por Milly Lacombe
Tpm #112

Apresentadora fala das mudanças em sua vida e a imagem de boa moça criada pela televisão

 

Sarah Oliveira sempre foi simpática, alegre, boa moça. Até que a vida pregou uma peça e ela entrou em um quarto escuro, de onde acaba de sair – mais forte, mais madura, mais livre e um pouco menos risonha

Quando a barata apareceu estávamos conversando havia pouco mais de 10 minutos. Sarah contava como teve a ideia de criar o Viva voz, programa que ela produz, codirige e protagoniza e que entrou na grade do canal pago GNT sob aplausos de público e de crítica. Bem nessa hora, minha visão periférica flagrou o inseto vindo do jardim e entrando sem 

cerimônia na sala do apartamento, um prediozinho paulistano de poucos andares, antigo e charmoso. Pensei em gritar, mas, por vergonha, engoli. A barata desviou de uma espécie de santuário que fica no chão, perto da porta que dá para o terraço, e que contém um enorme livro da Índia que Sarah ganhou do ex-VJ Cazé, pai de seus dois afilhados, e imagens de Oxum e Ganesha. Só então avisei à anfitriã o que estava vendo, nutrindo a convicção de que sairíamos as duas correndo porque Sarah, evidentemente, não faz o tipo de mulher que mata barata.

Atônita, observei quando ela calmamente se levantou, tirou o All Star que usava e, sem titubear, deu um cascudo de macho no bicho. Feito isso, voltou para o sofá, pegou a xícara de café que estava tomando e disse: “Eu mato, mas não cato. Quando o Thi chegar ele pega”.

Thi é Thiago, o parceiro de vida, com quem está casada há seis anos. “Casei pela 
balada”, conta. “A religião dele é fazer o bem e a minha é uma mistura de coisas, então o único motivo para casar era dançar a noite inteira.” E a festa, que aconteceu no Jockey Club de São Paulo, se estendeu de fato até o sol nascer.

Naquela noite, como boa comunicadora, quando pegou o microfone para fazer os votos, não soltou mais. “Sempre quis ser comunicóloga”, diz. Aos 17 anos, entrou no curso de rádio e TV da Faap e foi estagiar na 89 FM. Depois veio a MTV e, de lá, a Globo. Pergunto se não deu medo de carregar com ela o estigma de garota MTV. “Eu adorava ser a Sarah da MTV. Até o último dia do Vídeo show fui a ‘Sarah da MTV’.”

Em 2009, soube que o contrato com a Globo não seria renovado. Nesse mesmo ano, foi informada de que o casamento dos pais estava acabando e, meses depois, a mãe sofreria uma embolia pulmonar. A vida entrou num redemoinho. “Tive problema de relacionamento no trabalho, briguei, chorei na frente de quem não queria ter chorado, gritei e ofendi quem não queria ter ofendido. Passei uma fase sem me reconhecer.” Seguiram-se quase dois anos de prantos diários.

A partir daí, entrou em um quarto escuro, onde sangrou sozinha. “Faço análise desde os 17 anos e sempre atingi estágios de melancolia. As pessoas me veem alegre, e sou de fato muito alegre porque, por exemplo, se estou mal e vejo você na rua, fico feliz de te ver. Mas aí você vai embora e volto para a melancolia de antes.”

“Quando me falam que o Thiago [o marido] é um cara legal, respondo que ele poderia ser o mais legal do mundo, mas que se não me deixasse com tesão não ia rolar. As pessoas ficam meio chocadas”

Ela explica que a melancolia é um estado de espírito que a ajuda a produzir. Para ilustrar, cita sua heroína, a mexicana Frida Kahlo, que está em todos os cantos da casa: livros, gravuras, quadros, citações. 
“Tenho uma família linda que me ama muito, um marido que é um cara sensacional, amigas de infância que estão até hoje comigo, tudo o que fiz sempre foi ótimo, eu era uma das mais populares do [colégio] São Luiz e me obrigava a tirar sempre 10 porque não podia ser popular só por ser legal, queria ter densidade, não bastava falar de Freud, Freud era muito básico, tinha que ser [Carl] Jung e [Donald] Winnicott [risos], isso gera um vazio, sabe? E olha a Frida, que se fodeu, entrou uma barra no coração dela, saiu pelo outro lado, eu lia a história dela, me acabava, achava sofrida, linda.”

