Água obscena

Saber cuidar: você pode tomar um banho completo, lavando a cabeça, com um só balde de água

por J.R.Duran em

O objeto era um recipiente feito de lona marrom e impermeável. Tinha a forma de um balde e ficavapendurado, por meio de cordas, em uma árvore, e descia até poucos centímetros acima de minha cabeça. Às cinco da manhã alguém me acordava, depois de ter jogado água quente nele até quase chegar à borda. A água tinha sido fervida em um fogo aceso com galhos. Na parte inferior do objeto, pelo lado de fora, uma pequena torneira permitia a água passar e cair através de um chuveirinho de plástico. E é assim que tomava banho.

Peço um pouco de paciência, neste momento, para quem já conhece o chuveiro de balde, mas só fui apresentado a esse objeto alguns anos atrás, quando comecei a me interessar – e viajar – pela África. Confesso que não sou uma pessoa de passar os fins de semanas ao ar livre, acampando, dormindo no chão, essas coisas. Mas, enfim, o que quero dizer é que, quando deparo com algum tipo de instrumento que resolve os problemas cotidianos de uma maneira simples como essa, fico absolutamente impressionado.

A minha surpresa, naquela época, foi descobrir que um balde de água é o suficiente para tomar um banho completo. Lá dentro tem toda a água necessária para que se tire a espuma do sabonete espalhada no corpo e se dê uma lavada no cabelo com xampu. Na primeira vez duvidei que fosse verdade. Me enganei, claro. Foi perfeitamente possível. Depois de alguns dias chegava até a sobrar água.

Nó no estômago e na cabeça
Me lembro que fiquei abismado quando, já de volta ao hotel em Nairóbi e aos confortos da vida moderna, deixei a torneira aberta do chuveiro esperando que a água esquentasse até uma temperatura agradável. A visão daquela água jorrando impetuosamente daquele chuveiro cromado, depois de dias e dias com água pingando sobre minha cabeça, era vertiginosa. A palavra que me ocorre agora é: obscena. Não chegaria a dizer imoral, mas quase.

A quantidade de água que escorria – inútil – pelo ralo me deu, na hora, dois nós. Um no estômago e outro na cabeça. Me lembro perfeitamente que, desconcertado, fechei a torneira na hora. Acabei tomando o banho frio mesmo.

Anos depois, hoje, leio em algum lugar que apenas 2,5% da água do planeta é potável. Me lembro do chuveiro de balde e daquele dia – era de tarde – em Nairóbi. Tinha esquecido deles, claro. Assim como acabei esquecendo com o tempo, e com a pressa do dia a dia, da minha resolução de economizar a água que frequenta o meu cotidiano e que parece estar sempre garantida pelo pagamento da fatura no fim do mês.

 

*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran

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