Durante passagem pelo Brasil, duo de hip-hop nova-iorquino trombou Tássia Reis, Erica Malunguinho e aprofundou a reflexão sobre identidade negra
As nova-iorquinas do duo de hip-hop Oshun querem entender de onde vieram para decidir para onde vão. Em 2013, Niambi Sala e Thandiwe pleiteavam uma bolsa de estudos na New York University quando descobriram as afinidades musicais e espirituais que compartilhavam. “Além de jazz e hip-hop, nós duas nos interessamos por nossas raízes africanas e queremos defender o direito de negros se reconectarem com sua espiritualidade”, conta Niambi.
O nome da dupla foi inspirado em Oxum, orixá feminina da água, beleza e fertilidade. “Nos Estados Unidos existe uma desconexão enorme entre o povo negro e suas raízes, inclusive as espirituais. Além de sermos alvo de violência. Quem pratica alguma religião de matriz africana precisa sempre se proteger, ficar atento para não estar no lugar errado na hora errada”, diz Thandiwe.
Integrantes da cena alternativa do Brooklyn, em Nova York, Niambi e Thandiwe estiveram no Brasil pela primeira vez em julho para dois shows no Sesc Pompeia, em São Paulo, e uma noite no Circo Voador, no Rio de Janeiro, onde se apresentaram ao lado da rapper Tássia Reis. “Reconhecemos nela uma irmã de outras épocas, queremos muito encontrar essas pessoas com quem nos identificamos. É como completar uma peça nessa quebra cabeça de identidade que estamos tentando remontar”, conta Thandiwe. “Elas levam o hip-hop para outro nível, eu já curtia o som há muito tempo e foi incrível dividirmos o palco, já estamos planejando novos encontros”, diz Tássia.
A dupla aproveitou a viagem para se envolver com o movimento negro brasileiro. No dia 25 de julho, participaram de um debate sobre diáspora no Aparelha Luzia, centro cultural liderada por Erica Malunguinho, importante nome da resistência negra em São Paulo. “Foi inspirador estar em lugar tão cheio de gente preta destemida”, conta Niambi. No dia seguinte, se reuniram com a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop no Teatro Sérgio Cardoso, também em São Paulo. “É louco perceber como as pessoas buscam inspiração e motivação em nós enquanto procuramos encontrar aqui referências de ancestralidade”, completa Niambi.
Aos 22 anos, o duo se apropria da estética como forma de reafirmação. “Somos mulheres africanas nascidas nos Estados Unidos, nossa história foi tirada de nós e estamos aqui pedindo isso de volta”, diz Thandiwe. As roupas, brincos e penteados de inspiração africana são uma arma de resistência no discurso da dupla. “Tenho orgulho de nossa existência e quero inspirar quem se parece comigo. Não precisamos da validação de nenhuma outra cultura para sermos quem somos”, conta Thandiwe.
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A vontade de transformar o passado em força para construir o futuro tem bastante ligação com o conceito do movimento afrofuturista, com a qual Niambi e Thandiwe se identificam. “Queremos levar os conceitos da espiritualidade africana para outros contextos, ressignificar essa história”, diz Niambi. O videoclipe da faixa Protect Your Self exemplifica bem essa onda. A postura combativa está presente também nas letras das músicas e na postura no palco. “O feminismo é uma causa muito natural pra nós”, explica Niambi.
O olhar contestador se expande para outras causas. A faixa mais recente lançada pela dupla, chamada Not My President, é um crítica à eleição do presidente norte-americano Donald Trump. “É uma responsabilidade carregar o nome de uma deusa yoruba, sabemos que a música que criamos tem o poder de transformar e encaramos isso como uma responsabilidade”, conclui Niambi.
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