Tulipa desabrocha

por Flora Paul

Tulipa Ruiz fala sobre crise dos 30, panelinha musical e de como mudou sua vida para cantar

Filha do jornalista e guitarrista Luiz Chagas, a história por trás do nome de Tulipa Ruiz não tem segredo: seus pais gostavam muito da flor. Quando pequena, não teve muitos problemas: “Acho que a flor não era tão comum antes”, contou, na varanda de seu apartamento, em São Paulo, ao site da Tpm. Às vezes, alguém confunde e fala algum outro nome de flor. Mas quem conhece a cena de novos músicos brasileiros, como Tatá Aeroplano e Mariana Aydar, provavelmente já ouviu falar e não deve criar confusão ao pensar em Tulipa.

Nascida em São Paulo, mudou-se com a mãe e o irmão para uma cidade pequena em Minas Gerais, São Lourenço. “Quando eu sai de lá, em 2000, devia ter uns 40 mil habitantes. Hoje deve ter uns 60 mil, chutando”, calcula. A cantora cresceu entre brincadeiras no mato, cachoeiras e rodas de violão à beira da fogueira. Na adolescência, com a influência do ambiente musical da família, trabalhou numa loja de discos da cidade. “Todos os meus amigos ficavam lá o dia inteiro, eu gastava o meu salário todo em disco, gravava fitas para amigos, namorados”. Mesmo assim, demorou para assumir seu lado cantora.

Depois que voltou para a capital paulista, trabalhou quase dez anos como jornalista. No último ano, passou a abraçar os desenhos – outra paixão de criança – e, ao criar seu Myspace, resolveu defender  sua vocação para música e colocou algumas canções na página. Foi o suficiente para abraçar a ideia, começar a fazer shows e já está em pré-produção de seu primeiro álbum.

Conversamos com Tulipa sobre o que ela pensa de dividir sua banda com outras cantoras da nova geração, sua paixão por capas de disco, a chegada de seus 30 anos e como foi jogar o “horário comercial” para o alto para virar cantora.

Você passou sua infância na cidade de São Lourenço. Como era?
Fui para São Lourenço com uns três anos, eu, meu irmão e minha mãe. E ela sempre gostou muito de música, então na minha casa sempre teve festas de amigos, mil discos, roda de violão na fogueira. Minha infância foi uma delícia, agradeço minha mãe por ter ido para Minas. Acho que se eu e o Gustavo tivéssemos crescido em São Paulo seria muito diferente. Crescemos no meio do mato, com cachoeira, brincando, livres.

Então essa relação familiar com a música sempre foi natural.
Acabou sendo. Minha mãe se separou do meu pai, músico, e a gente foi para Minas, mas ela levou todos os discos dele. Então a gente foi criado pelo repertório musical dele, que tocava na vanguarda paulistana, do rock'n'roll, e da minha mãe, que tinha uma coisa mais mineira, mais erudita. Desde pequeno o Gustavo sempre quis tocar, pegava guitarrinha de brinquedo. Então minha mãe resolveu educar musicalmente. Ela me colocou em aula de piano quando eu era pequena, mas eu logo desisti.  Mas desde  pequena fiz coral, então a música em casa sempre foi uma coisa normal e muito incentivada pela minha mãe.

Alguma vez você sentiu vontade de reprimir essa coisa musical, aquela fase de adolescente de ser do contra?
Eu acho que não, porque ao mesmo tempo que tinha essa coisa da educação musical, meu pai era jornalista de cultura e ele sempre mandava revista atualizada, as matérias que fazia. Lembro que um dia eu estava, sei lá, na quarta série, e cheguei à escola toda empolgada porque meu pai tinha entrevistado o Slash. Então sempre foi uma coisa radical na minha vida, eu nunca me rebelei contra porque sempre foi um elemento meio radical.

E mesmo assim, você virou ilustradora. Por que não resolveu ser cantora?
Eu nunca tinha pensado na música como profissão. Fiz faculdade de comunicação e multimeios, trabalhei como jornalista um tempão. A música e o desenho sempre foram as coisas que eu mais gostei de fazer, mas que eu nunca pensei em ganhar dinheiro. Aí elas começaram a entrar no meu horário comercial, então resolvi dar uma chance. Sempre brinquei de ilustrar, de fazer cartaz pra show, peça, panfleto. Ganhar grana com isso que tá sendo uma coisa atual. Passei para ilustradora, depois a música foi invadindo, mais este ano, ano passado um pouquinho.

E como é que você virou cantora?
Desde que mudei para São Paulo, em 2000, eu cantava informalmente. Comecei a cantar em bandas de amigos, na faculdade tinha uma banda bem de brincadeira. Comecei a participar de shows de amigos, gravação de discos.  Aí fiz meu Myspace, ano passado ou retrasado, e o “cantora” surgiu com ele. Começou essa onda, resolvi fazer o meu com algumas coisas que eu tinha gravado com o Gustavo, em casa. Na hora de escrever quem sou eu, formalizei a história, resolvi defender o que tinha publicado.

