Roberta Medina: ela faz rock

por Renato Lemos
Tpm #110

Aos 33 anos, empresária toca o Rock in Rio e faz girar US$ 300 milhões sem cair do salto

Roberta Medina viu o pai criar um dos maiores festivais de música do mundo: o Rock in Rio. Há dez anos, deixou de ser apontada como “filhinha dE papai” para tocar o evento que lhe trouxe fama, fã-clube, paparazzi e até um “caso” com o jogador de futebol Cristiano Ronaldo

Ali pelo meio da conversa, a bolsa de Roberta Medina (da marca italiana Furla, comprada em um aeroporto) vira e de lá de dentro cai um monte de coisas: dois celulares, um batom, hidratante para as mãos, um espelhinho, uma carteira com retratos de família, barrinha de cereais, uma piranha para o cabelo e um amarrado de cartões de visita. Na frente de cada um deles, está o logo do Rock in Rio por cima da frase “For a better world”. No verso, apenas o seu nome escrito em letras pretas – o cargo de Roberta não aparece impresso nos cartões. Nem precisa. Suas funções poderiam ser resumidas com uma frase vulgar, roubada do para-choque de um caminhão: “Não sou a dona do mundo, mas sou filha dele”. No mundo encantado do Rock in Rio, Roberta – uma carioca de 33 anos capaz de vender, em míseros quatro dias, 500 mil ingressos para um festival de música – é as duas coisas ao mesmo tempo.

Axl Rose e Shakira

Roberta é filha de Roberto Medina, o empresário que criou o Rock in Rio em 1985. Desde 2001, quando o festival foi realizado no Rio de Janeiro pela última vez, ela está à frente dos negócios. Roberta tinha 23 anos, fama de patricinha, uma coleção de sapatos altíssimos, um gosto musical duvidoso (dizem que foi ela quem bateu pé pela presença do N’Sync – lembra? – no evento), um currículo ralo e uma baita desconfiança da imprensa. Nos bastidores, sempre que ela aparecia, algum jornalista cochichava um “lá vem a filhinha do papai”. Roberta ri: “Filhinha do papai, eu? Acho que não, mas o que importa? Talvez tenha sido maluquice ele me passar aquilo naquele momento, mas foi bom. Aprendi a me impor. Meu pai é um visionário, um gênio, ele sempre foi meu melhor cartão de visita”.

“Talvez tenha sido maluquice ele [O pai DELA] me passar aquilo naquele momento, mas Aprendi a me impor. Meu pai é um visionário, um gênio, ele sempre foi meu melhor cartão de visita”

Nos últimos dez anos, Roberta parece ter vivido para provar que o pai fez a escolha certa. Ela levou a marca do festival para Portugal e Espanha, criou sua própria empresa (a Dream Factory), promoveu eventos natalinos na Polônia e na Romênia, trabalhou muito, namorou pouco, acumulou milhas, fez sucesso e ganhou um bocado de dinheiro. Atualmente mora a maior parte do tempo em Lisboa. Foi para lá, em 2003, fazer a primeira versão do Rock in Rio Lisboa. Ficou. Na época, especulou-se que a violência no Brasil – mais do que qualquer outra coisa – a convenceu a permanecer por lá.

Em junho de 1990, o pai foi sequestrado e passou 17 dias num cativeiro no Rio, de onde só saiu depois de pagar o equivalente a US$ 2,5 milhões. O episódio deixou marcas na família, mas Roberta diz que não foi isso que provocou a mudança: “Não tem nada a ver com o sequestro. Portugal me desacelera. Cheguei com aquela ideia de mulheres de bigode e lenço na cabeça e me surpreendi. É um país muito civilizado e suave. E os 
portugueses são uns cavalheiros”, diz, acrescentando que a mudança significou uma guinada em sua vida. “A gente cresce e vai levando na bagagem coisas que não têm a ver com o que somos. Pessoas, noitadas, roupas, hábitos. Eu já não queria aquilo. Em Portugal deixei tudo pra trás.”

Roberta diz que, de início, encontrou um pouco de resistência. “Acho que os portugueses me achavam meio maluquinha. Mas depois que o trabalho começava a ser feito eles passavam a me respeitar. O que faço bem? Sei juntar peças.” O pai sabe como é: “Roberta tem uma personalidade muito forte, mas sabe colocar suas posições com um cativante sorriso, que desconcerta e facilita chegar a seus objetivos”, diz Roberto. “Tenho sorte de ter filhos que, apesar de se encontrarem em posição de destaque no meio social, nunca perderam a humildade.”

New Kids on the Block

Em Portugal – e não exatamente por causa do Rock in Rio Lisboa – Roberta é uma celebridade. Desde 2009 ela é uma das juradas (a jurada boazinha, diga-se) da versão do programa Ídolos na TV portuguesa. “Tenho fã-clube, pode?” Além de fãs atrás de autógrafos, Roberta agora carrega sempre um paparazzo na sua cola. Vira e mexe uma revista de fofoca arruma um namorado para ela. Já “namorou” o ator português Ricardo Pereira e até o craque Cristiano Ronaldo. Ela – que vive há um ano com o produtor português Ricardo Acto – ri: “A gente não pode conhecer ninguém, sempre tem gente especulando. Que garota nunca dormiu na casa de um cara para conhecê-lo melhor?”. Depois, boa moça, recua: “Mas nunca fui de namorar muito. Sou exigente. Namorei poucos. E bons”.

