Yes, she can
Em que medida o poder feminino é diferente? Como mulheres em posição de comando encaram o poder
Jornalista há 35 anos, foi a primeira repórter negra da TV brasileira e é uma das apresentadoras mais conhecidas do país
O que é poder? Inquietação, necessidade de renovar.
Qual foi o dia em que se sentiu mais poderosa? Sempre fui querida e bem recebida pelo povo. Tinha as portas abertas.
E mais impotente? Em 1976, fui convidada a usar o elevador dos fundos do hotel Othon Palace, no Rio. Ali a discriminação racial falou mais alto [na época, racismo ainda não era crime, mas Glória processou o hotel. O gerente, estrangeiro, foi convidado a sair do país].
A menina do vale
Em julho deste ano, a revista americana The Atlantic fez barulho ao trazer na reportagem de capa o relato de uma poderosa ex-funcionária do governo que desistiu da carreira para dar atenção aos filhos adolescentes. Anne-Marie Slaughter, que foi número um na equipe de planejamento do Departamento de Estado dos EUA, detalhou sua angustiante luta por um equilíbrio que, ela conclui, não existe: “O malabarismo entre o trabalho governamental de alto nível e as necessidades de dois adolescentes não era possível”, escreveu no artigo, intitulado “Por que as mulheres ainda não podem ter tudo” (“Why women still can’t have it all”).
Isabel PesceDona da Lemon, empresa startup no Vale do Silício, nos Estados Unidos, que recebeu aporte financeiro de US$ 8 milhões O que é poder? Acesso. O poder como a gente conhecia está acabando. Você não tem poder por ser chefe. As regras de quem cresce profissionalmente estão completamente alteradas. Qual foi o dia em que se sentiu mais poderosa? Quando descobri que é possível saber do que as pessoas gostam e fazer com que elas se descubram felizes realizando um projeto que nasceu na minha cabeça. Aos 19 anos, mesmo sendo estagiária na Microsoft, as pessoas me ouviam. E mais impotente? Quando comecei a procurar parcerias para a Lemon, no início. Foi difícil driblar as burocracias e mostrar a minha ideia. |
Apesar de não ter filhos, Isabel Pesce Mattos, que em poucos anos de profissão atingiu posição invejável no Vale do Silício, a região da Califórnia onde estão as mais importantes empresas pontocom do planeta, tem noção clara de que a maternidade torna diferente o jeito com que mulheres e homens encaram a carreira. “Muitas mulheres, quando têm filhos, querem tirar cinco, seis anos para cuidar deles. E isso vai existir sempre.” Aos 17 anos, Isabel se mudou de São Paulo para os EUA e foi estudar no MIT (Massachusetts Institute of Technology). Depois, estagiou no Google e na Microsoft (onde ganhou uma bolsa de estudos) e, aos 23, fundou a Lemon, empresa que acaba de receber aporte de US$ 8 milhões por conta do sucesso de um aplicativo de finanças que já teve mais de 1 milhão de downloads. Autora de A menina do vale, livro sobre empreendedorismo, ela diz jamais ter sofrido preconceito por ser mulher e se vê parte de uma geração em que, com a democratização da informação, aqueles dispostos a ralar muito podem conseguir o que quiserem. Sejam homens ou mulheres. “Quando se pensa em poder, ainda se remete a uma pessoa mandando em outras. Mas já não é assim aqui no vale. Ter poder não é ser mandachuva. É poder fazer. E criar uma cultura em que todos possam crescer e ser responsáveis por si mesmos.”
“Não vivo em meio a homens achando que são melhores. Acho isso chato, careta e antigo” Flora Gil, empresária
Diretora da Gegê Produções Artísticas, Flora Gil administra a carreira de Gilberto Gil, seu marido há 32 anos, e é responsável por toda a engrenagem do camarote Expresso 2222, negócio que movimenta milhões de reais durante o Carnaval baiano. Cada dia mais ocupada – e mais poderosa – ela acha que o jogo está cada vez mais favorável às mulheres, por tudo o que já foi trilhado. “Antigamente nosso espaço era demarcado em papéis coadjuvantes, mas hoje vemos e sentimos as mudanças. Estamos no comando de governo, empresas, hospitais, caminhamos bastante.” Flora acredita até que certas discussões relacionadas a gênero estão ultrapassadas. “Não vivo em meio a homens achando que são maiores ou melhores que as mulheres. Acho isso chato, careta e antigo.” A percepção vem do meio em que ela atua: “Na arte, na música, às vezes os homens são mais mulheres e as mulheres são mais homens. Tudo caminha com sabedoria, tranquilidade e respeito”.
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Flora GilDiretora da Gegê Produções, administra a carreira de Gilberto Gil e organiza o camarote Expresso 2222, que movimenta milhões de reais no Carnaval de Salvador O que é poder? Ter mais responsabilidade que os outros. Em que momento se sentiu mais poderosa na vida? Nunca me senti “a poderosa”. Posso ter estado perto do poder quando Gil foi ministro, durante o governo Lula. Frequentávamos a casa do presidente da república, e achava engraçado almoçar ao lado de pessoas tão importantes. Mas nunca me iludi. E mais impotente? Quando eu e minha irmã fomos assaltadas no Rio, numa tarde ensolarada. |
Boca no trombone
Menos tranquila é a seara em que se meteu a professora Amanda Gurgel, que acaba de ser eleita vereadora pelo PSTU de Natal, no Rio Grande do Norte, com expressivos 32 mil votos. Amanda, que ficou famosa por um vídeo-desabafo (bit.ly/AmandaGurgel) sobre a situação da educação no país – com mais de 2,3 milhões de visualizações no YouTube –, decidiu entrar na política com o ideal de mudar a realidade – um poder que ela sonha conseguir exercer mesmo com as dificuldades que já sabe que vai encontrar ao assumir o cargo, em janeiro de 2013.
