por Jorge L. Colombo

Leia o relato do encontro do nosso diretor de arte com o fotógrafo Alberto Korda, falecido há duas semanas. Korda é o autor da foto acima que imortalizou Che Guevara e tornou-se a imagem mais reproduzida do mundo

Primeiro e último encontro: Alberto Korda e Jorge ColomboPor Jorge L. Colombo*Fotos Frida Abrahão e Jorge L. Colombo A quem importa saber da morte de um desconhecido? Ou melhor, da vida de um fotógrafo gringo esquecido no anonimato? Fui convidado a escrever sobre o fotógrafo Alberto Díaz Korda - criador da imagem mais reproduzida do mundo, a foto de Che Guevara -, morto em Paris, aos 73 anos por causa de um ataque cardíaco, (talvez os populares, cigarros cubanos, tenhan cobrado mais uma vítima). Na hora, lá no fundo, as perguntas mais óbvias se precipitaram criando uma desonesta cilada nos sentidos. Como eu, um mero diretor de arte, poderia escrever alguma palavra sobre o trabalho e a vida de um fotógrafo? Como expressar em palavras uma coisa que pertence absolutamente ao sentido visual? Como escrever um texto atraente para um leitor de olhos cansados, diante de um fato tão negativo como a própria morte? Nas minhas últimas férias decidi ir a Havana, Cuba, à procura de alguma coisa familiar ou pelo menos que se conectasse a minha condição de gringo (Jorge é argentino) morando fora de meu país. Foi assim que conheci Alberto Korda, autor da fotografia que conseguiu ressuscitar aquele que tantas vezes foi morto pela matilha internacional, o guerrilheiro heróico Ernesto Che Guevara. Mas este texto não se trata de mais um dos tantos que falam desse tema chato, nem de política nem de Cuba, nem de pobreza, nem de Che Guevara, nem de um país embargado pelos EUA, muito menos de morte. Bebendo uma Cristal (cerveja local), sentado no degrau da porta de entrada da casa onde minhas companheiras de viagem e eu nos albergamos, comentei com Pedro, proprietário da casa de paredes gastas e de arquitetura pré-Revolução, minhas intenções de conhecer Korda. Respondeu-me ainda montado em sua bicicleta: O fotógrafo do Che? Ele é nosso vizinho... Sobe que te levo até lá!. Calorosa troca de idéias Ainda com as pernas tremendo, depois de ter voltado de uma viagem de Santa Clara a Havana, e um pouco emocionado pela figura de Che projetada naquela cidadezinha do interior de Cuba, não acreditava estar batendo à porta da casa de Korda. Nem sabia o que iria falar para ele. Mas estava lá, tinha que encarar a situação. Uma porta desinibidamente escancarada de um apartamento térreo, num prédio de poucos andares, exatamente igual a todos os outros prédios do bairro, deixava escapar um som alto que não me parecia muito desconhecido. A poucos metros da porta consegui identificar a música. Tango! Parado na porta, fiquei assistindo à cena: Alberto Korda no meio da sala cantando tango. Na hora, minha pergunta absurdamente bobvia (metade boba, metade óbvia...) foi sobre música. Com olhar cúmplice Korda recitou: Quando virá esse pintor que pinte o que eu sinto, vontades de viver a vida sem pesares nem tormentos?. Era minha vez de responder: Atahualpa Yupanqui, El Payador Perseguido!. (Atahualpa foi um cantor folclórico argentino que foi exilado na Europa durante a repressão.) Também gosto dele!, devolveu Korda.Estava no ar a mesma sensação de voltar a ser criança. O ritual de estar sentado na sala da casa da minha avó, esperando-a tirar da cômoda uma velha foto, envolvida de uma aura intrigante de histórias de um passado emocionante para satisfazer meus ouvidos famintos de relatos de outras épocas. O que era para ser uma entrevista virou, como qualquer conversa entre latinos, um bate-papo maravilhoso com um amigo sobre política, ideologia, fotografia, arte, música... Ele me falou sobre a câmara (sua Léica) que usou para fazer a foto de Che, o que fez com o dinheiro ganho em um tribunal inglês no caso contra a Benetton, pelo uso indevido da imagem do Che (ele doou tudo ao Hospital de Crianças com Câncer de Cuba), jornadas do torneio Ernest Hemingway de pescaria, onde Korda fotografou Che, que, por hobby, fotografava Fidel Castro, que, por ironia (talvez tirania) do destino, esse ano ganhara o prêmio do torneio que levara o nome do escritor e muitas outras histórias, que fluíram naturalmente, em nossa calorosa troca de idéias. Após tirar algumas fotos de Korda, ele ensinou-me a manusear uma velha amiga dele com quem fotografou moda por alguns anos, durante o governo do Batista (antes da Revolução): uma câmara Rolleiflex, que eu tinha levado (as lições do mestre você encontra na Salada da edição impressa da TRIP#87, sob o título Aula magna). Minha procura de uma identidade familiar foi achada e a fome foi satisfeita. A gestalt fechou. Por isso tudo foi inevitável ficar triste quando, sábado passado, vindo de uma session em Ubatuba, meu amigo Tiago com o corpo ainda salgado e os pés cheios de areia, me contou que Alberto Korda havia morrido. Mais difícil ainda foi não gaguejar no momento e telefonar para dar os pêsames à família do meu amigo de 73 anos. Quem esteve aquele dia em sua casa sabe que teve a honra de conhecer, muito longe de políticas e preconceitos ideológicos, uma pessoa extraordinária.Morrer para viver como Korda morreu, para viver como ele vive. Na memória e no exemplo dos seus amigos. Um fotógrafo gringo esquecido no anonimato? A morte de um desconhecido? A quem importa saber? A mim, isso importa - e muito.* Jorge L. Colombo é diretor de arte da Revista TRIP
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