por Arthur Veríssimo
Trip #178

Nosso repórter excepcional viajou a Medellín para fazer o tour El Místico Pablo Escobar

Nosso repórter excepcional viajou a Medellín, na Colômbia, para fazer um tour batizado de El Místico pablo escobar. Encontrou uma cidade repleta de boas vibrações, onde o maior narcotraficante da história não passa de um espectro que quase todos querem esquecer

Para os inimigos e a grande parcela da população mundial ele foi uma criatura bestial. Mas, nos anos 80, o povo dos bairros pobres de Medellín chamava-o de Robin Hood e agradecia as moradias e canchas de futebol que ele construía. Instaurou um estado paralelo de terror, guerra, sequestros e atentados por toda a Colômbia. Foi o maior narcotraficante de todos os tempos. No auge do seu império, a revista Forbes o classificou como o sétimo homem mais rico do mundo somando só o dinheiro aparentemente legal, sem contar o caixa dois. Sua popularidade fez com que fosse eleito deputado, conquistando a famosa imunidade parlamentar – nós brasileiros estamos muito bem familiarizados com esse absurdo. Foi uma espécie de caudilho para os marginalizados. Era conhecido popularmente como El Patrón. Em uma famosa entrevista, o próprio Escobar disse que criou mais de 1 milhão de empregos. Um oceano de seres humanos cultivando, processando, embalando, distribuindo e vendendo cocaína.

Escobar corrompeu Deus e o diabo e transformou Medellín na metrópole mais violenta do mundo. Os números não mentem: na virada dos anos 90, o índice de homicídios era de 381 por 100 mil habitantes. Mas a cidade saiu do calvário para a ressurreição. A proporção atual é de 24 mortos para 100 mil. Só para comparar, o índice no Rio de Janeiro é de 37 por 100 mil. Medellín passou por uma inacreditável metamorfose e hoje é a cidade mais dinâmica da Colômbia. Para o bem ou para o mal, Don Pablo marcou uma era na Colômbia a ferro e fogo. Ainda há quem o venere, mas a maioria o odeia. Para muitos, o mito ficou marcado como uma profunda cicatriz ainda visível.

Uma das minhas fontes na Colômbia havia me informado de uma agência de viagens (Medellín Experience) que oferecia um passeio de nome El Místico Pablo Escobar entre seus inúmeros pacotes. Fiquei intrigado e iniciei a investigação. Cinco dias depois, caminhava pelas seguras ruas de Medellín farejando as pegadas do homem.

Na recepção do hotel, o guia Hector Jimenez explicou em detalhes a romaria que iríamos fazer. Pleno de entusiasmo, contava a história de Medellín costurada com a vida loka de Pablo Escobar. Nossa primeira parada seria no bairro de La Paz para conhecer a casa onde a família de Escobar tinha montado sua base. Ali começou a carreira de delitos de Pablo. Por incrível que pareça, as ruas estavam completamente limpas e silenciosas. As pessoas falavam suavemente. A casa de Pablo não existe mais. Um pequeno edifício foi construído em seu lugar. Tentei conversar com alguns dos seus moradores. Quando o assunto Pablo Escobar vinha à tona, ninguém tecia comentários. A lei do silêncio impera pelas calles. Hector contou que Pablo era membro de uma família de sete irmãos. Seu pai se chamava Abel Escobar Echeverry. Sua mãe, Hermilda Gaviria Berrio. No dia 1º de dezembro de 1949, ela deu à luz Pablo Emilio Escobar Gaviria no município de Rio Negro. Sua infância se passou em um mundo agreste e rural. Frequentava as aulas que sua mãe ministrava na escola e aprendeu a ler e escrever com ela.

Disparamos para uma região muito agradável e arborizada. O município de Envigado era um dos locais prediletos do rei da cocaína. Levamos uma hora para chegar ao alto da montanha onde El Patrón montou a famosa prisão La Catedral. Ela estava situada em uma pequena planície a 2.600 m de altitude, em um enclave de montanhas de dificílimo acesso. Dali, Escobar vigiava toda a região.

A casa caiu. Pero no mucho
Depois de uma série de negociações, Escobar se entregou às autoridades no dia 19 de junho de 1991. O mundo vibrou com a decisão. O que a maioria não tinha noção é que a mordomia rolava solta em La Catedral. A área total do hotel-prisão era de 30.000 m2 e abrigava salões de jogos, discoteca e muitos quartos. Escobar celebrava sua estada com bacanais e muitas partidas de futebol. Reorganizou todos os seus negócios. Resgatou o controle de suas propriedades pelo mundo e as fortunas espalhadas em bancos de lugares como Uruguai, Hong Kong, Suíça e Panamá. A única evidência aparente desse monumento do banditismo é a ruína de uma quadra de futebol de salão no meio da mata. A prisão foi saqueada pelo povo. Muitos acreditavam que suas paredes duplas, túneis secretos e bunkers escondiam centenas de milhões de dólares.

Driblo nosso guia e saio de quebrada para vasculhar os arredores. Muitos olhos observam minha curiosidade. O local transformou-se em um mosteiro beneditino. Chamo um dos monges, mas ele não dá a mínima. Seu único gesto foi balançar as mãos, mandando que saíssemos imediatamente das cercanias. Finjo não entender. Repentinamente, dois rotweillers surgem na parte de trás do mosteiro, prontos para abocanhar a tenra carne deste repórter. Acelero o passo. Com uma carranca diabólica, nosso guia tenta nos dar uma dura. Desbaratino. Digo que estou ali meditando. Ele não digere minha conversa. De volta ao veículo, consigo quebrar a sisudez de Hector. Ele balbucia que nossa próxima parada será o bairro Pablo Escobar.