A trajetória de Amanda foi moldada por uma grande referência: a avó. “Cresci num sistema matriarcal e quem mandava era ela, mulher de vanguarda, diferente de outras de sua época. Sempre achou o máximo esse meu jeito de questionar e lutar pelas coisas.” Sobre a condição feminina, Amanda comemora o que foi conseguido até aqui, mas também tem a sensação de que falta muito. “Ainda existe opressão e a ideia de que a mulher não é capaz. Se a questão de gênero estivesse superada, não existiria a obrigação legal de ter 30% de mulheres nas chapas dos partidos.”
Mas Amanda não precisou de cota alguma para se eleger – nem ela nem nenhuma política brasileira, já que a cota só vale para o número de candidatos de um partido. O que garantiu sua vaga no plenário foi, sim, a bandeira que a vereadora levanta – a da educação –, que é especialmente importante para as causas femininas. Quanto mais educadas, mais aptas as mulheres estarão para se defender de injustiças e violências, fazer valer seus direitos, ocupar cargos de liderança e realizar projetos de toda ordem. “Tudo passa pela educação”, ressalta Mary del Priore. “Nas áreas onde ela é mais deficiente, as mulheres continuam vítimas do machismo. Onde há maior excelência de formação e maior número de mulheres estudando, sua valorização na família, na sociedade e no mercado de trabalho é maior.”
Amanda GurgelProfessora, ficou famosa com um vídeo-desabafo sobre a educação no Brasil, com mais de 2 milhões de acessos no YouTube, e acaba de ser eleita vereadora em Natal (RN), com 32 mil votos O que é poder? Tem o poder institucional, político, mas existe o poder da mobilização do povo. As pessoas não têm noção de que são capazes de aprovar uma lei mesmo que os vereadores não queiram. É isso que eu represento hoje. Qual foi o dia em que se sentiu mais poderosa? No dia das eleições. Foi o momento em que me vi consciente da abrangência que tem meu nome. E mais impotente? Ao lidar com o analfabetismo funcional, com salas superlotadas, com questões estruturais que deixam a vida do professor restrita de lazer, repouso... |
Esperança à vista
Na visão da ONU Mulher, entidade para a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, criada em julho de 2010 pelas Nações Unidas, é preciso acelerar o atendimento das demandas de mulheres e meninas no mundo, levando a elas oportunidades de desenvolvimento pessoal. “Ao lado da impunidade dos agressores, em casos de violência contra a mulher, a desigualdade no acesso a oportunidades, em todas as áreas, é o grande problema feminino da atualidade”, afirma Rebecca Tavares, representante no Brasil da ONU Mulher (que é dirigida internacionalmente pela ex-presidente do Chile Michelle Bachelet).
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Mais do que a presença de Dilma Rousseff no Planalto, os 44% de mulheres que compõem a força de trabalho no país são os grandes responsáveis por uma mudança substancial na questão de gênero. Para Jacqueline Pitanguy, socióloga que coordena o Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), ter crianças vendo que a mãe trabalha é por si só um fator de transformação. “O filho que vê que é a mãe quem compra alimentos para a casa cresce com outra visão sobre a mulher. De forma sutil, isso vai proporcionar mudanças.”
O efeito DilmaO país tem sua primeira presidenta. Faz diferença mesmo? Ao ser eleita em 2010 com 55,8 milhões de votos, a mineira Dilma Vana Rousseff se tornava não apenas a primeira presidenta (com o “a” final, como ela prefere) da república brasileira, mas um símbolo fortíssimo no imaginário de meninas e mulheres do país: Mas as opiniões divergem quando se tenta explicar o que essa configuração rosa-shocking traz de resultado prático para as mulheres do Brasil. Para a historiadora Mary del Priore, não quer dizer tanta coisa. “Gênero nunca foi garantia de sucesso. Existe a idealização de que uma mulher possa fazer o trabalho de limpeza a que está associada no imaginário social. Mas grandes escândalos de corrupção também têm mulheres envolvidas.” Flavia Pitanguy, socióloga, acredita que o efeito pedagógico é muito significativo. “As meninas têm um modelo, podem aspirar a exercer poder. Quando perguntadas sobre o que querem ser no futuro, podem responder ‘presidenta da república’.” Rebecca Tavares, da ONU Mulher, lembra que, apesar de Dilma e suas ministras, as mulheres ainda enfrentam dificuldades para ocupar cargos de alto escalão. “O fato de termos uma presidenta não quer dizer que não existe mais desigualdade de gênero.” O único consenso é o de que falta no país um amadurecimento da cidadania: cobrar dos governantes uma gestão correta e justa. Sejam eles homens ou mulheres. |