Radicais livres
Lama Michel e OsGemeos são homenageados no Trip Transformadores 2015
O movimento Trip Transformadores celebra, neste ano de 2015, nove edições da iniciativa que reconhece e dissemina histórias inspiradoras Brasil afora. Além da cerimônia no Auditório Ibirapuera, em novembro, você vai conhecer, ao longo dos próximos números da Trip, os dez homenageados do ano e saber como a busca por reflexão constante e um olhar que injeta sonho na realidade pode ser ferramenta importante para garantir mais igualdade e equilíbrio na sociedade.
A seguir, leia duas dessas histórias: a do Lama Michel Rinpoche, monge paulistano que, aos 12 anos, trocou a cidade por um monastério budista na Índia, e é reconhecido como a reencarnação de um monge tibetano; e a do universo lúdico dos irmãos gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo, que vivem para transformar o mundo real na utopia de uma “Era cor de laranja”, cor sempre presente em seus trabalhos.
O Prêmio Trip Transformadores é apoiado por marcas com princípios alinhados à iniciativa e a seus homenageados. Este ano o prêmio tem o patrocínio do Grupo Boticário, nosso parceiro desde 2008, copatrocínio de Ambev e apoio de Suzano Papel e Celulose, Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Academia de Filmes e Update or Die.
OsGemeos: Acreditar nos sonhos para transformar realidades
Nascidos em 1974, numa “era cor de laranja” – alusão à luz que entrava em seu quarto durante a infância –, Osgemeos é como se fosse uma coisa só, e não só na grafia, sem acento, do nome adotado pelos irmãos artistas Gustavo e Otávio Pandolfo. “Se for colocar chapéu num ‘ê’, tem que colocar no outro também”, riem, endossando o motivo pelo qual concordamos em tratar Osgemeos como uma única voz nesta entrevista – na verdade, para sermos rigorosos, Osgemeos são três, pois Arnaldo, irmão mais velho, tem papel central na trajetória dos artistas; foi ele quem os apresentou aos amigos da rua, ao break dance e ao grafite.
E não é possível falar de Osgemeos sem falar de Tritrez, nome escolhido para o mundo lúdico com personagens amarelos que criaram. Os irmãos contam que a palavra significa “três vidas”.
“É um filme que fica passando na nossa cabeça o tempo todo e, a cada trabalho que fazemos, congelamos um frame e transformamos em tela, numa lateral de um prédio ou numa escultura”, explica a dupla. “A vida é muito curta para pintarmos todo o filme, mas tentamos fazer o máximo que a gente pode”, arrematam.
Grafite é na rua
A transformação sempre fez parte da realidade dos irmãos. “Antigamente, as coisas eram muito difíceis de conseguir. Não só informação, mas material também. Essa dificuldade acabou, paradoxalmente, nos ajudando”, contam. A necessidade de se expressar e criar as coisas como eles as imaginavam era o que perseguiam. “Por que o brinquedo tinha que ser daquele jeito?”, questionavam-se durante as brincadeiras, na infância, antes de derretê-lo no fogão de casa e construírem de outro jeito.
O grafite veio com a chegada do filme Beat Street (1984), que retratava a cultura do Bronx, nos Estados Unidos. Era a oportunidade de aliar hip-hop à paixão por desenhar. “Não tinha preço aquilo, ficar um em cada esquina para ver se não tinha polícia, usar o resultado como cenário para o break”, dizem, recordando os primeiros anos de grafite.
Durante quase cinco anos, um internato artístico em seu próprio quarto deu vida à “era cor de laranja”. Nas luzes de velas, nas pinturas de queimadas que seu tio exibia na sala de casa, na luz do sol que batia na parede, na influência do grafiteiro Espeto – que deu assistência na definição dos traços dos personagens que criavam –, nos filmes do Pink Floyd e na cultura hip-hop do Cambuci.
A primeira transformação operada pelos gêmeos foi fazer da lata de spray uma ferramenta com traço fino, técnica que se tornou uma marca. Com o spray em mãos, as aventuras pela cidade eram realizadas em paralelo aos empregos na lanchonete, na funilaria, na locadora e até mesmo no banco – os dois trabalharam no mesmo banco, em agências diferentes. “Foi difícil porque abrimos mão de um emprego com todos os benefícios para viver de desenho”, falam Gustavo e Otávio. E não foi fácil contar para a mãe sobre a decisão de abandonar a carreira no banco.
Depois de mais de dez anos pintando pelas ruas e quintais do Cambuci, e levando portfólios feitos à mão para revistas como a Trip (há ilustração de Osgemeos em edições dos anos 90), um convite para expor na Alemanha, em 1999, fez com que iniciassem uma sólida carreira no universo da arte contemporânea.
