Ela começou a carreira com mais de 70 anos e, antes de fazer o jambu tremer, cantou escondida do marido, que era não era muito chegado em música e nem em independência feminina
A 5ª Avenida com a rua 34, em Nova York, tremelicou, cafungou e deu uns balanços gostosos numa noite estrelada no final de setembro. Ali, na Elabash City Hall, a paraense Dona Onete, de 77 anos, diva do carimbó e outros requebros, fez o público levantar da cadeira e dançar sem parar ao som chamegante de suas composições. Caetano Veloso e David Byrne, fãs confessos de Dona Onete, fizeram questão de prestigiar a artista depois do show. "Foi maravilhoso receber o abraço deles e ver a empolgação das pessoas que assistiram o show, o lugar estava lotado", diz ela. Com uma flor no cabelo, saia rodada e uma voz que mais parece um beijo, continua: "minha filha, as coisas boas podem até demorar a chegar, mas um dia elas vêm, só que você precisa lutar muito".
Dona Onete, temperada no agridoce da vida, sabe do que está falando. Ela começou sua carreira profissional bem depois de dobrar o cabo da boa esperança, com mais de 70 anos. Durante anos a fio, cantou escondido do marido, que era não era muito chegado em música e nem em independência feminina. "Ele era opressor e ciumento. Casei muito nova, com 19 anos, e acabava fazendo a vontade dele", diz. Dona Onete engavetou as músicas que compunha desde os quatro anos de idade e foi dar aulas de história em colégios de Igarapé-Miri, no interior do Pará, para onde se mudou com o marido. Um dia, ela cansou e se separou. "Encontrei um novo amor, casei de novo, mas ele se foi".
Já viúva, alguns anos atrás, soltou a voz e não parou mais. "Vi que era chegada a hora de fazer o que mais gosto na vida, de verdade", conta. Um belo dia, estava cantarolando na porta de sua casa, em Belém, quando um grupo de rapazes, que morava por ali, parou para ouvir. Eram os músicos do Coletivo Rádio Cipó, grupo que mistura música eletrônica e ritmos locais. Foi amor à primeira vista – ou ao primeiro cheiro, como diz Dona Onete. Eles a convidaram para uma participação em seu disco, ela topou. O público se encantou e pediu mais. De novo, Dona Onete disse sim.
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Animada, ela resolveu abrir seu baú de canções – são mais de 300 músicas. Parte delas foi parar em seu primeiro CD, "Feitiço Caboclo", lançado em 2012, quando Dona Onete completou 73 anos. Seus produtores, que perceberam o quanto aqueles chamegos, pitiús e jamburanas poderiam agradar lá fora , fizeram o material chegar a Londres, Nova York e outros cantos do mundo. Com críticas positivas em veículos como o jornal The Guardian, da Inglaterra, e um documentário gravado para a BBC, Dona Onete logo começou a conquistar legiões de admiradores — reza a lenda que é assim desde Cachoeira do Arari, onde nasceu e com seu canto conquistou até os botos. Ela fez turnês em Portugal, França, Espanha e Estados Unidos — e também em vários Estados brasileiros. "O pessoal também acha graça das letras, principalmente os mais jovens", diz.
Não é para menos. Em seu último trabalho, "Banzeiro", de boleros e carimbós, lançado em julho deste ano, aposta todas as cartas no jogo do amor e sensualiza em "Proposta Indecente". Basta só dizer sim, vem correndo meu bem, e só ligar para o meu celular. Oba. Em outra faixa, ora vejam só, o coração virou um grande brechó, cheio de amores guardados. Mas será desocupado. Outro amor vai chegar.
O desejo bate forte em "Quando eu te Conheci", que só podia ser bolero. Um para cá, dois para lá e adorei seu jeito louco... de que? De fazer amor, e eu que era aventureira passei a ser sua prisioneira. "O Wando se foi e eu fiquei no lugar dele", diz Dona Onete. "Sempre fiz música saliente". Agora, ela prepara as músicas de seu terceiro CD. Algumas já saíram do forno. "Quer ouvir uma delas?", pergunta. Claro. "A letra começa assim: eu quero é viver uma linda história, sem ciúme, e se você ficar a fim, me liga". Já estamos a fim, Dona Onete.
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