Obama é um legítimo produto e representante da filosofia da miscigenação e da diversidade

Por Ricardo Guimarães*

Caro Paulo,

Não importava o tema que esta Trip tivesse, eu ia dar um jeito de comemorar a eleição do Obama com você.

Mas não precisei dar jeito nenhum. Além do resultado em si da eleição, que é um marco histórico do acolhimento e da celebração da diversidade, Obama no discurso da vitória deu a chave para que a diferença seja um efetivo enriquecimento da sociedade e não apenas motivo de cotas e culpas da parte branca e cristã à qual pertencemos. Ele disse: “Eu vou te ouvir, principalmente quando discordarmos”. Perfeito! Interação!

Na minha visão, a diversidade tem um propósito. Não é um acidente de percurso que precisa ser consertado por razões morais, nem um problema a ser enfrentado em nome da paz, embora também seja.

Entendo que, antes de mais nada, a diversidade é uma condição para a evolução da humanidade na direção do nosso autoconhecimento e do nosso futuro, portanto de uma melhor compreensão de quem somos e do que estamos fazendo aqui neste planeta.

Obama não disse apenas que vai aceitar o diverso. Ele disse que vai interagir com ele, vai ouvir a opinião que for diferente da dele.

Essa é a filosofi a mestiça da qual ele é legítimo produto e representante. Aprendi essa expressão – filosofi a mestiça – num livro de mesmo nome de autoria do filósofo francês Michel Serres, que morou uns tempos no Brasil. Tropecei nesse livro por acaso num dos lugares mais mestiços do mundo, no Pelourinho de Salvador, o que me dá mais uma prova de que acaso não existe.

Nessa época, aprendi que mestiço é o resultado da interação de dois diferentes que formam um terceiro, que pode ser um filho, um projeto, uma opinião, uma lei, uma música, uma compreensão, uma raça, ou os próprios dois que se encontraram e que se enriqueceram com a interação; enfim, uma relação que gera algo mais rico do que aquilo que existia antes, a geração do futuro.

A idéia de interação é muito bem-vinda para Obama enfrentar o terrorismo e a crise do sistema financeiro internacional porque destrói o nefasto conceito do quebra-cabeça – herança cultural que recebemos da sociedade industrial –, que foi muito usado sempre que se falava das partes diferentes que integram um todo, como o mapa-múndi que mostra o planeta loteado em Estados políticos. O quebra-cabeça não serve mais para falar da realidade da sociedade do conhecimento, a sociedade em rede.

O quebra-cabeça é mecânico, são peças inertes e prontas que se ajustam segundo um manual, mas que não interagem entre si, não aprendem, não se transformam, não criam uma terceira coisa, nova.

A sociedade que elegeu Obama, turbinada pela tecnologia da informação e da comunicação, não é definida por Estados (vermelhos e azuis, por exemplo) e instituições, mas por indivíduos conectados e interativos que aprendem e se transformam permanentemente, criando problemas e soluções surpreendentes, como essa crise e essa eleição.

Obama não é negro. É mestiço, a diversidade em ação, criando o mundo futuro, mestiço, surpreendente e melhor. Ricardo

*RICARDO GUIMARÃES, 60, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br

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