Daqui de onde te escrevo, do futuro
Você também não sabe que, lá na frente, embora tudo continue doendo sempre, você meio que vai se acostumar e vai até fazer uso de alguns perrengues pra escrever ou atuar
Você acabou de fazer 18 anos. A vida começou a melhorar e o medo da noite e dos fins de semana diminuiu bem. Você ainda não anda de avião nem de elevador, mas a falta de ar melhorou muitíssimo. O verão também já não é aquele pânico, mas você está sofrendo por causa de um cara. Vocês namoraram 98 dias, mas ele quis ir pra Bahia sozinho.
Quer dizer, sozinho não, com os amigos, com as amigas, com sei lá quem – que não você. Era dezembro, uma sexta-feira, 5 da tarde, e nesse dia você ligou pra Marcela. Devia ter uma lei que proibisse separações em dezembro, e também às sextas-feiras. Devia ter uma lei que proibisse separações e autorizasse Marcelas. Mas não tem.
A Marcela foi uma garota que você conheceu na praia, o que é estranho, porque você não vai à praia. Mas um dia você foi, pra encontrar a Maridu, que era uma outra amiga sua – ela te apresentou a Marcela, que ficou muito mais sua amiga do que a Maridu. Nesse dia, você e a Marcela descobriram que dali a um mês entrariam juntas na PUC, e vocês acharam isso uma coisa quase esotérica, ainda mais que ela é de sagitário. Sim, você entrou na PUC. Você sempre quis estudar na PUC, por nenhuma razão consistente, o que às vezes é até melhor. Depois, porque você começou a dirigir e a sensação do volante te coube bem.
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Então: você está na PUC, sofrendo por causa do Rafael, morando numa casa no Humaitá, e indo ao bar Lagoa aos domingos com o seu irmão e seu primo. Essa parte – seu irmão e seu primo – ocupa meio que metade da sua vida, tanto que, mais pra frente, você vai achar que precisa se afastar deles pra fechar verdadeiramente com alguém. O alguém Rafael, no caso, não quer fechar agora com você, mas vai que um dia ele quer, como depois ele realmente quis? Mas por enquanto você não sabe, nem que o Rafael vai fechar com você, nem que você precisa se afastar do seu irmão e do seu primo. Então você só sabe que está sofrendo por causa do Rafael, sendo feliz com a amizade da Marcela e estranhando a mudança de fase. Porque você não pede pra mudar de fase. Você muda e pronto, que se vire. De uma hora para a outra, ficam dois vocês tendo que caber em apenas um. Então, de repente, você não tem mais nada a ver com as suas amigas do colégio, tampouco tem vontade de ouvir as mesmas músicas.
Na verdade, essa troca de existência, que é tipo um Chico Xavier sem o espiritismo, começou um pouco antes dos 18; essa escamação chegou aos 15, quando você teve aquela depressãozinha que não foi “inha”, mas também não gosto de falar “ão” porque senão parece ostentação de profundidade. Mas que começou a diminuir quando você foi fazer teatro.
No teatro, você conheceu uma gente diferente, e achou que aquela gente diferente era mais parecida com você. Então você passou a ser igual aos que antes eram diferentes. Tudo isso meio que doeu muito, só que uma hora passou. Acontece que você não sabe, porque, afinal, você só tem 18 anos. Você também não sabe que, lá na frente, embora tudo continue doendo sempre, você meio que vai se acostumar e vai até fazer uso de alguns perrengues pra escrever ou atuar.
Daqui de onde te escrevo, do futuro do Lulu Santos (de onde ele vê a vida melhor), mais precisamente do ano de 2017, 24 anos depois de tudo o que você está vivendo agora, eu te asseguro: a vida é boa, Maria. Você vai ter filhos, amores, trabalhos bonitos; vai ter amigos, histórias, encontros. Mas o mais legal eu deixei por último: você vai ter você, companheira. Inteira e independente, e em cima de duas pernas firmes. Mas ó, isso só em 2017. Conto com você.
Para João Wainer.
Créditos
Imagem principal: Grazi Fonseca