O Transgênero é o novo gay

por Milly Lacombe

A televisão tem ajudado os transgêneros a conquistarem espaço e reconhecimento social. Se até os anos 90 ser gay era extremamente chocante, hoje o que choca o conservadorismo é mudar de gênero

Quando eu entendi que era gay, aos 16 anos, olhei em volta e pensei: por que, meu Deus, só eu no mundo sou uma mulher que ama mulheres? Eu não conhecia outros gays e achava que tinha sido eleita por Deus para ser a única, o que faria de mim uma pessoa muito especial (ah, o ego) e ao mesmo tempo condenada à solidão eterna. 

Na época, 1982, não havia na TV uma mulher gay. Havia personagens masculinos afeminados que poderíamos supor serem gays, mas nada além disso e o assunto não era sequer trazido para perto da superfície. Se eu tivesse crescido vendo, pela tela da TV, que havia no mundo mais pessoas como eu, e que isso era normal, teria tido uma adolescência menos cruel.

Na década de 90 a televisão americana começou a romper a barreira. Primeiro veio Ellen DeGeneres em seu show Ellen, depois Will em Will and Grace, e a partir daí a coisa virou uma festa gay na TV.

Quando esses programas sairam do armário e entraram para a história o barulho dos conservadores foi enorme, o que é natural, sempre foi assim com todas as revoluções sociais porque os que representam o status-quo não cedem sem espernear a despeito de a história mostrar que todo o tipo de preconceito uma hora começa a cair.

A função social da TV é gigantesca para isso, aliás. Houvesse televisão farta e globalização durante os movimentos de libertação feminina e racial o trabalho dos revolucionários teria sido mais simples.

Mais recentemente a televisão tem ajudado os transgêneros a conquistarem espaço e reconhecimento social. 

Se até os anos 90 ser gay era extremamente chocante, hoje o que choca o conservadorismo é mudar de gênero.

“Para a caretice, a sexualidade humana é entendida se ela for simplesmente binária: homem fica com mulher e mulher fica com homem.”
Milly Lacombe

Saiu disso há aqueles que piram, a despeito do que os mova sexualmente dentro de quatro paredes. O importante é sair pelo mundo vestindo sua capa heterossexual, aquela que os normativa.

Por isso a liberdade de sexualidade e de gênero perturbam tanto: “a identidade sexual como verdade anatômica”, explicou a filósofa espanhola Beatriz Preciado, que nasceu com órgãos sexuais femininos, é transgênero mas prefere ser chamada no feminino, e para quem a homossexualidade e a heterossexualidade não existem: são apenas ficções políticas.

A respeito da função social da TV, uma recente pesquisa do GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) mostrou que, dos personagens transexuais da TV em 2014, nenhum deles fez o papel do vilão. E não são poucos os seriados que exibiram transgêneros de três anos para cá. Para citar alguns: Drop Dead Diva, Orphan Black, The Fosters, Glee, House of Lies, Transparent e Orange is The New Black, sem falar em realities como o Caitlyn Jenner.

No Brasil, o colunista Fernando Oliveira, do UOL, adiantou que a próxima novela de Gloria Perez na Globo (À Flor da Pele) vai ter um personagem transgênero no elenco. A boataria dá conta de que Thammy Miranda, que recentemente trocou o gênero feminino pelo masculino, está no elenco. Se for isso, e o papel de trans ficar com ele ou ele estiver no elenco masculino, é um grande acerto, e um acerto que acabaria compensando o erro na escolha de Bruno Gagliasso para viver um trans na versão internacional de “Supermax”. Se a TV quer ajudar a causa o papel deveria ser dado a um ator ou uma atriz transexual, como fizeram os seriados da Netflix Sense8 e OITNB. Dar o papel a Gagliasso é o equivalente a ter um ator branco com o corpo pintado de preto interpretando um negro.

Seja como for, com atores trans ou não vivendo um papel trans, podem esperar pela grita conservadora: é o barulho do progresso social. 

Para eles podemos responder com as palavras do subcomandante Marcos, que lutou pelos direitos indígenas no México durante a Revolução Zapatista na década de 90: “Pedimos desculpas pelo inconveniente, mas isso aqui é uma revolução”.

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