Quando você fica velha?
As atrizes Rosamaria Murtinho e Elisa Lucinda conversam com a antropóloga Mirian Goldenberg sobre os medos e os aprendizados do envelhecimento
Ter uma vida longa é praticamente um desejo universal. No entanto, em uma sociedade que valoriza a juventude, envelhecer é encarado por muita gente, especialmente as mulheres, como um problema. Com a pandemia, as pessoas com mais de 60 anos ainda ganharam um novo estigma: grupo de risco. Por isso, a (em)Casa Tpm convidou atriz Rosamaria Murtinho, a poetisa Elisa Lucinda e a antropóloga Mirian Goldenberg para uma conversa sobre envelhecimento e como elas estão encarando sua própria vulnerabilidade em tempos tão incertos.
Elisa Lucinda conta que, para ela, envelhecer sempre foi um sonho: "Minha vontade é aproveitar a vida ao máximo, sempre tive medo de morrer jovem." Os medos, é claro, também existiam. Um dos principais receios da poetisa era que as pessoas deixassem de sentir atração por ela. "Com o tempo, descobri que meu mercado emocional continua igual. Se o pessoal gosta de mim pelo que eu sou, está tudo certo", diz. "Além do mais, o mundo todo envelhece, é democrático. O que eu não quero é me desfigurar, me perder de mim".
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Pesquisadora especializada em envelhecimento, Mirian Goldenberg conta que viu a violência verbal, psicológica e física contra os idosos – a chamada velhofobia – aumentar muito durante a pandemia. "Vimos autoridades falando que os velhos podiam morrer e que ia ser bom para a Previdência. Até mesmo os memes dizendo que eles são teimosos são uma facada não só nos idosos, mas em quem vai ser um dia", explica. Por outro lado, a antropóloga percebeu uma maior preocupação e disponibilidade de muita gente para ajudar os mais velhos no período do isolamento, como as iniciativas que nasceram para auxiliá-los nas tarefas essenciais.
Para a atriz Rosamaria Murtinho, o processo de envelhecimento foi gradual e percebido principalmente a partir da relação com o outro: "A velhice veio quando as pessoas começaram a me chamar de senhora, me tratar com mais cuidado", diz. Ela conta que uma das coisas que a assusta no processo de envelhecer é a proximidade da morte: "Eu sou absolutamente contra a morte, acho uma chatice não estar aqui no ano 3000."
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"Eu estava com muito medo de morrer de live nesse mês da mulher negra e caribenha, porque sou referência na luta antirracista", brinca Elisa Lucinda. Para ela, a coisa mais legal de envelhecer foi a liberdade. "Existiam coisas que fazia e dizia e eu não tinha moral, porque era menina. Agora eu faço o que eu quiser em qualquer lugar." Ela reforça que, principalmente na filosofia dos movimentos indígena e negro, a ancestralidade e o respeito pela experiência das pessoas mais velhas são muito fortes.
No espetáculo “Parem de Falar Mal da Rotina”, que apresenta há mais de 17 anos, Elisa mostra toda a liberdade corporal que conquistou: "Eu começo ele nua e pretendo fazer assim até quando estiver em cartaz." Cabelo branco, para ela, também não é tabu. A poetisa conta que a primeira vez que seu marido viu os fios grisalhos crescendo, se ofereceu para pintar. "Aquilo desconstruiu tudo. Eu percebi que não precisava enganá-lo, esconder isso dele", explica.
Em uma pesquisa feita com pessoas de 18 a 59 anos, Mirian descobriu que o que as mulheres mais invejam no homem é a liberdade e essa conquista elas alcançam quando envelhecem. "Quando mais jovens, as mulheres têm pânico de envelhecer, porque nossa cultura valoriza a juventude. Mas, paradoxalmente, é nessa época que encontram a tão sonhada liberdade de serem elas mesmas", explica. A antropóloga afirma que todas as mulheres de 70 a 80 anos que entrevista dizem que esse é o momento mais feliz de suas vidas. "O que eu pergunto é: precisa esperar tanto tempo para ser livre?"
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Para Rosamaria, não. Ela conta que nunca esperou a velhice para poder dizer e fazer o que quis. "Eu sempre fui feminista, mesmo quando nem sabia o que era isso. A minha criação tem muitos homens, então com muita discussão, sempre tentei dizer o que eu queria." No entanto, a atriz percebeu que a idade fez com que ela tivesse mais cuidado para dizer as coisas certas. "Eu consegui um equilíbrio maior, me sinto muito mais sábia. A maturidade que eu consegui com a velhice eu não troco."
Elisa diz que, apesar de sempre ter feito o que quis, por ser uma mulher negra, ela enxerga a liberdade de uma forma diferente após a velhice. "Quando se é negro, você tem que lutar para ser você. Eu tenho hoje a liberdade de andar sobre uma história", explica. A poetisa explica que, há 30 anos, ela não poderia morar em Copacabana, por exemplo, pois mulheres negras que moravam no bairro eram consideradas prostitutas. "Eu tive que fazer a história que eu fiz para morar aqui. Eu sou mais livre hoje para ser quem eu sou porque, na minha vida, a liberdade sempre foi a coisa mais cara."
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