Você faz parte dessa nova onda de músicos brasileiros que surgiram na internet. O que você acha disso? Como é sua relação com a internet?
Demorei para baixar coisa na internet porque quando eu morava em São Lourenço trabalhei em uma loja de discos e eu sempre fui muito apaixonada por essa coisa física, plástica. Meu sonho sempre foi fazer capa de disco, encarte, sempre fui apaixonada por isso. Então baixar música, parecia que faltava um pedaço na história, eu não tinha a imagem do som. Demorei um pouco por causa disso. Hoje em dia eu baixo para caramba, não tenho mais apego e acho que nem tem como ter, as coisas mudaram tanto. Meu som, por exemplo, é só no virtual, ainda não gravei. Então eu tento colocar desenhos, ilustrar bem a música quando publico.

Você é muito amiga de músicos como o Tatá Aeroplano, a cantora Mariana Aydar, com a Anelis Assumpção. Como aconteceu essa união?

Eu acho que foi acontecendo. Quando eu estudava na PUC, conheci o Dudu Tsuda e o Tatá, eu e o Gustavo. Desse encontro já nasceu o Jumbo Elektro, o Cérebro Eletrônico. A Dona Zica aconteceu meio nessa época, várias bandas foram acontecendo a partir daí. E ao mesmo tempo as pessoas foram ficando amigas. Então eu acho que essa “cena” tem a ver não sempre pelo som, mas porque virou um grupo, as pessoas foram ficando amigas, vão ao cinema, viajam juntas.

Mas não existe um certo medo de ficarem restritos? Você divide músicos da sua banda com a Mariana Aydar, por exemplo. Não tem nenhum receio?
Meu irmão tocava com a Mariana. Agora o baterista e marido dela toca comigo também. Acho que não tem receio. Quando eu vou a show da Mariana, aprendo, é superlegal. A gente troca mesmo, tá todo mundo caminhando junto. Os músicos são os mesmo mas os sons são diferentes. Tem essa coisa de troca de figurinhas total e constante. É muito legal saber que posso fazer música para a Mariana, ela pode fazer uma para mim, eu posso fazer vocal para um disco da Tiê, fazer uma letra e pensar no Thiago Phetit. A gente sempre pensa muito um no outro.

E seu irmão também faz parte do grupo. Você sempre teve essa ligação forte com o Gustavo?
Temos a diferença de idade de um ano e dois meses. Até os meus 15, 16 anos eu tinha minha galera e ele era o pirralho, meu irmão menor. Quando fiz uns 16, de repente, os nossos amigos eram os mesmos. Acho que isso facilitou muito, a gente virou brother. Assim que nossos amigos viraram os mesmos, a gente passou de amigo para brother! Viagem de Ano-novo, balada, acampamento, todas as trips começaram a ser comuns aos dois. Acho que a parceria começou aí.

E como está sendo a pré-produção do seu primeiro disco?
Estamos em pré-produção e este ano foi muito legal porque fiz muito show. Acho que, se eu fosse gravar meu disco no começo do ano, ele seria uma outra coisa. Talvez um pouco imaturo até. Fazer esse monte de show durante o ano serviu para cristalizar o repertório. As músicas que nasceram de um jeito depois de 18 shows acabaram tendo outra cara. Acho que gravar agora vai ser muito mais consciente, amadurecido. E que gravar, Valendo!, vai ser mais fácil.

Mudou muita coisa no seu som? Você jogou muita coisa fora?
Eu não joguei muita coisa fora, mas eu não sei. Acho que o trabalho começou muito doce, muito singelo, tímido e foi ficando mais ácido, acho que ele está mais danadinho. [Risos.] Tá na puberdade, todo saidinho!

Quais são seus planos para o álbum? Já pensou em participações dos amigos?
O disco vai ser gravado pela minha banda. Meu irmão vai produzir e foi meu parceiro em várias músicas. E tem meu pai na guitarra. Ainda não sei direito quais vão ser as participações específicas, mas eu quero ter muitos cantores. Quero chamar muito amigo para fazer backing vocal masculino e quero muita guitarra. Então você, amigo guitarrista que ler essa matéria, prepare-se porque você vai gravar no disco.

Você faz letras com narrativas. Como é seu processo de criação?

Acho que cada música é uma nova experiência. Eu gosto de experimentar no processo criativo. Não sei tocar muito, mas às vezes eu pego violão e penso nos acordes, primeiro penso em uma harmonia, para depois fazer a letra. Fiz uma música com meu pai, nossa primeira parceria, Sushi. Me arrisquei a fazer a harmonia. Mandei para ele e falei: "Olha, você tem duas horas para me fazer uma letra". Aí ele fez. Nossa primeira parceria, foi muito legal.

E como é na hora de escolher sobre que temas escrever?
Às vezes os momentos são terapêuticos, às vezes são momentos catárticos e eu espirro tudo que está dentro de mim, às vezes penso em outra pessoa. Pedrinho, por exemplo, escrevi pensando se eu fosse um homem e curtisse outro amigo meu. Então eu fiz para um homem cantar. Agora eu estou numas de não escrever sobre amor. É minha nova onda.