A casa caiu
Sentir não é problema para ela, que entende os altos e baixos da vida, mas, como meta, quer chorar menos. “Choro se me elogiam, se me criticam, choro a toda hora.”

A saída da Globo serviu para fazer nascer uma Sarah mais forte. Foi, por exemplo, durante o ano mais difícil de sua vida que ela idealizou o Viva voz – em que celebridades descobrem como são vistas por pessoas desconhecidas. Com a ajuda do irmão, o cineasta Esmir Filho, 28, formatou o programa e foi vendê-la ao Fantástico (Esmir dirigiu Os famosos e os duendes da morte, melhor filme no Festival do Rio de 2009). “Comecei a achar que a TV brasileira estava idiotizando o telespectador. Ouvia falar em coisas como ‘a TV para a família’ e pensava: ‘O que é isso? Que coisa reacionária’.” Bolou um programa que não invadisse o entrevistado e, ao mesmo tempo, também não o bajulasse. “Aí me disseram que aquele era um formato diferente e moderno e que poderia ser ótimo para o GNT. Fui falar com a Letícia [Muhana, ex-diretora-geral do canal].”

Tudo parecia ter voltado aos eixos, mas o fim do casamento dos pais, que se conheciam há 43 anos, ainda abalava as profundezas do mundo perfeito de Sarah. “Eu vi o amor se transformando em uma coisa fraternal e jamais achei que aconteceria com eles.” Entrava em colapso o ideal da família perfeita que ela nutria.

Sarah ainda tentava digerir aquilo quando a mãe teve que ser internada; os médicos diziam que era grave porque havia coágulos no coração e que a família devia tentar se preparar para o pior. Foi quando tudo começou a fazer sentido. “Meu pai dormiu com ela todos os dias no hospital, ele não desgrudou nem um minuto. E entendi que eles continuavam juntos, só que agora de outro jeito.”

Quando a melancolia passou, notou que tinha se livrado de conceitos que não estavam encaixados à pessoa que julgava ser. “Foi libertador porque sempre tive uma visão menos conservadora das coisas, e isso de valorizar a ‘família Doriana’ não batia. Aí, toquei um foda-se e notei que as pessoas, por mais modernas que sejam, te cobram uma postura conservadora, que nego se incomoda com a liberdade do outro.”

A amiga, empresária e fotógrafa Flávia Montenegro, que faz parte da equipe do Viva voz e conhece Sarah desde os 8 anos, diz ter notado a mudança depois do Vídeo show. “Ela sempre foi a garota perfeita: bailarina, estudante nota 10, fazia inglês e francês, era um doce com todo mundo. Se eu dizia que alguém tinha falado mal dela, ela respondia: ‘Ah, ela deve estar cansada, num mau dia, mas ela é bacana’. A nova Sarah já deixa a irritação aparecer um pouco mais, fala mais o que pensa.”

Depois de ler três volumes de A história da sexualidade, de Michel Foucault, diz que bateu um clique e a sensualidade virou protagonista. “Hoje, quando me falam que o Thiago é um cara legal, respondo que ele poderia ser o mais legal do mundo, mas que se não me deixasse com tesão não ia rolar. As pessoas ficam meio chocadas”, conta rindo. Outro choque é o fato de ela não ter filhos. “Das minhas amigas, sou a única que não tem. As pessoas ficam encucadas, me cobram. Um dia vou ter, mas e se não tiver? Tudo bem também, não?”, questiona, aos 32 anos.

É justamente essa pegada mais conservadora que tem irritado Sarah, que anda com bode até de rotular gay e hétero. E conta a história de uma amiga que vive dizendo que ela e a namorada formam um casal tipo hétero. “Eu falo: ‘Como assim ‘tipo’ hétero? Não existe ‘tipo’. Você tá sendo muito careta’.”

