por Redação

”São vários monstros em cada música” - Rafael Castro lança novo álbum com download gratuito

Rafael Castro, 26 anos, cantor, compositor, multi-instrumentista, produtor e uma produção digna de uma banda com anos e anos de estrada. Com influências setentistas, letras debochadas e guitarras poderosas, produziu, gravou e distribuiu oito discos autorais gratuitamente na internet. Agora ele lança seu primeiro álbum em suporte físico, Lembra? - que já está disponível para download gratuito em seu site, com participações especiais de Maurício Pereira, Pélico e Tulipa Ruiz.

Em entrevista ao site da Trip em abril deste ano, ele explicou o porquê de lançar um trabalho em CD depois de tantos álbuns que ficaram apenas no virtual: "Tem um nicho do mercado, especialmente da crítica, que acaba exigindo que você tenha um CD físico. Acho que houve uma explosão tão grande do disco virtual que ficou complicado separar o joio do trigo. São muitos e muitos discos virtuais saindo todos os dias, saca? E parece que quem faz o disco físico hoje oficializa o lançamento. E a mídia em geral leva mais a sério quando tem um CDzinho."

A produção de oito discos em apenas seis anos surpreende, especialmente porque Rafael gravou sozinho todos eles. Ele conta como começou o gosto pela música:  "Juventude em Lençóis, nada pra fazer, aí a diversão maior era fazer um som e gravar. Antes eu nem banda tinha. São quatro plays só de zoeira, sem show e sem banda. Aí eu e meus amigos começamos a pegar gosto pelo som e decidimos montar uma banda pra tocar efetivamente. Começou a ficar mais sério. Por isso que deu até uma caída no volume de lançamentos. Não é mais aquele ritmo frenético. Agora temos que tocar, arrumar show e encarar uma burocracia." Mas mesmo já tendo a banda Os Monumentais (Filipe Franco na guitarra, Fabiano Boldo no baixo e Ítalo Ribeiro na bateria), que o acompanha nos shows que faz em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e diversas cidades do interior do Sul e Sudeste, o novo disco foi gravado da mesma maneira que os anteriores: questão de tradição.

 

"Quando você tem um trabalho muito variado entre humor e canções mais sérias, tudo isso acaba caindo no saco da brincadeira. Parece que não dá pra emocionar juntando as duas coisas"

 

Conhecido especialmente pelas letras engraçadas, sarcásticas, em seu novo trabalho teve o cuidado de dosar o humor para dar lugar a uma lírica mais sóbria, e fugir de um possível rótulo de artista engraçadinho: "Quando você tem um trabalho muito variado entre humor e canções mais sérias, tudo isso acaba caindo no saco da brincadeira. Parece que não dá pra emocionar juntando as duas coisas. O novo disco recupera um pouco o humor, mas a tendência é partir para uma parada mais séria. É perigoso continuar nessa e é uma coisa que eu não quero."

Sobre o novo disco, Lembra? , "É um disco que, pela primeira vez, ficou concentrado do lado monstruoso. São vários monstros em cada música [risos]. Ele é mais pesado liricamente. As letras vão para um lado mais de melancolia e questionamento individual. Vai ser um trabalho bem interessante para executar ao vivo. Eu imagino que ele seja de difícil digestão em um primeiro momento. É um pouco complicado e com temas mais escuros."

 

PUNK CAIPIRA

- por Nina Lemos, repórter especial da Tpm

“LEMBRA?” Lembro. Foi há um ano, No Studio SP. Rafael Castro fazia uma pequena participação em um show. Ao meu lado, o compositor Péricles Cavalcanti começou a ter um ataque: “Olha o Rafael, olha o Rafael, isso é rock and roll!”. Não sabia ainda o quanto rock and roll aquele cara com pose setentista podia ser. Mas é. Rafael Castro, o menino de 26 anos que lança seu oitavo (atenção, eu disse oitavo!) disco é um punk caipira.

Prova: esse é seu primeiro disco que você vai poder segurar na mão. Os outros foram lançados na internet. Esse é o seu primeiro álbum, huum, físico. Rafael reúne em Lembra? 14 canções de rock com letras de um cronista melancólico, que olha para o mundo e suas desgraças e ri com o canto da boca.

