília muito estranha e violenta, era a época das gangues. Até os 14 anos, morei na 312 Norte, uma das mais antigas quadras da Asa Norte, onde tinha uma turminha da pesada. Mas a minha galera era outra, uns moleques mais bonzinhos e comportados. Tive uma adolescência bem saudável, minha turma era a da natação. De manhã eu ia pra escola e, no fim de tarde, pra natação. Sábado de manhã tinha competição. Quando eu tinha 15 anos, a onda em Brasília era de axé. Então fui pra muito show de música baiana, vi Ara Ketu, Banda Eva, Asa de Águia. A gente não bebia nem fumava. Ficava andando em fila, tomando refrigerante e tentando beijar na boca. Quando beijava, ficava felizão.
Você sempre quis ser ator? Só fui pensar em fazer artes cênicas no final do terceiro ano colegial, antes achava que seria jornalista porque adorava escrever. Junto com o curso de artes cênicas da UnB, entrei numa faculdade particular de comunicação, mas larguei. Anos mais tarde, voltei para o jornalismo. Foi na hora em que dei uma fraquejada, fiquei pensando nas minhas perspectivas como ator. Porque tanto o curso como a profissão são muito difíceis. Todo dia você se expõe ao ridículo, à apreciação do outro, abre a guarda pra te criticarem. Aí fui convidado para fazer o meu primeiro longa-metragem, A concepção, do José Eduardo Belmonte, em 2004, e nunca mais larguei a profissão.
Você tem uns parentes que foram atores, né? Pois é, não sei até onde isso influenciou a minha escolha profissional. Meu pai comentava comigo dos irmãos Older e Olney Cazarré, sou sobrinho-neto deles. O Olney [1945-1991] era humorista, fazia o corintiano João Bacorinho na Escolinha do professor Raimundo. Ele participou de filme dos Trapalhões, fez muita coisa. Eu cheguei a ver uma peça do Older [1935-1992] em Brasília quando pequeno. Mas era sempre uma coisa distante: “Ah, tem uns parentes nossos lá no Rio de Janeiro que são atores”.
Você começou sua carreira no teatro e ficou em cartaz por dez anos com a peça Adubo, que fala sobre o medo da morte. Qual a importância dessa experiência para a sua formação? O diretor da peça é um uruguaio chamado Hugo Rodas, que considero o meu pai artístico, foi meu professor na UnB. Ele tem uma visão freudiana das coisas, uma pegada meio Nelson Rodrigues. Quando a gente ia criar um personagem, ele perguntava: “Por que esse cara está fazendo isso?”. E apontava para uma vontade escondida por trás das coisas, para o ciúme, o desejo, o tesão. Para o Hugo, tudo passa por essas pulsões primárias. A peça dele tem uma rebeldia, um descaramento típico da juventude. Hoje, aos 35 anos, já não tenho mais aquela vontade de chocar que eu tinha aos 25. Então foi um exercício bastante intenso envelhecer sem que a peça envelhecesse, tentando manter vivo esse espírito de rebeldia.
Você experimentou muitas drogas? Já fumei muita maconha. Das drogas sintéticas, experimentei, mas não é a minha, até porque elas são uma coisa mais da noite, e eu nunca fui muito da noite. Não gosto de passar uma noite inteira na balada.
É a favor da regulamentação da maconha no Brasil? Sou completamente a favor da regulamentação do uso recreativo e medicinal da maconha. A guerra contra o tráfico fracassou no mundo inteiro e os países que conseguiram os melhores resultados na diminuição da criminalidade e do uso são os que abriram o diálogo e passaram a tratar a questão como caso de saúde pública e não de polícia. Sou sempre a favor de liberdades individuais, se você fuma maconha e faz mal apenas a você mesmo, não vejo por que isso deva ser proibido. Se formos proibir tudo o que faz mal, vamos ter que proibir o bacon, a mortadela, o cigarro, a bebida. O Brasil é o maior consumidor de Rivotril do mundo. Um país onde muita gente usa remédios tarja preta para lidar com as pressões da vida não tem moral para proibir a maconha. Se o governo legaliza e regulamenta o comércio, vai ganhar muito dinheiro com os impostos, como ocorre em algumas regiões dos Estados Unidos.
