Muito além do orgasmo

Melhore sua autoestima gozando. Duas mulheres que ensinam técnicas de tantra explicam a importância de conhecer e dominar a sua energia sexual

por Gabriela Borges em

A ideia de entrar em uma dinâmica de grupo com desconhecidos, ficar pelada e compartilhar seus pesadelos mais íntimos assusta qualquer mortal. E se acrescentarmos massagem nos órgãos genitais? É bem provável que o desconforto dobre. Se mostrar o corpo nu e se ser tocada fora do rito do sexo é algo que consideramos apenas em um contexto médico, encontrar espaço para as práticas do tantra exige algum esforço. Mas, acredite, despir-se da armadura de medos, traumas e daquela vergonhazinha que não sabemos de onde vem é um exercício que pode levar você muito além do orgasmo. Interessou?

O tantra é um conjunto de ensinamentos e práticas que enxerga a energia sexual como vital e sagrada. Uma ferramenta importante para a saúde, para a psique e para a transcendência. Segundo a teoria tântrica, ter orgasmos direcionados – fora de uma noitada de sexo – pode ajudar você a desenvolver a autoconfiança no trabalho, a curar traumas ou a melhorar o relacionamento com a família. Nessa visão, o sexo é verdadeiramente libertador. E esqueça o conceito de profano: essa rotina é praticada inclusive por monges budistas tântricos. Nas salas de massagem ou nas dinâmicas em grupo encontramos casais, jovens, idosos, mães e pais de família e pessoas com histórias e buscas variadas. Gente que foge ao esteriótipo hippie e tresloucado que persegue o tantra.

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Mestres ensinam que a repressão da energia sexual é um caminho antinatural – e veja, isso já era assunto antes dos Vedas, escrituras sagradas hindu que têm mais de 3 mil anos. Com o corpo pleno de energia, cada desejo é um veículo para ir além. O caminho é como o da meditação: quanto mais se pratica, mais se ampliam as possibilidades.

O mais famoso dos místicos a defender que o “orgasmo sexual oferece um vislumbre da meditação” foi Osho, polêmico guru indiano disseminador do tantra. Quando suas teorias chegaram ao Ocidente nos anos 70, a ideia da sexualidade livre já estava em alta e o alcance místico da prática acabou perdendo espaço para o que podemos chamar de siririca perfeita. Até hoje há quem busque no tantra habilidades para ter mais prazer ou ter um orgasmo pela primeira vez. Centros de workshops da prática pipocaram no Brasil a partir dos anos 90.

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O mais famoso deles, o Metamorfose, com unidades no país inteiro, se autodenomina Universidade da Nova Sexualidade Humana. Hoje, todavia, a ideia de que o autoconhecimento é importante faz com que cada vez mais gente busque o resgate do prazer sexual para sanar inseguranças, falta de concentração, baixa autoestima e traumas. Sim, é a energia sexual fazendo de nós pessoas melhores.

Crédito: Eugenia Lolli

Conversamos com duas mulheres que lideram grupos de terapia tântrica para entender aonde essa técnica pode nos levar. A seguir, os melhores trechos desse papo.

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Motor da transformação
"Aos 18 anos, fui para a comuna internacional do Osho em Poona, na Índia, e fiquei por dois anos. Participava de grupos de exploração pessoal com meditações e respiração em dupla. Treinei essas técnicas com meus namorados em diferentes momentos de vida. O tantra foi me dando autoconfiança. Meus relacionamentos não eram mais baseados em dependência e isso me levou a transcender da necessidade de sexo, mesmo dentro de uma relação em que havia sexo. Isso é muito importante para as mulheres, porque muitas de nós somos dependentes de um amor externo. Quando você desperta o amor dentro de você, a qualidade das relações muda. O tantra transformou toda a minha vida.

Em 1995 conheci o Mukto, meu companheiro de trabalho até hoje, e me mudei para a Osho Academy, nos Estados Unidos. Quando nos mudamos para o Brasil, pouca gente sabia o que era tantra. Falava-se apenas de sexualidade, o que é muito limitante. O tantra integra no corpo um estado de presença e meditação; a energia potente da sexualidade é o motor da transformação.