As ruas são asfaltadas e abrigam mercadinhos, padarias e uma escola. Subindo uma escadaria, noto muitas crianças brincando em varandas. Sou levado ao santuário do Santo Menino Jesus de Atocha, uma oferenda bancada por dona Hermilda, a mãe de Escobar. Converso com Jaime Luna Osorio, um cidadão com profundos olhos azuis. Luna destila que é casado e que ali é sua casa e seu comércio. Vende refrigerantes, produtos de limpeza e guloseimas. Ele revela que a violência diminuiu porque agora a maioria dos desocupados e delinquentes está trabalhando.

Na esquina seguinte, sou convidado pelo líder comunitário José Gonzalez a conhecer a biblioteca local. Ele esclarece que o bairro foi batizado de Pablo Escobar porque El Patrón mandou construir ali 500 casas para famílias pobres e carentes em 1982. O local era completamente abandonado. “Desde então, dediquei minha vida organizando atividades educacionais e artísticas para as crianças e jovens”, diz Luna.

Faltavam ainda dois locais para finalizarmos nossa narcotour. O cemitério e a casa do bairro de Los Olivos onde El Jefe foi morto em dezembro de 1993. O famoso número no imóvel 45-95 está apagadinho. A casa passa por uma reforma e os pedreiros não nos deixam entrar. Somos ignorados. Um vizinho percebe nossa vontade e chega junto. José Túlio Arbelaez exala simpatia. Na época da morte do chefão, ele morava uma quadra acima. Desde a fuga de Escobar da prisão-palácio em julho de 1992, todos queriam o seu pescoço. A lista incluía a DEA (agência antidrogas do governo americano), o cartel de Cali, mercenários, os Pepes (sigla para Perseguidos por Pablo Escobar) e a polícia local. José Túlio conta que El Patrón telefonou para sua família às três da tarde de 2 de dezembro de 1993. Um sistema eletrônico detectou a origem e o destino da chamada. A casa foi localizada e um comando dirigiu-se ao local. Os policiais notaram um tipo robusto no telhado. Escobar foi alvejado e seu império desmoronou.

O cemitério Jardin Monte Sacro é amplo e seus jazigos e tumbas são discretos. Não existe ostentação. Pablo Escobar está sepultado ao lado da capela, juntamente com sua mãe, seu pai, sua governanta e seu fiel guarda-costas, Álvaro de Jesus, conhecido como El Limón. Observo uma senhora fazendo orações. Ela me lançou um sorriso ao terminar suas preces. Seu olhar era cativante. Dona Maria Lopez Isaza é auxiliar de enfermagem e uma fervorosa simpatizante de Pablo Escobar. “Tenho muita admiração por este homem. Ajudou os pobres e os esquecidos. Perdi dois filhos nesta guerra. No meu trabalho atendi muitos jovens, sicários [mercenários], soldados e policiais feridos e dilacerados. Era uma guerra civil entre o povo de Pablo, as outras gangues e o governo. Respeito o senhor Escobar, pois vivi na pele a história dele”, diz dona Maria.

VIDA APÓS A MORTE

Na manhã seguinte, decidi conhecer as mudanças e transformações que ocorreram em Medellín depois da era Escobar. Nosso ponto de partida seria a praça das esculturas, onde dezenas de trabalhos de Fernando Botero, artista plástico nascido na cidade, estão expostas ao ar livre. Um lambe-lambe com uma câmera Polaroid 330 Automatic aproximou-se. Alfonso Caño é uma enciclopédia da história e da cultura colombianas. Suas palavras surgiam como pérolas: “Medellín renasceu. As mudanças não são apenas externas e a mais importante delas foi no espírito dos cidadãos. Os espaços públicos foram recuperados, serviços básicos como educação, esportes, arte e trabalho foram implementados juntamente com o planejamento dos sistemas de transportes, parques e moradias. Agora também temos programas como o Banco das Oportunidades, em que empréstimos são oferecidos a pessoas de baixa renda. Nossa autoestima transborda por todos os lados.” No fim da nossa conversa, o sábio senhor sugeriu uma visita ao museu de Antióquia e uma breve viagem até o bairro de Santo Domingo. “Faça um passeio no Metrocable para perceber com seus sentidos a transformação do bairro mais violento de Medellín e do mundo”, disse o fotógrafo.

Enquanto sobrevoava a cidade a bordo do teleférico mais high-tech que já experimentei, entendi com clareza a metamorfose da cidade. Vi quadras esportivas, crianças circulando de bicicleta, postos de saúde, centros de apoio, pessoas felizes e uma biblioteca ultramoderna financiada pelo governo espanhol. Outro fator que me deixou estarrecido foi a ausência de policiamento ostensivo. O Metrocable transporta mais de 30 mil pessoas por dia em um percurso que dura 10 min. A pé, o trajeto seria percorrido em uma ou duas horas.

Os esforços da sociedade e do governo da Colômbia servem como exemplo para o mundo. O que ocorreu ali foi uma combinação de fatores capaz de mobilizar todos os setores da população a retomar o controle de um território antes dominado por guerrilheiros, narcotraficantes, terroristas e paramilitares. Anistia e redução de penas em troca da entrega das armas. Novos grupos políticos e renovação completa na polícia. Sem esquecer do mais importante: a implementação de intervenções sociais nos bairros pobres. A educação venceu a ignorância. Abençoada seja Medellín.

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