Dexter: Para cada Djamila existe um Fernando Holiday

O rapper fala sobre música, luta e racismo: "Ao mesmo tempo em que temos personalidades negras tentando fazer com que nosso povo marche para frente, outros andam na contramão. É uma briga muito dura"

por Redação em

Dos 48 anos que o rapper Dexter tem de vida, treze foram vividos na prisão. De dentro do Carandiru, ele se reinventou, investiu na música e criou uma trajetória de sucesso. Mas isso são águas passadas: fica cada vez mais incoerente começar a contar a sua história pelo cárcere. Nem mesmo o rap é o suficiente para defini-lo. Hoje, o cantor é também ator e se arrisca como sambista – quem acompanha os shows do Péricles e do Salgadinho, por exemplo, sabe de suas participações. É até um discreto amante da moda, mas tem mantido o visual imutado para preservar as características do personagem CD, papel que interpreta na série Pico da Neblina, da HBO, que está em gravação da segunda temporada.

Dexter é ainda uma potente arma na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Dos projetos sociais que participa, destaca-se o Trampo Justo, em parceria com o juiz Iberê Diase, voltado a jovens assistidos por casas de acolhimento que, aos 18 anos, precisam deixar as instituições onde moram para encarar o mundo sozinhos.

Nada disso parece ser possível, no entanto, se o compositor, como ele mesmo conta, não tivesse decidido crescer intelectualmente. Na prisão, escolheu o caminho dos livros e hoje procura semear a informação. Quando perguntado o que acha do entretenimento que glamouriza a vida do crime, responde: "Glamour é ler". E embora reconheça que uma série de figuras importantes e conscientes tenham assumido a frente na luta contra o racismo, lamenta aqueles que parecem jogar contra. "Ao mesmo tempo em que temos Preto Zezé, Silvio de Almeida, Djamila e diversas personalidades negras tentando fazer com que o nosso povo marche para frente, temos também Fernando Holiday e Sergio Camargo andando na contramão, sendo contra tudo aquilo que acreditamos".

Em um papo com o Trip FM, Dexter conta ainda sobre a mãe, uma gari que decidiu adotá-lo com um mês de idade. Confira no player, no Spotify ou leia um trecho da entrevista abaixo.

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Dexter no palco do Trip Transformadores, de 2019 - Crédito: Mariana Pekin / TRIP Editora

Trip FM. Deve fazer uns três anos que não nos falamos. De lá até aqui, na sua visão, existiu uma melhora na situação do povo preto ou ainda continua muito sofrido e baixo o nível de equidade?

Dexter. Ao mesmo tempo em que temos Preto Zezé, Silvio de Almeida, Djamila Ribeiro e diversas personalidades negras tentando fazer com que o nosso povo marche para frente, temos também Fernando Holiday e Sergio Camargo andando na contramão, sendo contra tudo aquilo que acreditamos. O fato de termos pessoas capacitadas à frente, discutindo, já é uma melhora considerável. É um momento de uma briga muito dura. Estamos no front, a gente está batendo, mas continuamos apanhando para caralho. Existem negros que são contra as cotas, contra personalidades que são referência para nós. Por isso que a juventude precisa entender a importância dessa caminhada: muita coisa está nas mãos deles. Tem um monte de gente no ringue brigando pela melhora do nosso povo, pela melhora do Brasil. Quando a diversidade entra no eixo, todo mundo ganha, porque a gente consome, constrói.

Me conta do planeta samba. Sei que não é de hoje que você tem essa conexão, mas agora parece que de fato você pousou nele. Eu gosto de MPB, do sertanejo raiz, da música que me faz bem. O rap é o meu carro-chefe, mas o samba sobretudo é uma música que me convence e me alegra muito. De uns anos para cá tenho feito muita participação. Com o Péricles, com o Salgadinho, por exemplo. E eles aparecem nos meus shows também, o que mostrou para alguns críticos que rap é música, sim. Por muito tempo o rap me fez ficar preso. Os próprios fãs acreditam com veemência que rapper não pode fazer outra coisa. Mas quando eu comecei a circular no samba e as pessoas começaram a ver, eles passaram a me compreender e a aceitar. Quando eu lancei o samba, graças a Deus só vieram elogios. 

A gente que faz revista, rádio e propaganda carrega um pouco a culpa de criar desejo na cabeça das pessoas ao mesmo tempo que grande parte da população não tem dinheiro para comprar um bife. Como você lida com isso, com o moleque que de repente que vai querer comprar um tênis porque viu você usando? Eu fui uma criança privada de muita coisa, mas hoje meu sustento me garante algum consumo. Acho que devo ter essa liberdade para usufruir, pois foi o suor que me deu. O que tento fazer é dizer nas minhas letras e entrevistas que a juventude precisa conquistar. A gente sabe das dificuldades que o Brasil apresenta para eles, mas o que me resta é acreditar no que proponho, que é: leia, se informe e busque a sua liberdade. Martin Luther King já dizia que a liberdade jamais vai ser dada pelo opressor. A maneira de não me culpar é dizendo ao jovem que ele precisa conquistar. Nesse país, com honestidade, só se conquista batalhando. A minha música explica para eles que não é preciso passar pela etapa que eu passei, que é o crime.

Créditos

Imagem principal: João Wainer

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