por Caio Ferretti
Trip #212

Conheça o simpático Roy Nelson, o homem gordo que levou o kung fu à elite do MMA

Ele é o mais inusitado personagem do UFC. O “Big Country”, o “grande ursinho de pelúcia”, o lutador que comemora seus nocautes alisando a barriga como se fosse uma bola de cristal. Conheça Roy Nelson, o homem que além de tudo ainda levou à elite do MMA o kung fu, a arte marcial inspirada nos movimentos dos animais

O cronômetro marcava apenas 50 segundos de luta quando Roy Nelson soltou uma pancada de mão direita, de cima para baixo, quase que despretensiosamente. Era o terceiro golpe que ele arriscava contra Dave Herman, um oponente visivelmente maior, mais forte e mais ágil, mas não resistente o suficiente para suportar uma patada daquelas. Dave desabou. Nocaute – depois eleito pelos juízes o melhor daquela noite. Roy correu para a grade que cerca o octógono, pulou em cima e, sentado ali no topo, comemorou de maneira inusitada: esfregando sua magnânima barriga com as duas mãos. A imagem deixava claro que aquele gordinho barbudo era uma figura diferente dentro do UFC (Ultimate Fighting Championship). Dois meses depois, enquanto recorda esse combate, Roy tem nas mãos um bolo de fotos que mostram justamente o derradeiro soco dessa última luta. Estamos dentro de sua caminhonete, no estacionamento de um hotel em Las Vegas, num começo de noite de domingo.

Estávamos havia dois dias ao lado de Roy “Big Country” Nelson, durante um fim de semana de junho na cidade onde vive o atleta. Além de ser um personagem inusitado dentro do maior campeonato de MMA (Mixed Martial Arts) por causa de seu shape fora dos padrões, o que nos levou até Las Vegas foi a formação de Nelson como lutador. Ele é o único competidor dentro do UFC com formação no kung fu, a arte marcial inspirada nos movimentos dos animais. “No estilo que pratico são cinco [animais inspiradores]: tigre, garça, cobra, dragão e...”, ele fica alguns segundos pensando. “E...”, e olha para os lados, mas não se lembra do quinto animal. E segue: “Enfim, o kung fu me ajuda no UFC assim como me ajuda na vida. Ensina a ter perseverança, a tentar ser tudo o que puder, a fazer o máximo possível sempre”. Leopardo, diga-se, foi o bicho esquecido, conforme chequei no Google depois.

Estamos sentados no sofá de sua casa quando pergunto se ele ainda pratica kung fu com frequência. Roy pega o controle remoto de sua grande televisão. Antes de ligá-la, diz: “Treinei antes dessa última luta, para a gravação de um programa do UFC que apresenta os dois lutadores”. No vídeo, ele aparece com uma roupa toda preta na Lohan School of Shaolin, onde começou a praticar a arte chinesa aos 15 anos. A resposta para a minha pergunta vem logo no início das imagens. “O kung fu é o caminho para 95% das artes marciais e eu o pratico diariamente”, diz na gravação. Sendo assim, em suas contas já são 21 anos de prática. Ao desligar a televisão, ele confidencia: “Sabe aqueles filmes de ninja? Era o que eu queria fazer. Eu via os filmes do Bruce Lee e sonhava em também ser pago para lutar artes marciais”.

“Ei, eu sou o Roy Nelson!”

Era começo de 2009 quando Roy recebeu uma inesperada ligação de seu agente. O telefonema era para saber se o lutador gostaria de participar de um reality show no canal Spike o  . Já era a décima edição do programa nos Estados Unidos – por aqui acabamos de ter a primeira temporada transmitida pela Rede Globo nas noites de domingo – e o vencedor ganharia um contrato com o UFC. Isso deixou o “Big Country” interessado. Na época, ele já tinha o cinturão de outra liga, a IFL (International Fight League), mas era desconhecido pelo público do UFC, um campeonato com muito mais visibilidade. “Era uma maneira de me apresentar e dizer: ‘Ei, eu sou o Roy Nelson! É isso o que vocês perderam esse tempo todo’.” Foram quatro lutas durante o programa até que ele saísse vencedor. A grande final, vencida por nocaute ainda no primeiro round, teve a maior audiência até então da Spike TV.

Foi assim que o lutador se apresentou aos fãs do UFC. Desde então, foram seis lutas. Três vitórias (sempre por nocaute) e três derrotas (sempre por decisão dos juízes após um longo combate). Roy jamais visitou a lona. Por mais que apanhe, fazê-lo apagar parece improvável. Certa vez, ele resolveu testar o jogo de video game do UFC usando seu próprio personagem nas lutas. “Se alguém me nocauteasse eu saberia que o jogo era ruim”, disse. Deu tudo certo nos primeiros testes, até que um dia foi a um bar de Las Vegas exclusivo para jogos eletrônicos. Encarou uma luta e seu personagem foi nocauteado. Nunca mais tocou no jogo. “Isso é impossível, aquilo só podia estar quebrado!”, disse, às gargalhadas.

 

“Sabe aqueles filmes de ninja? Era o que eu queria fazer. Assistia ao Bruce Lee e sonhava em ser pago para lutar artes marciais”

 

Na vida real, o lutador brasileiro Junior “Cigano”, campeão dos pesos-pesados, entende o que Nelson está falando. Há dois anos eles se encontraram no octógono – e aquela seria a primeira derrota do “Big Country” no UFC. “Foi o combate mais difícil da minha carreira”, lembra Cigano. “Antes da luta, o entrevistador do evento me falou: ‘Você vem ganhando de grandes nomes, já pensou perder pro gordinho agora? ’. Aquilo não saiu da minha cabeça, foi frustrante. Durante os rounds, a pergunta do entrevistador veio várias vezes na minha memória. Eu já estava cansado de bater e ele não sentia!” Na época, Roy estava com 119 quilos. Tomou exatos 130 golpes do brasileiro. E não caiu. Depois da luta, os dois se tornaram amigos próximos. “Ele é um cara engraçado, muito coerente e simpático. É meio tímido, mas se você brincar, ele vai brincar. É uma pessoa boa de ter por perto”, define Cigano. Roy, por sua vez, diz que só lutaria outra vez contra o brasileiro se fosse pelo cinturão. Caso contrário, não gostaria de enfrentar um amigo.

