Ela pode ser a próxima presidente dos Estados Unidos

por Milly Lacombe

Ao concorrer com Donald Trump, Hillary Clinton parece ser menos conservadora do que realmente é

Na terça-feira, 1 de março, Hillary Clinton deu passos largos rumo à indicação democrata para concorrer à presidência dos Estados Unidos. Ao vencer seu concorrente Bernie Sanders nas primárias realizadas em sete estados, ela praticamente garantiu a indicação, assim como o republicano Donald Trump. É real, portanto, imaginar que serão oito (longos) meses de debates Clinton x Trump até a eleição em 8 de novembro. E real também supor que um destrambelhado como Trump não vá vencê-la em nenhuma circunstância.

Mas, concorrer com Trump, considerado racista, é uma boa maneira de fazer com que Clinton pareça ser menos conservadora do que é; um cenário ideal para que as ideias da candidata não sejam entendidas pelo que realmente são: elitistas, quase machistas e altamente neo-liberais.

Não é por acaso que a geração conhecida como “millennial” tem rejeitado Clinton, especialmente as feministas. Hillary vem tentando ganhar o voto de mulheres dizendo basicamente “votem em mim porque sou mulher como vocês”, mas as jovens não compraram o blá; até porque Sanders tem um histórico de defesa à situação feminina muito mais sólido do que o dela.

O site truth-out lembra que, embora Hillary diga publicamente que a mulher vítima de abuso sexual deva vir a público, falar abertamente e ser levada a sério, quando Bill Clinton foi acusado de ter abusado sexualmente da enfermeira Juanita Broaddrick, Hillary teria tentado fazer com que Broaddrick não falasse a respeito ou o acusasse formalmente (anos depois Bill seria acusado do mesmo crime por duas outras mulheres, crimes que ele nega ter cometido).

Por isso, em 2008, em texto para a revista Slate, as jornalistas Melinda Henneberger e Dahlia Lithwick escreveram: “[Hillary] regularmente se identifica e protege e defende o oppressor na guerra dos sexos… ela invariavelmente enxerga [Bill] como a vítima, usado por uma série de mulheres agressoras”.

Mas talvez não seja apenas o questionável feminismo de Hillary seu maior tique conservador; o tradicionalismo da candidata mora em lugar mais perigoso e trágico, que é o apego a guerras e ao excepcionalismo americano.

No senado, seu histórico é o de votar “sim” para todas as guerras em que os Estados Unidos se meteram nos últimos anos. Em 2103, quando saiu do comando do Departamento de Estado, as guerras que ela apoiou tinham deixado países inteiros devastados, feito nascer grupos extremistas e uma multidão de pessoas tentando escapar de suas realidades e morrendo durante a tentativa.

Por fim, existe a enorme simpatia dela por Wall Street, o setor de mercado que causou a quebradeira de 2008 e levou milhões de americanos à miséria. Há algumas semanas, num debate com Hilary, Bernie Sanders disse: “Jovens são pegos com maconha e ficam com a ficha suja. Um executivo de Wall Street destroi a economia, paga uma grana para o Governo e fica limpo”. 

Clinton, que deu regulares palestras para executivos do banco de investimentos Goldman Sachs, recusa-se a tornar público o que foi dito a eles. Por três palestras ela embolsou quase 700 mil dólares (ou R$ 3 milhões), uma mínima parcela da enorme fortuna acumulada pela bilionária Hillary ao longo dos anos. É apenas justo e decente que o eleitor americano saiba exatamente o que disse Clinton a alguns dos banqueiros responsáveis pela recessão que ainda é sentida por lá. 

Sanders, que ainda disputa com Hillary uma vaga no partido democrata à presidência, mas que dificilmente ficará com ela, teria uma plataforma muito diferente.

Para dar em um exemplo apenas, Sanders tentou aprovar uma legislação que reservaria 5.5 bilhões de dólares para que estados e comunidades criassem oportunidades de trabalho para jovens negros. O site Truthdig lembra o que disse Sanders na época: “Em vez de militarizar a polícia devíamos começar a investir em empregos para americanos que desesperadamente precisam de um”. A ideia era encontrar esse dinheiro cortando gastos militares e subsídios a corporações. Com Hillary nada disso será feito, e podemos apostar em mais guerras, e mais polícias militarizadas e mais apoio a bancos e corporações em geral.

Claro que nada disso parece tão grave quando do outro lado da disputa está um racista com tiques fascistas como Trump, o adversário ideal para colocar Hillary Clinton em pele de cordeiro e mascarar seu conservadorismo bélico.

Créditos

Fotos: Marc Nozell / Flickr e Gage Skidmore / Reprodução

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