Você é muito vaidoso? Sou vaidoso o suficiente pra ter virado ator. Tenho as minhas vaidades, mas elas não são tão óbvias. Minha vaidade de ser reconhecido como bom ator é bem maior do que a de estar bonito. Não me importo de estar feio para um personagem, de mudar o rosto, o cabelo, nada disso. Mas quero que o personagem esteja bem, essa é a minha maior vaidade. Que o espectador me olhe e fale: “Caraca, ele tá muito diferente do que é na vida real, tá muito diferente do outro personagem!”.
Quantas tatuagens você tem? Qual o significado delas? São 13, mas nem todas têm significado. Tenho uma caveira com a frase Memento mori. Na Antiguidade, os epicuristas se cumprimentavam falando Memento mori, que significa “lembra-te de que vai morrer”. É uma saudação à vida, para lembrar que a única certeza é que vamos morrer, então curte a vida. Fiz um dragão e um tigre, signos chineses dos meus filhos, e duas andorinhas, símbolos do marinheiro. Quando o marinheiro vê a andorinha é porque está perto da costa e logo vai encontrar a família. Também fiz uma sereia simplesmente porque gosto de sereias.
Como você cuida do corpo? O esporte é uma das coisas mais constantes na minha vida. Nadei durante 20 anos. Hoje tento fazer alguma atividade esportiva três ou quatro vezes por semana. Se não tiver tempo de fazer nada melhor, vou pra uma academia fazer musculação ou saio para correr. Se tiver onda, pode crer que vou surfar. Acordo mais cedo se for preciso. O surf é uma maneira de estar em contato com a natureza, conhecer gente e fazer um esporte que é a coisa mais bela do mundo. A onda é uma dobra, uma energiazinha que veio de centenas de quilômetros do meio do oceano, veio navegando, navegando e chega na beira da praia, onde quebra. Você tem cinco segundos pra ficar de pé nela e acabou. Se perder, não volta mais.
Você faz terapia? Nunca fiz, acho que sempre canalizei minhas angústias pro esporte. Se estou deprê, saio pra correr ou nadar. Em duas horas surfando no mar, entre uma onda e outra, penso num monte de questões, é o meu jeito de resolver os problemas.
Como é a sua alimentação? Saudável, mas sem neurose. Como arroz integral, feijão, pão, castanhas, tento comer bastante fruta e salada. Diminuí muito o consumo de frango e carne vermelha e tenho comido mais peixe e ovo. Não costumo fazer suplementação, tomar nada que vem em pó, mas no começo da novela queria dar uma melhorada no físico do Merlô e tomei um pouco de whey protein.
O assédio das mulheres aumentou muito por causa do Merlô? Tem uma gracinha no Instagram, alguma coisa na rua, mas não chega a ser uma cantada de alguém querendo ir pra algum lugar ou coisa parecida. Vejo mais como uma brincadeira.
Sua mulher fica incomodada? Às vezes ela pode ficar incomodada de alguém interromper um jantar nosso pra tirar uma foto na hora em que o prato chegou ou de uma mulher mais folgada fazer uma graça na frente dela, mas é raro acontecer.
Você já foi muito galinha? Cara, eu tive poucos períodos de solteirice. Tive três namoradas: uma na adolescência, dos 15 aos 21; depois outra que morou comigo em São Paulo; e a Leticia, com quem casei. Quando estive solteiro, fui bem solteirão mesmo. Saía, tentava ficar com uma mulher hoje, outra amanhã, mas logo eu cansava. Essa vida de solteiro dá muito trabalho, gasta muito dinheiro com bebida. Até você convencer a pessoa a sair do lugar e ir para outro tem que tomar várias. Depois tem que tomar mais outras. No dia seguinte, fica morto de ressaca, imprestável.