O cronista de Lençóis Paulista é um personagem contador de histórias. Ele vê, em seu passeio “A Menina Careca”. “A menina careca/na quimioterapia/ Desconfia da cura/ com quimioterapia”, um “Surdo Mudo”, “Eu fico olhando aquele surdo mudo/tentando descobrir o que se passa/em sua cabeça sem barulho”. O mesmo trovador punk passeia em um mundo cheio de informação, gente “descolada’, hype (don´t believe, porque Rafael não acredita) e continua sorrindo desconfiado. “Até ouvi um papo de moda/De algo que cê viu na televisão/Não sei se é roupa ou remédio/Devia ser importante pra dedéu./Eu só conseguia dizer: ah, é? Ah, tá...”.

Agora, deixe as letras de lado e LEMBRA, Rafael Castro gravou todos os instrumentos desse disco, que também foi produzido por ele, em um estúdio que mantém na casa dos pais em Lençóis Paulista. Sim, ele fez tudo, tudo, tudo. Cantou, escreveu, tocou, gravou. E também quebrou palcos e guitarras. “Eu agora tenho uma banda para fazer shows, não adianta, sempre quebro uma guitarra, e já quebrei palco também”, ele conta, com o jeito calmo do punk caipira. E quem arruma as guitarras? Quem? Ele mesmo.

Rafael faz tudo, como bom adepto da filosofia do “faça você mesmo”. Mas também sabe que os amigos são importantes. O disco tem participação de alguns dos principais nomes da cena paulista, como Tulipa Ruiz, Leo Cavalcanti, Pélico, Christian Camilo e Mauricio Pereira.

Mas não, Rafael não faz parte de nenhuma cena. Ele é o trovador punk caipira de Lençóis Paulista que compõe uma musica atrás da outra, para depois cantar com ironia fina. Rafael Castro é rock and roll.

O show de lançamento do álbum está marcado para o dia 4 de novembro, também de graça, no Itaú Cultural, em São Paulo.

Vai lá: www.rafaelcastro.com.br / Baixar os discos

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OUÇA AQUI TODAS AS FAIXAS DE LEMBRA? 

“Lembra?” faixa a faixa por Rafael Castro

1. Você sabe como é: O disco começa com aquele som de aplausos frenéticos, dando um clima de coisa popular e animada, fazendo uma brincadeira com o que vem a seguir: a história do personagem que encontra o seu antagonista, um pedinte. Escolhi essa canção para abrir o disco marcando uma posição contrária ao que tem rolado nos dias de hoje. Como a gente costuma brincar, “chega de alegria”.

2. Surdo-mudo: Fiz essa música há uns bons anos e ela tinha ficado esquecida lá atrás, mas depois de ouvir de novo durante a escolha do repertório desse disco, percebendo que a poesia pudesse falar pra toda a sociedade na sua surdez e mudez, ela ficou muito maior e necessária.
Muito me interessa a metáfora entre a deficiência e nós, que ficamos cada vez mais inaptos a nos sensibilizar, agredir, incomodar, reclamar e, por que não, ouvir.

3. Talvez: É a canção pop romântica no disco, que assim como em todos os outros álbuns, reserva um espaço para uma ilha de amor. Fizemos (a jornalista Bibi Monteiro e eu) essa canção que soa suave dentro do disco, falando dessa coisa toda de insegurança. Ficar suspenso no ar e não acontecer nem o sim, nem o não, como se a própria música ainda estivesse tentando conquistar o personagem através dos galanteios, dos sussurros e tudo mais.

4. Haiti (participação especial: Christian Camilo): Quando tremeu o chão lá no Haiti e as televisões ficavam explorando a miséria da situação eu estava num exercício de não me abalar com coisa nenhuma, que foi violado. Esse desconforto de se sentir abalado e precisar comentar com alguém que eu me abalei era curioso. Ficava pensando que era um assunto besta no fim das contas porque eu ia dizer que “era foda” e o coleguinha diria “é foda”. Desastre natural é uma coisa sem cabimento mesmo.

5. Pra vender mais, agradar mais, se falar mais: Acompanhando a evolução da técnica e do conteúdo do cinema pornográfico, vemos que o pessoal anda cada vez mais agressivo em toda a cadeia, da produção ao consumo. Com essa coisa do Full HD a gente pode constatar além de um grande zoom no fetichismo e na própria anatomia dos atores, um zoom na perversão do expectador. Os americanos são uns loucos e sabem ganhar dinheiro com esse impulso aí da violência que a gente precisa ficar descarregando. Daí veio a idéia central dessa questão em que um lado puxa o outro. A galera sempre quer ver algo mais e eles sempre têm algo além pra vender.

