Perdido na selva

por Redação
Trip #110

Júlio Barroso, precursor do rock nacional nos anos 80, voou pela janela

Precisou chamar os bombeiros para retirar o corpo, estatelado numa área de difícil acesso daquele prédio perto do Minhocão. A queda foi do 11º andar. Nas persianas retorcidas ficaram arranhões, unhadas de quem tenta se agarrar ao que puder - mas não teve jeito. Ninguém estava lá para entender o que Júlio Barroso tinha na cabeça. Com pouco mais de 30 anos, já havia subvertido a cena musical brasileira, reinventando o pop nacional.

Precisou de pouco tempo para fazer a cabeça de sua geração, já que a cada passo criava um evento. Editor da revista Música do Planeta Terra, escrevia tratados sobre cantores de Gana, da Libéria e do Benin, vozes que ninguém ouvira antes. Discotecava nas casas mais quentes do Rio de Janeiro (Dancin' Days, Noites Cariocas) e de São Paulo (Paulicéia Desvairada), rolando Nino Rota e Eric Satie, ska, two-tone, Kid Creole and the Coconuts, entre outros achados.

Apresentou aqui a new wave que vira fervilhar em Manhattan, onde viveu e produziu festas performáticas. Escrevendo letras de tirar o fôlego, juntou o crítico Okky de Souza e um amigo do Tennessee, Mr. Jack Daniel's, para fundar a banda-referência da época: Gang 90 & Absurdettes. Com ela, colocou uma canção anárquica nas finais do festival MPB-Shell, da Globo, no Maracanãzinho, e outra na trilha-sonora da novela das 8: respectivamente "Perdidos na Selva" e "Louco Amor".

Rock'n'roll meio nonsense

Júlio Barroso nasceu no bairro do Grajaú, no Rio, em 1953, neto de estivador. O pai trabalhava na 3M quando teve a brilhante idéia de imprimir, no quintal de casa, adesivos com a estampa "smile". Ficou rico e instalou a família em Ipanema.

Devorando novidades, de Bob Marley a Arto Lindsay, Júlio vivia cada vez mais perto do perigo. A cama da qual contemplava a paisagem paulistana, já em 1984, terminava no parapeito, sem escalas. Bastava rolar o corpo para sair do outro lado da janela - cair, melhor dizendo. O chão lá embaixo, só esperando. Numa madrugada de julho, o inevitável aconteceu. Como foi? Impossível cravar.

"O Júlio amava a vida. Suas depressões eram muito teatrais. Não consigo vê-lo se matando", resumiu Lobão, amigo das antigas, na revista Playboy. Nelson Motta, que deu a Júlio seu primeiro emprego como DJ, testemunhou que ele costumava abater impiedoso o que havia nos frigobares dos quartos de hotel por onde passava. O último encontro dos dois, coincidência ou não, foi no Maksoud Plaza. Mas, naquele dia, o que se viu foi um Julinho "ultra-sóbrio, lúcido, amadurecido".

A hipótese de suicídio não convence. Um belo poema, escrito em 1982, começa com o verso: "Minha especialidade é viver". Mesmo sem um dente da frente, Júlio era um esteta e um conquistador - morrer não era sua praia. "Naquela pirueta provavelmente graciosa que Julinho deu em direção ao desconhecido", como Okky descreveu tão poeticamente, "naquela inútil noite paulistana, não houve cheiro de morte".

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