A arte brasileira ganharia asas, texturas e cores em cenas lúdicas nas mãos caprichosas de Gustavo e Otávio. “Quando moleques, fazíamos esculturas na casa da minha mãe e nem sabíamos que fazíamos escultura. São suportes diferentes e a gente é livre para fazer todos eles ao mesmo tempo”, dizem. “Grafite é na rua, no museu e na galeria nós trabalhamos outras plataformas.”
A cada novo projeto, o imaginário é atiçado e a consciência é despertada para questões relevantes. Um bunker instalado à porta do Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, recentemente, por exemplo, alerta sobre a importância de preservar a arte popular brasileira. A mensagem, em toda a obra da dupla, é a importância em alimentar o espírito de sonho que há em cada um.
Para Osgemeos, a receita da transformação é simples: “É sonhar, acreditar e transformar. Vai dar certo”.
Lama Michel: Tudo se transforma
Aos 5 anos, apresentado a um monge tibetano em uma festa de família, o paulistano Michel Lenz Cesar Calmanowitz, filho de pais de tradição presbiteriana e judaica, decidiu o que queria para o resto da vida: ser exatamente daquele jeito. “Foi amor à primeira vista. Via meu mestre como uma pessoa feliz e satisfeita, e queria ser aquilo. Queria ser feliz”, diz.
Até decidir estudar em uma universidade monástica na Índia, aos 12 anos, Michel teve tempo para encontrar sentido nas possibilidades de futuro para um jovem ocidental, mas isso não aconteceu. “Comecei a olhar em minha volta e os adultos só reclamavam. Meu mestre, não”, ele conta, referindo-se ao lama Gangchen Rinponche. Mudou-se então para a Índia, com a companhia do pai nos dois primeiros anos, e se tornou o lama Michel Rinpoche.
Paz no currículo
Hoje, ele mora na Itália e compartilha ensinamentos sobre abandonar o sofrimento e buscar a paz interior. Também realiza peregrinações e vem ao Brasil para dar continuidade à Fundação Gangchen para a Cultura da Paz, que criou em São Paulo.
Entre os projetos defendidos pelo lama está a inclusão da disciplina “saúde emocional” nas escolas. A falta disso, ele diz, é uma das principais razões para conflitos. “Acredito que aprender a cuidar de nossa mente, de nossos sentimentos, é fundamental”, diz.
Para Michel, há limites no livre-arbítrio. “Não estamos livres da educação que recebemos, da situação na qual crescemos, das experiências que vivenciamos, do ambiente no qual vivemos, e nem das pessoas que estão a nossa volta”, afirma. “Porém podemos escolher dizer ou não uma palavra, seguir um pensamento ou outro. Aí estão nossas diferenças, mas fomos condicionados previamente por tudo aquilo.”
Transformar-se, ele ensina, é um processo constante e contínuo, e ocorre respeitando condições. A principal delas é aceitar a vida – que ocorre no presente. Mas não confunda o “presente” do lama com a famosa expressão carpe diem, “aproveite o dia’ em latim. “O presente determina o amanhã e não existe sem o que houve ontem”, afirma Michel.
Problemas globais
Saber o que se quer é importante para essas transformações – quanto mais atualizada e detalhada a imagem mental daquilo que se pretende, melhor será a percepção da transformação, e menor a desilusão –, assim como interagir com coisas diferentes.
A globalização, entretanto, não tem contribuído para essa interação, segundo o lama. “Hoje em dia estamos acostumados a fazer tudo igual: viajamos pelo mundo, mas vamos aos mesmos restaurantes, compramos nas mesmas lojas e fazemos as mesmas coisas, então não saímos da própria zona de conforto, e isso diminui a interação”, ele diz. “A globalização diminui muito a transformação por tornar tudo superficial.”
Opinião do lama
- Machismo e Feminismo: “O potencial de iluminação é igual para homens e mulheres, mas a mulher tem capacidade de intuição maior. Temos que respeitar diferenças e usá-las a favor”
- Aborto: “A vida é importante. É uma ação muito violenta, com anos para resolver isso internamente. É preciso mudar a forma como nos relacionamos com o sexo”
- Homossexualidade: “O importante é respeitar o próximo, ter amor, generosidade. O mais importante é a conduta e não o interesse sexual”
- Racismo: “Representação de profunda ignorância e apego pela realidade como foi apresentada. Tomo cuidado para não ser racista com racistas”
- Sexo: “Processo no qual nossa ‘mente mais sutil’ assume o corpo. Isso só acontece quando a gente dorme, desmaia, chega ao orgasmo ou no momento da morte”