6. Os meus doces são meus doces: Ganhou o doce e foi comer sozinho. Desse princípio básico da sobrevivência carregado pra sociedade e reforçado pelo capitalismo até hoje, temos esse breve pensamento cantado com a agonia dos milênios.

7. Marítima (Participação especial: Pélico): A ideia era fazer uma brincadeira com aquela caretice da família Caymmi ou coisa assim. No meio do caminho parecia que eu falava sobre a instituição da revolução do proletariado dando um kick no establishment, mas no fim das contas deve ser só uma canção sobre amor-próprio usando a analogia dessa coisa portuária.

8. Ah, é? Ah, tá.: Aquele toque de niilismo e fobia social que todo mundo tem, somado a canseira dos papinhos classe média clichês, ou até mesmo qualquer papinho desses sobre si mesmo que ninguém se interessa vieram parar nessa canção. Daí o eu-lírico sugere o “rock and roll” como solução prática e preguiçosa. Aquelas conversas de quem não tá a fim de nada com quem quer coisa nenhuma.

9. Let me Enjoy Myself (participação especial: Tulipa Ruiz): Em casal, sempre se discute a instituição do casal. É claro que é sempre um que se coloca na missão de chamar a atenção para a relação e o outro que acaba se colocando na missão fazer-se de durão, não dar o braço a torcer, fingir que não ouviu, simplesmente não ouvir, etc. Uma canção para casais que precisariam de espaço.


10. Lembra?: Uma vez eu vi aquele VJ Rafa da MTV e me perguntei “Será que alguém lembra desse cara?”. Daí eu imaginei o dia a dia de ex-estrelas do showbussines encontrando pessoas que, no trato, ficam se perguntando “quem é mesmo esse cara?” e a celebridade esquecida vive numa constante missão de reconhecimento alheio, sem saber se aquela pessoa que o está encarando o achou interessante, atraente, ou só está tentando lembrar-se quem raios é aquela figura. Dada toda a tristeza que cerca esse tipo de cotidiano, vem a faixa título do CD, saudando melancolicamente o limbo da fama.

11. Lixo: Todas as mamães têm que dar um parecer aos filhos quando estes começam a querer entender tudo e deparam com a realidade dos moradores de rua “lixófagos”, esses verdadeiros heróis da sobrevivência e da marginalização. É claro que numa manobra de evitar o terror psicológico, todas as mamães acabam dizendo que é normal, que tem muita gente nessa situação, que a vida é dura e que o filho tem que estudar muito pra não virar um comedor de lixo ou algo desse tipo. Pra essa, que deve ser uma das piores das histórias que se conta a uma criança, fiz essa valsinha meio canção de ninar, como um “Bicho Papão” dos tempos modernos.

12. Ruim: Sobre uma simples e repentina constatação de que não se ama mais. Toda a dor e todo o alívio que isso traz vai pra dentro da canção que aparece com uma estética perturbadora e depois afrouxa, como toda a dor de amor que passa.

13. A Menina Careca (participação especial: Leo Cavalcanti): Aconteceu que o pai de um amigo meu estava morrendo de câncer no pâncreas e as chances de remissão eram mínimas. Esse amigo foi atrás de curas alternativas e encontrou um doutor que tinha feito diversas experiências com a fosfoetanolamina, mas em determinada parte da pesquisa foi ameaçado de morte pela indústria farmacêutica e saiu fugido pra Bahia. Com essa história entalada na garganta, escrevi sobre a situação da pessoa com câncer, acuada pela vida e explorada financeiramente, emocionalmente, marketeiramente e vários “ente” por diversos setores da nossa sociedade maluca.

14. Informação (participação especial: Maurício Pereira): Da terrível ideia de não saber onde está a verdade dentro de uma imprensa cada vez mais cúmplice do lucro vem essa canção de violão caipira, apresentando o clima bucólico do personagem matuto do interior do Brasil que canta com lamento a constatação de que a verdade não está mais em lugar nenhum. Como se sabe, o pessoal acredita muito em jornal, questiona pouco, então imagina como deve ser difícil perder a fé em um negócio desses, né.

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