Cassino aos 16

“Tenha cuidado! Não vá farrear como Roy Nelson”, é o que me diz o próprio, na terceira pessoa, quando nos despedimos de nosso primeiro encontro, na noite de sábado. Roy sabe bem como são intensas as noitadas de Las Vegas, mas a advertência foi irônica. 

É que há muitos anos ele se tornou uma pessoa caseira, que não frequenta grandes festas e não visita cassinos. Como nasceu e cresceu por lá, Roy se cansou de tudo isso muito cedo. “Aqui, para jogar num cassino, beber ou entrar em clubes noturnos é preciso esperar até os 21 anos. Mas, por crescer em Vegas, lembro-me que a primeira vez que apostei foi aos 16”, recorda. “Eu fiz todas essas coisas de festas antes dos 21 anos, quando ainda não era permitido. Depois que eu finalmente fiquei maior de idade, tudo aquilo já não tinha graça.” Agora, quando tem um tempo livre, ele gruda no computador ou na televisão – um dos seus programas favoritos, acredite, é outro reality show, Dance Moms, em que mães acompanham a entrada de seus pequenos filhos no showbiz da dança.

Por preferir a calmaria, a casa onde vive fica bastante afastada do agito turístico de Vegas. São cerca de 40 minutos de carro entre a região dos cassinos e o tranquilo bairro residencial em que ele mora. Ao cruzar a porta de entrada, nota-se imediatamente ser a casa de um lutador. O primeiro móvel à vista é um armário com paredes de vidro. Dentro estão algumas medalhas e três bonecos de competidores do UFC – todos brasileiros. São Minotauro, Wanderlei Silva e Maurício Shogun Rua. Espalhadas por todas as paredes da casa, Roy tem fotos com outros lutadores e pôsteres de campeonatos que participou. Na garagem, um quadro com uma escritura em mandarim diz “Perseverança e prosperidade”, ensinamentos do kung fu. E é ali mesmo que ele treina. Um dos cômodos da residência teve todo o chão coberto por um tatame azul. Virou a academia.

 

“Se alguém nocauteasse o meu personagem no video game, eu saberia que o jogo era ruim. Isso é impossível de acontecer na vida real!”

 

De forma confortável e sem grandes extravagâncias, é assim que Nelson vive com a esposa, Jessica. Ela, aliás, é quem dá a definição mais inesperada sobre o lutador. “Ele é um grande ursinho de pelúcia!” O quê?! Como assim? “A aparência dele pode intimidar, mas ele é super-receptivo. Quando as pessoas o conhecem gostam instantaneamente. Tenho certeza que ele será um ótimo pai.” Sim, Jessica está grávida de cinco meses. Outro lutador a caminho? Nelson faz careta diante da pergunta. “Espero que não. O universo da luta é muito estressante. E no UFC é ainda pior. Quanto mais dinheiro envolvido, mais preocupações existem.”

Babá de barba

Nem o próprio Roy pensava em depender desse estressante mundo dos ringues para ganhar a vida. Quando estava prestes a sair do colégio, seu objetivo era ser bombeiro – a mesma profissão do pai. Manteve por alguns anos essa ideia na cabeça. Enquanto esse sonho se arrastava sem resultados, ele foi ganhar dinheiro de outra forma. Estudou para virar professor de Ensino Básico, mas acabou caindo num trabalho diferente. “Eu era quase uma babá”, diverte-se. “Cuidava de crianças num programa chamado Before and After School Care (Cuidado antes e depois da escola). Os pais deixavam os filhos ali comigo.” Foram dez anos assim. Em paralelo, ele seguia treinando artes marciais. Roy havia descoberto o jiu-jítsu dos Gracie e estava levando a prática bastante a sério. Tanto que precisou escolher entre a vida de professor e a do tatame. Só aos 28 anos o “Big Country” decidiu se dedicar exclusivamente às lutas. Tarde, se comparado à maioria dos atletas com quem compete.

 

Antes de tornar-se um lutador, Nelson ganhava a vida cuidando de crianças. “Eu era quase uma babá”, diz. Nas horas vagas, treinava kung fu

 

Ele acaba de completar 35 anos. Mesmo assim, provavelmente ainda será possível ver Roy Nelson dentro do octógono por alguns anos mais – e, quem sabe, vê-lo alisando a sua marca registrada, a barriga, outra vez após uma vitória. “Posso lutar até os 47!” É sério? “Não. Na verdade acho que até uns 40 ou 42 anos. Depois disso posso treinar outros caras, voltar a ser professor, ser comentarista na televisão, ser um comediante de stand up... Já faço isso o tempo todo, é só contar uma história!”, diz, rindo.

Depois de dois dias acompanhando o lutador, voltemos à cena do início deste texto. Roy tem nas mãos uma pilha de fotos com a pancada que nocauteou seu último oponente. Ele separa duas, autografa e entrega para a reportagem da Trip. Estamos dentro de sua caminhonete no estacionamento de um hotel em Las Vegas. Ao sairmos do carro, o fotógrafo que me acompanha diz: “Sabe o que é louco? Eu nem sou muito ligado no UFC, mas me deu vontade de começar a acompanhar pra torcer por esse cara”.

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