Jornalistas sempre sofreram assédio

Caso da jornalista que denunciou assédio de cantor e foi demitida de portal despertou ira. E isso é ótimo!

por Nina Lemos em

Há muitos anos, uma amiga passou por uma situação de pânico, abuso, humilhação e horror quando tinha seus 25 anos: recebeu um envelope do chefe de um jornal e o que tinha dentro? Vídeos pornô. Primeiro, ela contou à chefe, que não fez nada, mesmo também sendo mulher. Depois, contou para o nosso pequeno grupo de amigos. Pediu demissão e arrumou um outro emprego.

Não houve escândalo, porque naquela época, mais de 15 anos atrás, a gente nem sabia como procurar ajuda e denunciar.  Não existia fazer escândalo porque você foi assediada, desrespeitada e está se sentindo um lixo em uma situação horrorosa. Denunciar o chefe? Não, isso não existia há 15 anos. E sim, isso aconteceu. E foi com uma amiga muito próxima.

No último sábado me lembrei dessa historia, quando chegou em um grupo feminista do WhatsApp a notícia da jornalista do IG que denunciou o caso de assédio do cantor Biel e foi demitida logo depois. Durante uma entrevista, ele disse para ela que gostaria de "parti-la ao meio".

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No mesmo momento, centenas de mulheres pararam o que estavam fazendo para trocar mensagens pensando em como podiam ajudá-la. "Arrumar um novo emprego para ela." "Ajudar a encontrar um advogado." "Mandar recado de apoio, mostrando que ela não está sozinha." "Iniciar uma campanha." Tudo isso foi pensado e discutido. E, no mesmo momento, várias campanhas foram criadas. O mais importante é perceber que dezenas de mulheres tentaram ajudá-la de alguma maneira.

A jornalista demitida do IG não disse seu nome e está recolhida. Deve estar sofrendo. Mas também deve saber que não está sozinha. Minha amiga, quando sofreu o assédio, contou para poucos amigos. Hoje, há uma rede de solidariedade a quem sofre esse tipo de absurdo. Isso, para mim, só mostra que o feminismo é importante, sim. Que redes de apoio são importantes. E que, mesmo do outro lado do mundo, posso tentar ajudar uma colega brasileira, enquanto outras mulheres tentam o mesmo.

Isso é só mais uma prova de que o Brasil vive um momento incrível de união das mulheres. 

Jornalistas são assediadas? Sim. Como mulheres de quase todas as profissões. Com 20 anos, tentei ser garçonete de um bar descolado da época, durou uma noite. Passaram a mão na minha bunda. E isso, junto com a minha inabilidade para carregar uma bandeja cheia de chope (quem me conhece sabe) foi o suficiente pra que eu pedisse demissão do trabalho no meio da noite (minha carreira de garçonete durou umas duas horas).

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Entrevistados falam gracinhas para repórteres? Não é sempre. Mas acontece, sim. Em entrevistas, só a gente e o cara, às vezes rola. A gente fica em dúvida se aquilo foi cantada ou não, muda de assunto e passa para a próxima pergunta. Costuma funcionar.

Na minha vida como repórter de polícia (sim, isso aconteceu e durou uns anos, bem mais do que minha carreira de garçonete), rolavam gracinhas tipo: "O que você quer, bonitinha?". Muitas fontes (muitas vezes policiais) falavam com a gente no diminutivo. De novo, despistávamos. Nem era assunto, era normal.

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Só que não é normal. Não é porque um homem, quando trabalhando como repórter, não ouve a mesma coisa. Não acredito que uma mulher escrivã chame um repórter de “bonitinho” ou coisas parecidas. Isso não é normal. Insisto.

Finalmente vimos isso. E, por mais que o assédio ainda exista, o fato de a gente saber que é crime e se unir para ajudar a vítima me faz ser otimista e achar que o mundo melhorou (e não, não ficou mais chato por causa dessas feministas que, veja bem, nem entendem uma cantada. Não é isso que dizem os comentaristas de portal?).

Não é normal.

É assédio.

E mexeu com uma, mexeu com todas.

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