“O que me importa é lealdade. Se você está sendo leal ao seu sentimento, ao sentimento do outro, tudo bem. Mas não venham com papo careta de fidelidade”

Outra amiga critica uma terceira que tem um caso extraconjugal há dez anos: “Não me conformo, por que não separa do marido?”, vive perguntando. E Sarah, nessa fase meio foda-se, vai dizendo: “Por que você acha que precisa se conformar? É a história dela. Você fica rotulando como ‘caso’, quem disse que é assim? Deixa as pessoas terem as histórias. Não tô propondo uma putaria, tô falando de amor”.

Pergunto a respeito de fidelidade e ela se ajeita no sofá. “O que me importa é lealdade. Se você está sendo leal ao seu sentimento, ao sentimento do outro, tudo bem. Mas não venham com papo careta de fidelidade.” E diz que muita gente chega nela assim: “Sarah, você estava flertando?”. “Ué, estava, e daí? Eu sensualizo total mesmo. Preciso ter tesão. Sou apaixonada pelo meu diretor, pelo maquiador, por minha empresária. As relações têm que ser erotizadas, não tem nada menos erótico do que passar o tempo todo tentando agradar, tentando ser perfeita. E eu era isso: a Sarah tem que ser legal, tem que fazer rir...”

De família
De alguns meses para cá, a cobrança do mundo passou a ser seu peso: Sarah, que já era magra, perdeu um par de quilos, e algumas amigas estão preocupadas. “Eu digo: ‘Acostuma porque não tem volta’”, divertese antes de explicar que está comendo mais do que antes: “Fui à casa do Serginho [Groisman], que me conhece desde os 17 anos e sabe que me preocupo com a alimentação, e me empanturrei de [chocolate] Lindt e de pizza, e ele: ‘Nossa, que draga, Sarah!’”.

Mas ela acha que, se não tivesse se libertado de conceitos antigos, não haveria o Viva voz. “Montei um time de pessoas que amo e tivemos que dar a cara a tapa, arregaçar as mangas, correr atrás de patrocinador, de produtora, tudo sem saber se iria entrar em alguma grade. Não ganhei nada na primeira temporada.”

Para Esmir, seu irmão, Sarah sempre teve uma qualidade midiática que está se revelando para o mundo: “Ela é uma pessoa que se espalha”, diz. “Se envolve com o projeto inteiro, em todos os aspectos, e agora isso fica mais claro.” Hoje, sabendo de como foi suado chegar aonde chegou, quando a gravação acaba, emocionada, ela chora.

“Eu sensualizo total. Preciso ter tesão. Sou apaixonada pelo meu diretor, pela minha empresária. As relações têm que ser erotizadas, não tem nada menos erótico do que passar o tempo todo tentando agradar, tentando ser perfeita”
Vera Egito, cineasta e diretora-geral do Viva voz, não conhecia Sarah até ser convidada por Esmir para abraçar o projeto. Como é apaixonada pelo trabalho dele, topou. “Rapidinho percebi que a doçura e o caráter eram de família. Sarah é uma profissional incrível, que vem me ensinando muito sobre comunicação em TV”, diz.

Filha de uma psicanalista e de um diretor de empresa de auditoria, Sarah reconhece que ela e os irmãos tiveram até aqui uma vida repleta de amor e de oportunidades. Mas não pode deixar de analisar o adulto que os três viraram. Henrique, 24 anos, o caçula, é artista plástico residente da galeria Vermelho e faz um trabalho sobre os subterrâneos de Paris. “Ele só fala de sombra, de mofo, e é um cara alegre, risonho. Os filmes do Esmir são densos, frios, e ele é um otimista. E eu idem: sou feliz, mas entendo a sombra.”

Para ela, a explicação tem que estar na mãe. “Minha mãe sempre achou tudo lindo, tudo ótimo, acredita que tudo vai dar supercerto sempre. Até que um dia a gente começou a se questionar: ‘Não pode estar sempre tudo tão bom assim como a mamãe diz’”, diverte-se.

Pergunto como Thiago tem reagido a essa nova Sarah. “Às vezes ele me diz: ‘Não concordo com o que você está falando, mas entendo que pense assim’. Ele é esse cara, que acorda às sete da manhã para trabalhar com tecnologia da informação, que ouve meus papos e, mesmo sem fazer eco, consegue rir. Ele vai ler esta matéria, ver o que eu disse sobre flertar e falar: ‘Como você é ridícula de dizer isso’. E aí ele vai rir e me abraçar.”

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