Mas a energia sexual sempre foi alvo de intensa repressão. E onde essa energia sexual é podada várias áreas da vida ficam prejudicadas. Então, o ponto inicial de qualquer trabalho com tantra é liberação da repressão sexual. O papel da terapia é mostrar como essa energia é um caminho para um estado natural de presença, onde o encontro com a outra pessoa acontece com intimidade profunda, em um plano físico e emocional. O ponto de chegada é um estado livre da repressão, consciente dessa energia e apto para usá-la em outros aspectos da vida (o trabalho, a família, a construção de relações). Quando se alcança isso, a energia começa então a curar eventuais feridas.

“Por meio de exercícios de respiração, posturas, toques e massagens genitais, vamos mostrando como abrir os corpos”
Homa

Um exemplo é o trabalho para casais: por meio de exercícios de respiração, posturas, toques e massagens genitais, vamos mostrando como os dois podem abrir os corpos. A respiração tira ambos de uma sintonia racional e os carrega para o turbilhão de emoções, para o fluxo de energia do corpo. Isso ajuda a fazer com que o casal deixe de buscar controle e entre em um estado meditativo – e, nessas condições, o sexo atinge outro patamar. Dinâmicas como essa aumentam a capacidade de sentir prazer com o corpo justamente porque se está presente naquela sensação.

Ministro treinamentos em tantra em muitos países: Grécia, China, Rússia, Ucrânia, Brasil, Índia. Independente das características de cada cultura, da intensidade da repressão, da superficialidade do sexo, sempre atingimos uma profundidade que é comum a todos, um ponto de conexão entre a sexualidade e a consciência em que somos todos iguais."

Homa, 57 anos, de Fortaleza, é terapeuta corporal e tântrica há 30 anos. homaandmukto.com

Crédito: Eugenia Lolli

Fogo sagrado
"Sempre tive uma energia sexual forte e desequilibrada. Aos 20 anos, não conseguia ficar um dia sem sexo. Mas esse fogo me destruía: um dia estava no auge e no outro estava emocionalmente um caco. Conheci o tantra em palestras e workshops, mas só precisei dele quando meu primeiro casamento entrou em crise. Na aflição daquele momento, procurei um curso de resgate do potencial feminino. Durante as aulas, cantávamos mantras e fazíamos alguns exercícios de descoberta do próprio corpo. Ali, eu encontrava minha deusa. Mas, em minha vida cotidiana, me sentia desconectada.

“A prática do tantra me ensinou a guardar o tesão em mim. o fogo foi me nutrindo, fui ficando menos carente e mais centrada”
Satya Kali

Me separei, passei um ano em depressão e voltei ao meu comportamento tradicional: canalizei aquela confusão no sexo. Aos 30 anos, enquanto mergulhava em minhas próprias contradições, voltei ao tantra, reencontrei aquela mulher poderosa dentro de mim e decidi trabalhar como terapeuta de homens e mulheres que tivessem problemas sexuais. Estudei muito e aprendi a canalizar a força desorganizadora do sexo em algo produtivo. Enquanto fazia o treinamento, eu mesma recebia a massagem tântrica diariamente: o toque sutil, com a ponta dos dedos do terapeuta por todo meu corpo, gerando bioeletricidade; depois o toque em toda a região da vagina, por fora e por dentro, por quase uma hora. Aquela prática me ensinou a guardar o tesão em mim. Em três meses, o fogo me nutriu, fiquei menos carente, mais centrada e segura.

A tantra terapia ajuda pessoas a curarem traumas e a desenvolverem seu potencial. Certa vez, recebi uma mulher obesa e com tendência suicida, desanimada com o trabalho e com o casamento. Ao longo de 20 sessões indivuduais de massagem tântrica, ela saiu desse estado inicial de confusão, emagreceu e resgatou a autoestima, renovando sua capacidade em sentir-se forte. As massagens desencadeiam um processo no corpo que provoca o sistema neurológico.

Trata-se de um cuidado físico 
e emocional. Hoje, também faço trabalhos em grupos, com algumas dinâmicas envolvendo 
nudez. Ficar nu é um jeito de tirar os escudos e trazer verdade para tudo o que é dito. Com essas terapias, descobre-se que o corpo é inteiro erótico e prazeroso; êxtase e orgasmos não são um objetivo a ser alcançado, mas o resultado natural dessa integridade. Antes de aprender a gozar, porém, 
é preciso aprender a se abrir."

Satya Kali (Kátia Regina Rosa), 38 anos, de São Paulo, é psicoterapeuta, psicóloga e master coaching formada pelo Instituto Holos. satyakali.com 

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Créditos

Imagem principal: Eugenia Lolli

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