O mosaico feminino do documentário Mulher
Na pré-estreia realizada em parceria com a Tpm, Marina Person, Adriana Barbosa e outras convidadas debatem o que significa ser mulher
Mulheres de todas as etnias, idades e realidades, com as histórias das mais inspiradoras às mais desumanas. Todas contadas olho no olho, sentadas diante de um fundo preto. Depois de mais de 2 mil entrevistas em 50 países, o documentário Mulher, dirigido pelo francês Yann Arthus-Bertrand e pela ucraniana Anastasia Mikova, desembarcou em São Paulo no último dia 5 para a pré-estreia realizada pela Inspirartes e Imovision em parceria com a Tpm – o lançamento nos cinemas brasileiros está marcado para o dia 12 de março.
O Brasil foi a última parada do filme, que viajou pelo mundo para entrevistar mulheres que não queriam só falar, mas também serem ouvidas. Menstruação, sexualidade e maternidade são alguns dos temas tratados no documentário, que também fala de assuntos delicados como violência, casamento forçado e mutilação da genitália feminina. Todos esses relatos contribuem para que seja formado um potente mosaico do universo feminino.
Mais de 80% das entrevistadas nunca haviam falado em frente a uma câmera. "Ao final das conversas, elas me diziam: 'Não sei a razão de você ter me escolhido, nem sei se sou interessante'. E a mensagem mais importante a passar é que sim, elas são interessantes! Se apenas pegássemos essa força e permitíssemos que elas florescessem, você imagina como o mundo poderia ser diferente?", disse a cineasta Anastasia Mikova em entrevista à Tpm.
A arrumadeira Ana Paula de Araújo, uma das 48 brasileiras que deram depoimento ao filme, era uma das convidadas da pré-estreia em São Paulo. Antes da exibição do documentário, a atriz, cineasta e apresentadora Marina Person mediou um debate que abordou algumas das questões tratadas em Mulher. Ao seu lado estavam Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta, maior feira de cultura negra da América Latina, a médica cardiologista e diretora-executiva de negócios do Fleury Medicina e Saúde Jeane Tsutsui e a diretora de relações corporativas da Fundação Dom Cabral Marina Spínola, além de Ana Paula de Araújo.
No documentário, ela relata sua história de violência doméstica. “Quando contei, era como se eu conseguisse respirar fundo, libertar a alma”, diz. Ela aguentou por muito tempo as agressões, mas foi quando elas chegaram em seus filhos que tomou coragem e decidiu sair da situação: “Dei depoimento ao filme para mostrar que as mulheres não precisam ter vergonha da violência doméstica e que elas não precisam se submeter a isso.”
Outro ponto levantado e que tem sido muito debatido é a questão da saúde mental feminina. No mundo moderno, a maioria das mulheres exercem múltiplas funções, tendo que lidar com o trabalho, a educação dos filhos e as chamadas tarefas invisíveis, como planejar, organizar e tomar decisões relacionadas às atividades cotidianas. Tudo isso contribui para um maior nível de estresse. "As estatísticas mostram que cerca de 12% da população brasileira têm transtorno mental. Entre as pessoas com depressão, que é o mais frequente, 2/3 são mulheres", diz Jeane Tsutsui, do Fleury.
As dificuldades enfrentadas pelas mulheres podem ser observadas desde a época da escola. Segundo levantamento do Instituto Unibanco, a porcentagem de meninas e mulheres de 15 a 29 anos que não completaram o Ensino Médio, não estudam e não exercem atividade remunerada representam 26%. Os meninos e homens nessa situação somam 12,7%. A diretora de relações corporativas da Fundação Dom Cabral, Marina Spínola, aponta que essa diferença de oportunidades afeta não apenas a luta por igualdade, mas também a economia: “Se essa diferença não existisse, haveria uma injeção de 15 a 30 milhões de dólares na economia por ano.”
Marina Spínola também trouxe dados interessantes que refletem as desigualdades vividas pelas mulheres no mercado de trabalho, principalmente em posições de poder. “Nos Estados Unidos, 5% das empresas são lideradas por homens com o nome John. As mulheres lideram 4%. Tem mais Johns comandando empresas do que mulheres”, diz. “Além disso, pesquisas da Fundação Cabral mostram que, no início da carreira, as mulheres até chegam a ser promovidas. No entanto, em torno dos 35 anos, elas se afastam do trabalho por conta da maternidade e depois sentem dificuldade em se reinserir no mercado", completa.
O recorte racial, tão importante em uma sociedade que conviveu com a escravidão por quase 400 anos, foi trazido por Adriana Barbosa, da Feira Preta. "Para a gente poder avançar no debate da desigualdade, o Brasil precisa reconhecer que há uma diferença entre negros e brancos, uma estrutura de discriminação, de racismo”, diz. Um bom cenário para analisar os reflexos desse problema é mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, as mulheres negras ganham menos da metade do salário dos homens brancos e estão na base da desigualdade de renda no país. “Para ter igualdade, é preciso ter equidade. Assim, ações desiguais para situações desiguais se fazem necessárias", completa.
Marina Person também trouxe o exemplo da desigualdade em sua profissão, o cinema. “Em geral, nas escolas de cinema, 50% dos alunos são mulheres, e todas querem dirigir. No entanto, quando você chega no mercado de trabalho, o número de diretoras cai para 17%”, conta. “E quando você fala de mulheres negras, esse número é assustador, quase nulo.” Por esta razão, o dinheiro arrecadado com a bilheteria do documentário será destinado à fundação criada por Yann e Anastásia para ajudar mulheres a seguir as carreiras de jornalismo e cinema.
Depois da imersão na realidade dessas 2 mil mulheres, perguntamos às convidadas do evento o que é ser mulher em 2020 e qual a característica comum a todas nós. As respostas você confere no vídeo abaixo.
Créditos
Imagem principal: Jéssica Mangaba
A pré-estreia do documentário Mulher foi apoiada por Fleury Medicina e Saúde, Fundação Dom Cabral e POSITIV.A