Os games educam?

por Ronaldo Lemos
Trip #185

O criador de Call of Duty defende que mesmo jogos mais violentos podem ajudar na educação

O criador de Call of Duty defende a polêmica ideia de que mesmo os jogos mais violentos podem ajudar na educação. É o conceito de “aprendizado tangencial”

Ele só usa preto, lembra de longe o Keanu Reeves e praticamente só come carne. Esse é James Portnow, desenvolvedor e teórico dos videogames, que visitou recentemente o Brasil. Dentre outras coisas, ele participou do desenvolvimento de Call of Duty Modern Warfare, jogo de tiro em primeira pessoa tão popular quanto violento.

Mas James veio ao Brasil falar de outra coisa. Da relação entre videogames e educação. Ele é um dos criadores do conceito de “aprendizado tangencial”, em outras palavras, a ideia de que até jogos que não foram desenhados para ensinar podem sim ter um impacto positivo no aprendizado.

O argumento dele é importante. Houve uma cisão na indústria dos games entre jogos educacionais e jogos de entretenimento. A questão é que quase ninguém (com exceção de educadores) presta muita atenção nos jogos educacionais. É só fazer o experimento. Coloque um garoto em frente a um jogo educacional. Em segundos ele vai perceber que tem algo de errado. A parte educativa fica em primeiro plano, enquanto o fator diversão é deixado um pouco de lado (mesmo em títulos espertos como Typing of the Dead, que usa zumbis para ensinar datilografia, ou Math Blaster, aventura espacial que ensina matemática).

Com isso, James acha que é possível trabalhar uma outra estratégia. Usar os jogos de entretenimento como plataforma para levantar questões e aguçar a curiosidade do jogador. Um exemplo é o próprio Call of Duty . Em uma das cenas, o jogador está dentro de um avião jogando bombas a grande altitude. A imagem é típica das cenas de guerra tecnológica, tudo em preto e branco e distanciado (parecendo exatamente com um videogame). Logo a seguir a situação se inverte e o jogador é colocado no campo de batalha logo abaixo, onde as bombas estão sendo atiradas. O que parecia asséptico e distanciado é um horror, com grande quantidade de sangue.

Counter-Strike
Esses pontos podem ser usados para levantar questões importantes, especialmente porque é mais fácil aprender sobre temas que despertam interesse. E os games são, por natureza, uma excelente ferramenta de gerar interesse. A hipótese do aprendizado tangencial é que parte dos jogadores sempre acaba se interessando pelos temas levantados nos jogos (mesmo que de passagem) e acaba indo atrás de mais informações por conta própria.

E, como a audiência dos games é gigantesca, se 0,1% dos fãs de Call of Duty se interessar por mais detalhes das batalhas citadas no jogo, isso já representa algumas dezenas de milhares de pessoas. Se vale um exemplo pessoal, lembro de ter ido ler o romance O nome da rosa só porque não conseguia terminar o jogo espanhol La Abadia del Crimen, que era baseado no livro (e, sim, a leitura do livro ajudou a zerar o jogo!).

Por fim, um outro ponto importante. Independente da narrativa, um videogame pode ensinar habilidades cada vez mais valiosas. Dentre elas, a capacidade de resolver várias tarefas ao mesmo tempo, a tomada rápida de decisões, coordenar a ação de um grupo de pessoas e assim por diante. Mesmo em jogos ultraviolentos como Counter-Strike, a primeira lição que o jogador aprende é que força bruta é derrota na certa. O mais importante é estratégia, decisões rápidas e bem tomadas e trabalho em equipe. Habilidades cada vez mais importantes não só nos games, mas em qualquer atividade. Com isso, pensar os jogos além da mera diversão é um potencial ainda a ser explorado.

*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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