Está sendo difícil não escrever sobre amor?
Acaba sendo. Como a gente escreve sobre amor, né? É impressionante. É lindo. Mas ao mesmo tempo parece que é só isso. Então nesses últimos dias eu tô tentando não falar sobre amor, não me venha com esse papinho [risos]. É engraçado, eu mando a letra para meu pai fazer e ele me manda uma letra de amor. Tudo acaba no amor, sabe? Queria fazer uma música sobre alguma coisa específica, sem sentimento. Tô conseguindo aos pouquinhos. Já tenho quase todas as músicas do álbum prontas, mas quem sabe não pinta alguma coisa nova? É um exercício de hoje. De repente amanhã vou estar pensando outra coisa. Mas a próxima eu vou tentar não falar de amor.

E quais são suas influências artísticas?
Eu sempre gostei dos desenhos do Robert Crumb, da Yoko Ono, tinha um livro chamado Grapefruit em casa, foi com ele que aprendi a ler. Sempre gostei de Manoel de Barros, Joni Mitchell, Ná Ozete, o Grupo Rumo e a capa dos seus discos. Tudo isso sempre influencia minha música. Acho que as coisas que eu admiro são as coisas que me inspiram.

E seu pai?
É uma influência, claro. Meu pai que me apresentou a maioria do meu repertório, é meu guitarrista predileto, é uma influência total.

Você está com 30 anos. Bateu alguma crise?
As pessoas falam sobre o retorno de saturno aos 28 [fenômeno astrológico que acontece entre os 28 e os 30 anos, que significaria o amadurecimento na vida de uma pessoa], né? O meu foi aos 30. Enlouquecidamente. Em aula de roteiro eles chama de turning point, o ponto de virada. Meu ponto de virada foi aos 30. Até os 29 eu trabalhava em uma agência de comunicação como jornalista, morava com meu pai, meus dramas eram menores. Aos 30 tudo mudou. A página virou mesmo: parei de trabalhar, meu horário comercial mudou, mudei para minha casa, comecei a assumir esse meu lado de fazer música. Acho que eu tomei posse da minha. dos meus plug-ins.

Você tem essa crença em astrologia, horóscopo?

Na verdade eu não saco muito. Acho que sou ligada, mas ao mesmo tempo eu não sou. Sou mais de reparar nas características dos meus amigos, fazer um divisor comum. Mais isso. Não sou muito acadêmica do horóscopo.

E na época dessa virada na sua vida você teve medo? Ou foi tranquilo? Sua família te apoiou?
Não foi tranquilo. Demorei, inclusive, para tomar essa decisão de desenhar e só cantar. Porque eu canto informalmente desde que eu mudei para São Paulo, com 22 anos. Demorei para assumir esse lado. Acho que a comodidade, a estabilidade da carteira assinada e do salário todo mês, acaba te tornando dependente. Demorei para arriscar porque eu tinha tudo meio certo, no piloto automático. Sem muito drama. E minha família apoiou super, sempre. Pai e mãe, qualquer coisa que a gente fizer, sendo feliz, tá valendo.

Como é um dia comum na sua vida, sem trabalhar em horário comercial?
Eu não trabalho em horário comercial mas continuo cortando dobrado! Hoje acordei e fiquei numa correria de comprar nota para mandar para um freelance de ilustração, de uma apostila de educação ambiental. Fui almoçar com minha sobrinha, que veio de Minas passar a semana, provavelmente devo alugar um filme de princesa com ela, assistir no meio da tarde. O não horário comercial me dá essa liberdade de ver um filme de princesa às duas da tarde. Coisa que no ano passado nunca imaginei [risos]. Mas ao mesmo tempo eu posso passar a madrugada inteira no computador, desenhando enlouquecidamente, que é o que vai acontecer hoje, na verdade. Tenho que entregar uns desenhos, vou ter que pari-los.

E dá para se manter no fim do mês?
Quando eu parei e saí da agência, resolvi dar uma chance, ver o que acontece. Tenho feito bastante desenho e a música tem acontecido aos pouquinhos. Ainda não consigo sobreviver com a música,  dependo dos desenhos. Mas eu tenho desenhado bastante e as coisas estão dando certo. Tô muito mais feliz.

Voltando para a questão dos 30 anos, já começou a bater um sentimento maternal?
Sempre gostei de música para criança. Quando o grupo Rumo lançou Quem quer passear?, meu pai chegou em casa com esse disco, dentro da capa do Paralamas do Sucesso. Cresci sem saber qual era a capa. Eu, superligada em capa. Quando ouvi pela primeira vez pensei que era demais fazer música para criança. Cresci com isso, achando muito legal. Gerenciei o museu de Acalantos no parque do Ibirapuera, recolhendo canções de ninar do mundo inteiro. Então eu me interesso muito por esse universo. Minha sobrinha está passando a semana aqui comigo, a gente fica desenhando muito, escrevendo, faz música.

Mas você não pensa em ser mãe tão cedo?
Agora, aos 30, começou um pouco. Eu vejo criança e meu olho brilha um pouquinho, sabe? Antes esse raiozinho não existia. Mas eu não sei, ainda tenho um tempo de curtir o filho dos outros, não chegou a hora do meu. Mas vai chegar.

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