Para lá do Beleléu

por Diogo Rodriguez

Revista independente do Rio de Janeiro se inspira no humor dos quadrinhos dos anos oitenta


Um gato chega no bar e pede Whiskas. Com medo do “efeito borboleta”, um inseto alado prefere andar a pé. Tendo epifanias durante o expediente, um funcionário é repreendido pelo patrão. Contadas assim, nenhuma das piadas da edição número um da revista carioca Beleléu têm muita graça. Mas acredite, os quatro quadrinistas fluminenses – na verdade, um deles é de Brasília – são muito engraçados.

Com um humor inocente e às vezes um tanto melancólico, Tiago Lacerda (que assina Elcerdo), Daniel Lafayette, Estevão e Eduardo Arruda se inspiram em artistas brasileiros como Allan Sieber, Laerte e Angeli e estrangeiros no naipe de Robert Crumb. Eles se conheceram pela internet e recentemente lançaram o primeiro número da revista. Elcerdo se fez de porta-voz da turma e conversou com a Trip (com algumas intervenções de Arruda) a respeito do surgimento da revista, do mercado de quadrinhos independentes e qual consideram ser a melhor geração dos quadrinhos nacionais.

A revista é muito bem-feita,  com papel de qualidade. Quem bancou o primeiro número?
Nosso projeto era tentar publicar a revista por uma editora. Montamos num prazo muito curto, diria uns cinco meses. E a qualidade do material era o que buscávamos, queríamos uma aproximação com os livros.
Sabíamos que se conseguíssemos uma editora teríamos que fazer algumas modificações. Surgiriam problemas com o formato, por ser toda colorida, e outras picuinhas. Seria um projeto muito caro e de desconhecidos, para poderem investir. E nossa meta era levar a revista para o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) em Belo Horizonte, que foi em outubro. Então a ideia de editoras foi descartada e vimos que o custo de produção seria viável, então resolvemos bancar do nosso próprio bolso.

Como surgiu a revista? De onde se conhecem?
Eu conheci o Estevão logo que ele chegou no Rio. Ele ficou uma semana na minha casa, abrigado. Já nos conhecíamos pela internet, participávamos da revista Samba. Nesta semana, começamos a matutar a idéia de um projeto nosso. Já estava com vontade de unir uns amigos aqui no Rio, para montar um trabalho.
Conhecendo melhor o Estevão, percebi que ele e o Arruda (amigo de um bom tempo, fizemos umas aulas de modelo vivo juntos), eram muito parecidos, e algo poderia sair disto. Por coincidência o Estevão se mudou para a mesma rua do Arruda, e beberam umas juntos. E numa mesa de bar, o projeto estava se iniciando. O Lafa encontramos perdido num bar da Glória [risos]. Brincadeira! O Lafa é um puta cartunista, suas tiras são profissionais. Já tem trabalho para publicar mais de um livro. Suas tiras deveriam estar sendo publicadas na Folha, juntas com Allan Sieber, Laerte, [Caco] Galhardo, Angeli e o Adão [Iturrusgarai]. Ele não poderia ficar de fora deste projeto. Já o conhecia a um bom tempo também. Primeiro pela internet, rolou aquela admiração mútua de nossos trabalhos. E acabamos nos conhecendo ao vivo em um evento na Lacucaracha (um point de eventos relacionado aos quadrinhos e artes). Eram as pessoas da minha geração de quem eu mais curtia o trabalho, e juntos poderíamos construir algo interessante. Tudo aconteceu bem rápido, de repente, já estavamos nos reunindo em bares e falando sobre nossa revista. Os outros três não se conheciam, e um bar era a melhor forma disto acontecer. E o que mais me agrada neste projeto, é a revista dos ser de todos, um projeto bem integrado, histórias em parcerias. Um verdadeiro trabalho em grupo.


Qual é a periodicidade dela? E a tiragem? Já há previsão de quando devem sair os próximos números?

A idéia do projeto era montar esta revista, não pensávamos em continuidade. O próximo seria um outro projeto. Mas nos apegamos à Beleléu, tivemos um retorno muito bom. Só boas críticas. Muitos amigos nos disseram que não poderíamos matar este projeto, e que teríamos que fazer um número dois. E sim, teremos um segundo. Não pensamos em periodicidade. É difícil ficar preso a só um projeto. Já estamos com outras idéias, para outros livros. Não temos datas certas, mas se conseguirmos num ritmo como foi a primeira, acredito que perto de junho teremos algo novo. Mas antes teremos um outro projeto disponível.
A tiragem foi de mil exemplares.

Qual é formação de vocês? O que vocês fazem além da revista?
Eu sou formado em design e trabalho na produtora de desenhos animados Toscographics, com o cartunista Allan Sieber, além de fazer freelas como ilustrador. O Daniel Lafayette é cartunista, já publicou suas tiras no Jornal do Brasil. Estevão é formado em design, é Músico e está estudando cinema. Eduardo Arruda estudou publicidade e faz freelas como ilustrador.

São todos do Rio de Janeiro?
Eu sou do interior do Rio, Volta Redonda, mas moro aqui desde 1999. Estevão é de Brasília e se mudou para o Rio em fevereiro. Arruda e Lafayette são do Rio mesmo.