Qual é a sua opinião sobre casamento aberto? Tem uma frase ótima do Epicuro: “Se não há contrato, não há pecado”. Então, se ninguém definiu o que é o certo e errado, tudo pode. Cada casal vai fazer o contrato que acha que tem que fazer. Pra mim, a liberdade de escolha na vida é a única coisa pela qual vale a pena brigar. Se um casal consegue resolver bem uma relação aberta com todas as suas implicações, como ciúmes e a possibilidade de o outro se apaixonar por alguém, não vejo galho nenhum.
No seu caso, funciona uma relação aberta? Até hoje nenhum dos dois trouxe esse assunto à baila, a gente tá bem assim. Eu me sinto completamente capaz de passar a vida inteira só com Leticia. Ela me satisfaz plenamente tanto em termos de companhia, conversa e troca intelectual como de vida sexual.
Vocês já passaram por momentos difíceis? Desde que estamos juntos, manter a família unida tem sido um grande esforço. Primeiro eu morava em São Paulo e ela, no Rio. Depois fomos para Brasília, mas eu gravava no Rio. Às vezes passava 20 horas em Brasília no fim de semana e já tinha que voltar pro Rio. Agora estamos juntos no Rio, mas passo muito tempo fora, como no caso das filmagens de Boi neon em Pernambuco. Se fico três meses fora, as coisas vão se diluindo, então tento cuidar para que isso não aconteça.
Quem são seus melhores amigos? A minha turma de Brasília é a do segundo grau, do colégio Leonardo da Vinci. É com quem me sinto mais à vontade, quem me conheceu antes de me tornar famoso, então ninguém me paparica nem me alivia. Das amizades do cinema, uma das maiores é com o Wagner Moura. Foi ele quem escreveu o prefácio do meu livro, Pelas janelas. Tem também o Milhem Cortaz, que é mais do que um amigo, virou quase família. Quando cheguei a São Paulo, fiquei dois meses na casa dele. Morei na cidade de 2007 a 2010.
Foi na cidade que você escreveu o seu livro, em que faz referências explícitas a Jorge Luis Borges e João Cabral de Melo Neto. São seus autores favoritos? Foi uma época em que li muito, tinha mais tempo livre. E São Paulo tem essa coisa inspiradora: é nublado, faz frio. O Rio não é uma cidade que convida muito à vida intelectual. Sou apaixonado pela obra de Borges e João Cabral. O Mario Quintana também me influenciou muito, nessa coisa do singelo, do poema que termina de um jeito engraçado, o poema-piada.
Seu pai é um escritor premiado com o Jabuti. Vocês conversam sobre literatura? Muito. Ficamos até altas horas tomando vinho e conversando sobre política, livros e tudo mais. Às vezes estou lendo um livro, mas a tradução não é tão boa e ele me indica uma melhor. Meu pai tem uma produção muito forte de literatura infantojuvenil e faz um trabalho bacana porque nos livros dele os jovens não são sempre heróis. Tem anti-heróis, coisas politicamente incorretas. Também escreve excelentes contos para adultos.
O que você gosta de ler? Durante muito tempo li só os clássicos. Sou louco pela Ilíada e pela Odisseia, também passei pela Divina comédia e por Moby Dick. Dos contemporâneos brasileiros, gosto muito do Daniel Galera. Adorei Barba ensopada de sangue, um livro jovem, contemporâneo, sem aquela coisa de beatnik tardio, sabe? Aquele negócio: “Ah, eu escrevo mal, não boto maiúscula, não boto vírgula”. O Galera escreve bem, os parágrafos são limpos, ele é elegante e tem vocabulário rico. Não é um livro sobre um escritor bêbado, apaixonado por uma prostituta. É sobre um triatleta que vai morar numa praia de Santa Catarina porque teve um desencontro amoroso. Ele pratica esporte, nada no mar. É um livro que tem tudo a ver comigo, entendi aquele personagem.
O Brasil vive um momento político e econômico conturbado. Alguns artistas defendem que os atores devem se posicionar. Qual a sua opinião? Acho que todo mundo é livre pra se posicionar ou não. O ser humano é livre, a gente não deveria ser obrigado nem a votar. Esta é a briga que vale a pena brigar: pela liberdade de pensamento, de comportamento e de opinião. Dito isso, tenho acompanhado com atenção há vários anos a política no Brasil.
