por Redação

Nosso colunista-viajante vai à Tel Aviv de seus antepassados e se envergonha de ser judeu, brasileiro e londrino

Cheguei hoje em Israel, a convite de um festival de documentários em Tel Aviv.

Ainda em Londres, o jornal da BBC deu a notícia do assassinato em Gaza do Sheik Yaseen, líder espiritual do grupo terrorista palestino Hamas.

Familiares e amigos me telefonaram do Brasil, preocupados com a minha ida a Israel em um momento tão perigoso.

Minha mãe, quase chorando, pediu que eu desistisse da viagem. Acho engraçada toda essa preocupação vindo do Brasil, um país onde 45 mil pessoas são assassinadas anualmente. Nos quatro anos da última intifada o total de mortos - entre palestinos e israelenses - é, no momento, 3 300.

25 de março

Tel Aviv é uma cidade linda e tranqüila, parece tão distante do conflito médio-oriental quanto Florianópolis. Chove mulher gostosa e na praia tem gente pegando onda e fumando baseado. Check Point, um documentário israelense, abriu o festival.

Nele, vemos soldados israelenses humilhando a população palestina nos postos de controle. É louco pensar que o garçom simpático que me serviu café hoje de manhã poderia ser um desses soldados escrotos. Depois do filme, jantei com a turma do festival. Comi um sushi ótimo.

Adormeço sentindo vergonha de ser judeu.

26 de março

O Muro das Lamentações em Jerusalém é o lugar mais sagrado da religião judaica. Os fiéis têm o costume de escrever bilhetinhos para Deus e enfiá-los em frestas e rachaduras do muro. É como se ele fosse uma espécie de internet café com conexão em banda larga com Deus.

Mês passado estive na Índia com um homem santo, o Vijayananda. Quando disse que ia para Israel ele me pediu: "Vá ao Muro das Lamentações e ponha um bilhetinho para Deus desejando "Paz para Israel"". Vou a Jerusalém especialmente para atender ao pedido. Gasto uma puta grana no táxi. Tenho medo de bomba suicida no ônibus.

Leio uma entrevista no jornal. É o desabafo de Yossi Mandelevitch, um imigrante polonês: "Sessenta e um anos atrás, os avós do meu filho Yuval foram assassinados na Polônia pelos nazistas. Meu filho tinha só 13 anos quando morreu num atentado suicida em Haifa. O holocausto dos meus pais foi na Europa. O do meu filho foi aqui".

Muita gente não entende e se irrita porque os judeus ficam sempre lembrando do holocausto, que terminou há quase 60 anos, principalmente quando o passado é usado para justificar a opressão dos palestinos. Mas vá dizer pro seu Yossi que ele não tem direito de se sentir vítima! E não é só a memória relativamente distante do holocausto que mantém acesa essa fogueira do desespero.

Na última década mais de um milhão de novos imigrantes judeus chegaram em Israel, provenientes da ex-União Soviética e da Etiópia, com o trauma da perseguição e do anti-semitismo ainda fresquinho na bagagem. Quando essa gente vê os líderes palestinos prometendo que vão matar os judeus, eles levam a sério.

No Muro das Lamentações escrevo "Paz em Israel" num pedaço de papel, dobro bem e enfio numa rachadura. Mas logo percebo que um grupo de faxineiros está limpando o muro, desentocando e varrendo os bilhetinhos. Olho para a pilha de pedidos varridos no chão e penso que deve ser difícil viver quando na cabeça coexistem duas visões de mundo: numa você é vítima; na outra, algoz.

27 de março

Aprendi uma palavra nova em hebraico, buah, ou seja, a bolha física e psicológica que os israelenses constroem para se proteger da violência e continuar a viver normalmente. Israel parece mesmo o Brasil! Os ricos brasileiros também constroem bolhas para se isolar da pobreza e da violência. Carros blindados, seguranças armadas, as janelas do carro fechadas para ignorar mendigo são pura "buação".

Os palestinos, fora da bolha, também parecem brasileiros pobres. Jenim, Nablus e Raffah são as Rocinhas e os Vigários Gerais deles. Mas é bom lembrar que, mesmo em plena intifada, mortalidade infantil, analfabetismo e outros índices de qualidade de vida são piores no Brasil que nos territórios ocupados em Israel.

Durmo com vergonha de ser brasileiro.

28 de março

Incurável. Que palavra triste é essa. Como um câncer que não regride, como um problema que só se resolve na destruição e na total negação do bem e da inteligência.

É triste admitir, mas talvez judeus e árabes ainda não tenham derramado sangue o suficiente para que haja paz. Fica cada vez mais difícil imaginar qualquer coisa sem resignação e cinismo.

Volto para Londres, protegido, são e salvo na minha bolha.

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