Quais as influências (de quadrinhos ou de outras áreas) de vocês?
Os quadrinhos europeus sempre foram minhas influências. Gosto muito dos fumettis (quadrinhos italianos) e atualmente os quadrinhos franceses. A cada dia descubro novos artistas por lá. Tenho uma área em minha estante reservada aos quadrinhos franceses. Tenho que citar também o [David] Mazzucchelli. O Allan [Sieber] me deu duas revistas dele, a Rubber Blanket. E foi nesta revista que li uma das histórias mais incríveis, "Big Man". No cinema, a ficção-científica e filmes de terror. Séries como Amazing Stories e Twilight Zone. E é claro, na pintura. Lucian Freud, Andrew Wyeth e Kent Williams (que caminha pelos quadrinhos também). Os 10 artistas mais influentes atualmente são Laerte, Miguelanxo Prado, Christophe Blain, David Mazzucchelli, Nicholas Gurewitch, Kent Willians, Andrew Wyeth, Lucian Freud, Satoshi Kon (diretor do excelente Paprika) e Ray Harryhausen
 
Arruda - No Brasil, Millôr, Ziraldo, Laerte, Angeli são minhas maiores referências.
Os quadrinhistas estrangeiros que tenho lido mais são Chrisophe Blain, Joann Sfar, David Mazzucchelli, Mattotti, Chris Ware. Dos mais antigos, gosto de [Robert] Crumb, Moebius, Will Eisner. Também acho as tiras do Bill Watterson e Schultz geniais. Na pintura: George Grosz, Edward Hopper, Lucien Freud, Andrew Wyeth, Egon Schiele, Gauguin, Van Gogh, Matisse.

Conhecem e gostam de outras revistas independentes?
Sim, e a qualidade vem aumentando. Acredito que os independentes vão crescer muito.  É grande a possibilidade de acontecer com as editoras o que aconteceu com as gravadoras. Lá fora, grandes autores estão assinando acordos diretamente com distribuidores e passando por cima de editoras tradicionais.
Cito algumas, que tiveram algum destaque, como a Samba, na qual colaborei e hoje se tornou um selo de independentes. A Bongole Bongoro do Estevão é muito boa, e a Tarja Preta, Prego e a Quase, que já estão circulando há mais tempo e já passaram da segunda edição.

Muitas revistas têm sido lançadas. Vocês acham que está se abrindo um mercado para quadrinhos nacionais?
Sim, no mercado americano os brasileiros já são muito bem vistos. Brasileiros estão conquistando importantes prêmios. Mas confesso que o mercado que mais me agrada é o Europeu. Me identifico mais com o que é produzido lá. Os quadrinhos nacionais cresceram muito com estas adaptações literárias. Muito lixo foi produzido, mas algumas portas foram abertas e os quadrinhos ganharam uma maior visibilidade. Alguns preconceitos foram deixados, e o público esta aumentando. Muitas editoras surgiram e a variedade de temas no mercado ajudou a aumentar este público. Fugimos um pouco dos super-heróis.

A Beleléu é calcada principalmente no humor. Algum quadrinista em especial serve de referência?
Eu diria que nestas 80 páginas, destilamos um humor fino, sutil e regado a melancolia.
Laerte, Angeli, Crumb, são referências clássicas. Difícil alguém não ter alguma. Acredito que seja dos quatro.  Cito também  Allan Sieber, com quem trabalho, e um puta cartunista, com uma produção monstruosa. E Rafael Sica e Fabio Zimbres. Tem também o Nicholas Gurewitch, do site The Perry Bible Fellowship (um humor bem diferente). E a dupla Mikael Wulff and Anders Morgenthaler do site Wulffmorgenthaler.com. Estes no humor, mas os quadrinistas francese são os que mais me influenciam em narrativa e desenho. Parece que estão a séculos em nossa frente.

O Arruda faz um humor no estilo do que o Laerte anda fazendo, misturando humor com uma certa "poesia". Ele foi influenciado pelo Laerte? Se não, por quem?

Arruda: Sim, acho Laerte um gênio.  As influências são muitas, nem sempre óbvias, e não só de quadrinhos.  Gosto muito de literatura,  então além dos artistas citados anteriormente, alguns escritores como [Carlos] Drummond [de Andrade], ou [Franz] Kafka, de alguma forma influenciam as minhas histórias.

Na opinião de vocês, qual época teve a melhor safra de quadrinhos brasileiros da história?
A Chiclete com Banana e a Animal são revistas históricas. O que de melhor foi produzido.

As tiras publicadas no blog estarão nas próximas edições da Beleléu ou são exclusivas para a internet?
Para  a próxima edição, teremos um material novo. Acredito que um tema diferente também. O que esta no blog é exclusivo. Queremos manter um ritmo legal, sempre com novidades. Para aqueles que gostarem da revista não precisarem esperar meses para ver nossos trabalhos. É bom dizer aqui também, que os 4 integrantes possuem blogs próprios. E estão sempre atualizando com trabalhos diferentes da revista.

 

Vai lá: http://revistabeleleu.wordpress.com/

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