“A gente não pode conhecer ninguém, sempre tem gente especulando. Que garota nunca dormiu na casa de um cara para conhecê-lo melhor?”

Estar do outro lado da fama serviu, também, para que reforçasse a ideia de que todo mundo – todo mundo mesmo – é um pouco normal. Até mesmo o Axl Rose e a Shakira. “Eu uso sempre o truque de imaginar a pessoa com dor de barriga, indo ao banheiro, suando. Aí acaba essa história de celebridade, é todo mundo igual”, diz, enquanto cutuca as unhas roxas de sua mão. As lições de como tratar com os famosos começaram cedo. Em 1985, Roberta tinha 6 anos, muito gel no cabelo, e viu o primeiro Rock in Rio dos bastidores. Passou a maior parte do tempo dormindo, mas se lembra das botas do Ozzy Osbourne, da energia da Rita Lee e, principalmente, dos cabelos coloridos de Nina Hagen. “Durante boa parte da minha vida tive cabelos coloridos também. Azul, roxo, vermelho. Tudo começou ali.”

Se o festival de 1985 deixou poucas marcas, o de 1991, realizado no Maracanã, deixou menos ainda. Dali, Roberta se lembra de ter visto o show de Joe Cocker e o de Billy Idol. Amou os dois. Lembra também (e muito) de ter visto de pertinho os ídolos do New Kids on the Block – e se decepcionado completamente. “Eles viraram um parâmetro do que não dá certo. Não dá para fazer um show num palco enorme sem produção. Os meninos pareciam umas formiguinhas.”

Titãs e Katy Perry

Entre outras decepções, Roberta cita a apresentação de uma cambaleante Amy Winehouse em Madri, 2008 (“foi muuuiiito tenso”), e a de Miley Cyrus em Lisboa, 2010 (“o público era quase todo de adolescentes e ela resolveu lançar seu repertório de adulta naquela hora. Não rolou, né?...”). Entre os sonhos de consumo está Lady Gaga: “Eu não me meto na seleção, mas adoro música para dançar. Gosto de pop, de Rod Stewart a Metallica. Só não gosto de música mela cueca que faz chorar. Aí não. Quero ouvir música que me faz feliz”.

Estar feliz quase sempre significa estar em família. Roberta é a segunda filha de Roberto. Às vezes, ela o chama pelo nome e outras simplesmente de meu pai. Tem um irmão mais velho, Rodolfo (que também trabalha no Rock in Rio e é presidente da Artplan, agência de publicidade fundada pelo pai), e uma mais nova, Raissa, do segundo casamento do pai. A única vez em que pensou em largar tudo em Lisboa para voltar ao Brasil foi quando a avó ficou doente. “Fomos criados muito juntos, todos. Tive uma educação pé no chão. Era comum, por exemplo, sobrar pra mim a limpeza da piscina. A gente sempre soube o valor das coisas.”

As coisas a que dá valor podem ser, por exemplo, as calças da Diesel (R$ 700, no barato), a única marca a que é fiel. “Sou péssima compradora. Quando estou na frente de uma arara, pode ter certeza de que vou sempre pegar a peça errada. Por isso gosto de comprar as peças que escolhem para mim. Como este vestido aqui”, diz, apontando para um modelo preto com flores bordadas, da Colcci, herança de um episódio de Ídolos. “Mas não me pergunte quanto custou porque já me esqueci, tá bom?”

“Sou uma executiva. Não tenho a vaidade de ter tido a ideia, quero executá-la. Nisso eu sou boa”

Roberta – 1,60 de altura e investimentos de gente muito grande – não gosta muito de falar de seu dinheiro, mas tem intimidade com outros números. “O Rock in Rio vai gerar cerca de 4 mil empregos diretos e outros 7 mil indiretos. Serão 10 mil credenciados trabalhando lá dentro. E o evento vai injetar US$ 376 milhões na economia da cidade. Noventa por cento dos hotéis já estão ocupados.” No momento em que fala em números, Roberta se entusiasma. Parece que já vê as coisas acontecendo na sua frente. “As pessoas vão ficar impressionadíssimas com o que vai acontecer ”, diz, com sotaque mais carioca do que português.

Ver à frente talvez seja a maior das suas qualidades. Roberta gosta de contar que, em 2001, só teve noção exata do que tinha acontecido quando assistiu ao filme promocional, semanas depois. “Quando vi a multidão no show do Red Hot Chilli Pepers, numa tomada aérea, cheguei a enfiar as unhas no braço da cadeira. Era assustador.” Até os Paralamas do Sucesso, Titãs, Katy Perry e Elton John pisarem no palco principal do evento, dia 23 de setembro, Roberta vai continuar assim: atenta, pilhada e feliz. “Adoro isso. Sou uma executiva. Não tenho a vaidade de ter tido a ideia, quero executá-la. Nisso eu sou boa”, diz, batendo uma mão na palma da outra. “Comigo é pá e pum.”

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