Qual é a sua opinião sobre o governo Dilma? Acho que a Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal e deve ser impedida por isso. Mais do que isso: ela fez um primeiro governo tão ruim, ela levou o Brasil a uma bancarrota tão profunda, que ela tem que pedir pra sair.
E o impeachment do Eduardo Cunha, você é a favor? Ah, demorou! Não tem a menor condição desse cara continuar no cargo. Em qualquer país sério, ele já estaria fora.
O que você acha de campanhas feministas como #agoraequesaoelas e #meuamigosecreto? A gente vive num mundo machista, então é muito legal ver esse momento de empoderamento da mulher. Os homens vão ter que começar a se observar e a mudar de atitude. Tenho uma mulher forte em casa. A gente tem embates em que ela me mostra como muitas vezes eu me amparo num pensamento antigo e machista. Aí tenho que retroceder. É difícil para o homem mudar, mas é assim que tem que ser.
Os homens estão assustados? Pode ser, mas a gente tratou as mulheres mal durante uns 40 mil anos de humanidade. Então as mulheres estão cobertas de razão em lutar por direitos iguais. A gente tem que evoluir dando direitos pra todo mundo: mulheres, negros, homossexuais, minorias étnicas e religiosas. Esta é a nossa batalha: entregar a humanidade num patamar melhor do que recebeu.
Há mulheres que são contra a publicação de ensaios de homens ou mulheres pelados, que criticam a ideia de “pessoa-objeto”. Você topou tirar a roupa para a câmera. O que você acha? Retratar o corpo humano é a coisa mais antiga do mundo. A gente vê a estatuária grega, eles já esculpiam os atletas, inclusive com uma idealização do corpo. É normal, faz parte do espírito humano consumir esse tipo de imagem. Se isso te ofende, não consuma. Acho ruim as pessoas cagarem regras pros outros.
Recentemente a gente viu uma discussão sobre machismo no cinema, com o episódio em que Anna Muylaert foi desrespeitada pelo Cláudio Assis num debate em Recife. Existe machismo na TV e, mais especificamente, nas novelas? Nos últimos tempos vem ocorrendo um empoderamento em várias personagens femininas até em detrimento dos masculinos. Por exemplo, em Avenida Brasil, meu personagem, Adauto, era um débil mental. O Tufão foi corno a novela inteira. O Silas vivia às custas da mulher. O mocinho vivido pelo Cauã Reymond era um fraco, vivia deprimido, ao passo que a Carminha mandava e desmandava em todo mundo. O universo masculino vem sendo retratado às vezes com pouca boa vontade, faltam bons papéis. Porque nem todo homem é escroto, machista, corrupto ou preguiçoso.
Quais são seus planos para depois que A regra do jogo acabar, em março? Eu tô conversando, lendo roteiros, mas ainda não bati o martelo em nada. Sei que eu quero tirar férias para surfar. Quero ir à Costa Rica, um lugar cheio de reservas naturais. Ali quebra onda tanto do oceano Atlântico como do Pacífico, é um paraíso.
O que gostaria de fazer que ainda não fez? Com quem tem vontade de trabalhar? Com o Luiz Fernando Carvalho [diretor do filme Lavoura arcaica, da novela Meu pedacinho de chão, da minissérie Hoje é dia de Maria, entre outros]. Lamentei que a novela dele, Velho Chico, começa logo depois da minha, o que me impossibilita de participar. Não que eu tenha recebido convite, nem sei se o Luiz Fernando sabe que eu existo. Também tenho vontade de trabalhar mais fora do Brasil. Tive a oportunidade de fazer o 360 com Fernando Meirelles em Londres e gravei O grande circo místico com Cacá Diegues em Portugal. Além disso, gostaria de fazer um personagem grande em novela, um protagonista. Pode ser mocinho ou vilão, tanto faz. Essa é a minha quarta novela das 9, acho que já está na hora de esse convite chegar, né?