Uma noite na Cooperifa

por Redação

Trip Transformadores vai ao sarau da Cooperifa, leva 400 livros e recebe homenagem surpresa

 

Se as noites de quarta-feira costumam ser sinônimo de novela e futebol, a da última semana teve um roteiro um tanto diferente para a equipe do Trip Transformadores: foi noite de música, poesia e literatura no Sarau da Cooperifa, no bar do Zé Batidão, na comunidade de Piraporinha, zona sul de São Paulo.

O Trip Transformadores, numa parceria com a Suzano Papel e Celulose, apoiadora do prêmio, e com o Instituto Ecofuturo – ONG que promove a educação para a sustentabilidade – viabilizou a entrega de 400 livros para o projeto que acontece toda quarta-feira, organizado pelo escritor, poeta e produtor cultural Sérgio Vaz, homenageado no Trip Transformadores de 2010. Para a alegria geral, as publicações logo foram distribuídas entre a comunidade.

“A Trip é parceira”, saudou Sérgio ao receber um livro simbólico, representando a doação, das mãos de Ana Paula Wehba, diretora de Eventos e Projetos Especiais Proprietários. “Paulo Lima é guerreiro bom”, continuou, antes de surpreender a equipe da Trip e entregar o Prêmio Cooperifa, um “abraço” materializado em bronze nas figuras de Dom Quixote e seu fiel escudeiro, Sancho Pança, destinado aos amigos que promovem e engrandecem o projeto.

Sérgio, que cresceu sonhando em ser jogador de futebol, acabou se tornando autodidata e descobriu o poder de transformação da literatura e da poesia. Decidiu, então, multiplicar sua experiência pessoal. Com um público atual que chega a 500 pessoas por noite, o sarau, que este ano completa 11 anos, atrai não só a comunidade local, mas também artistas, intelectuais e empresários de fora.

O poeta, assim como a Suzano, estará presente na prévia do Trip Transformadores que acontecerá hoje no Cine Joia, numa noite de homenagens ao cantor Gilberto Gil. Ele vai levar o sarau da Cooperifa até o palco do evento. Além disso, as 1.200 pessoas convidadas poderão doar um livro de suas bibliotecas pessoais para o projeto.

 

 

O SARAU

São quase 21 horas quando as últimas mágoas tocadas em samba e MPB por uma dupla com violino e violão cessam, assim como o burburinho das pessoas que tomam sua cerveja e comem o famoso escondidinho do Zé Batidão. A ''casa'' está abarrotada, com gente sentada nas escadas, na porta do banheiro e também em pé na calçada, atentas.

O poeta Sérgio Vaz, então, assume o microfone, momentos depois haver mostrado a comunidade vista do alto da laje do bar e dado uma ideia da importância daquilo tudo. “Aqui, a estrela é a comunidade. É a nossa Macondo”, diz, em alusão à obra-prima do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão.

"Aqui, a estrela é a comunidade. É a nossa Macondo"

“Povo lindo, povo inteligente”, fala, seguido por um coro que repete suas palavras efusivamente. “O melhor lugar do mundo é aqui e agora. É tudo nosso!”. Realmente. Porém, há de se fazer silêncio, pois a lista de poetas que querem expressar seus sentimentos é longa, e o tempo, nem tanto.

Há sempre alguém para apresentar o próximo trovador, que é recebido com uma sonora salva de palmas. Homens e mulheres, dos mais jovens aos mais vividos, recitam trechos de livros, letras de raps e poemas autorais sobre protestos sociais, romances não correspondidos, galanteios baratos e os mais variados temas. Uns levam caderninhos ou folhas soltas, tremem para ler, mas não hesitam; enquanto outros fecham os olhos, ignoram o microfone e a leitura, e interpretam os versos com admirável entonação, como num monólogo. 

CHORA, VAGABUNDO

Se o silêncio é precioso e é quase respeitado à risca – Sérgio volta e meia controla os sussurros abaixando as duas mãos lentamente, feito um maestro regendo seus músicos – em alguns momentos não há como conter a reação do público. Num deles, uma mulher lê uma carta de declaração amorosa feita por uma amiga para o namorado ali presente, que ouve tudo com os olhos marejados, e logo vai ao encontro dela num beijo que leva o pessoal à loucura. “Chora, vagabundo”, grita um dos amigos.

Em outro, um senhor descreve milimetricamente o corpo feminino, por meio de metáforas, como quem quer possuir a mulher só com as palavras, até que uma moça deixa escapar uma palma de excitação fora de hora, levando todos às gargalhadas. “Calma. Eu tô só começando”, brinca o boêmio. 

Quando dona Edith, de mais de 80 anos, conhecida como “a diva”, cabelos grisalhos, recita um poema sobre a vida e quando dona Vilma “Nega Drama”, 55 anos, agradece à Cooperifa por tê-la abraçado quando perdeu seu marido e teve que criar os filhos sozinha, a plateia vibra do mesmo modo. Sérgio também faz sua leitura e lembra: “Não confunda luta com briga. A briga tem hora pra acabar, a luta é pra toda vida”.

A fila de poetas que desejam participar ainda é longa, mas terão que esperar até a próxima quarta-feira. Afinal, já são 23 horas, e a comunidade, a principal estrela, precisa dormir. Depois de tanta fala e boca seca, só resta uma gelada, mais do que merecida, para molhar as palavras que ainda estão por vir.

 

fechar