Meu amigo Samuca

Ele é triatleta, focado, rato de ironman. Em casa, coloca Bob Marley pra tocar e faz caipirinha para os amigos

por Autumn Sonnichsen em

Vi Samuel pela primeira vez em Fortaleza, sua cidade natal. Ele estava competindo um Ironman sofrido, correndo com o sol na cabeça, os dreads soltos pulando, a cara fechada e o macaquinho neon encharcado de suor. Ele é rápido. E tem a passada de corrida mais bonita que eu já vi. Às vezes, o vejo treinando no Parque do Ibirapuera, sempre com a sobrancelha meio levantada, uma cara um pouco assustada, como se estivesse surpreso com a própria velocidade. O fato é que Samuel corre 21 quilômetros, uma meia maratona, em 1 hora e 9 minutos. Consegue fazer um Ironman – que são 3,8 quilômetros de natação, 180 de pedal e 42 de corrida – em menos de 9 horas. E ele não disfarça, termina as provas morto, faminto, esgotado. É talento puro, um corpo abençoado que foi sendo aprimorado com os anos. Tem a força e a leveza de quem jogou capoeira a vida toda. É alongado, faz aquelas paradas de mão elegantes com facilidade. Samuel estudou educação física e, além de competir, treina outros triatletas.

Crédito: Autumn Sonnichsen
“Ele é rápido. E tem a passada de corrida mais bonita que eu já vi”
Autumn Sonnichsen

Mas existe também outro Samuca. Um além desse com a barriga chapada, as pernas de aço e foco. Fora do treino aparece um menino engraçado, solto, com o sotaque suave do Nordeste e de sorriso aberto. Aquele que toma a dianteira para fazer a caipirinha pros amigos, que bota o Bob Marley para tocar, descasca e pica a cebola para você cozinhar e vai na tua casa numa quarta-feira à tarde para ajudar a fazer mudança. É um Samuca que cuida dos outros, que manda emoticon nas mensagens de texto e faz tapioca. Esse outro é meu amigo.

Para fazer as fotos deste ensaio, fomos para a fazenda de uma amiga em Pirassununga, no interior de São Paulo. Acordamos cedo para pegar o sol amanhecendo. Ele estava de toalha vermelha andando pelo quarto onde dormimos, com o rosto ainda sonolento. Fomos para o meio do mato, ele, claro, tirando onda de tudo, soltando uma risada que com certeza podia ser ouvida da fazenda vizinha. Samuca fez xixi no rio e pedi para mijar mais alto, pra ficar melhor na foto. Ele se jogou no lago e exibiu um nado borboleta lindo. Deu mortal, chacoalhou os dreads e tirou a sunga. Samuel tem fome e me pede para fazer ovo frito. Numa voz baixinha, ele me conta um segredo: na próxima prova vai fazer a melhor corrida de sua vida. Garante que está pronto.

Crédito: Autumn Sonnichsen
“Fora do treino aparece um menino engraçado, solto, com o sotaque suave do Nordeste e de sorriso aberto”
Autumn Sonnichsen

E estava. Poucos dias depois Samuel fez o segundo melhor tempo de um brasi-leiro na corrida do Ironman: duas horas e 57 minutos. Conseguiu a vaga para ir ao mundial no Havaí. Sofreu, foi duro, mas está feliz. E agora, voltou ao ritmo de acordar antes do amanhecer, treinar no parque e ir nas festas dos amigos. A cabeça já está na próxima prova, claro. Samuca sabe que o futuro é incerto, mas usufrui a delícia de quem vive do próprio corpo.

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Imagem principal: Autumn Sonnichsen

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