Leandra Leal: ''Adoro ser brasileira''

por Micheline Alves
Trip #241

Protagonista de novela, atriz de filme cabeça, produtora cultural, cineasta, ex-bicho grilo, gata malhada, militante política, carnavalesca incansável: nas próximas páginas, todas as personas dessa atriz

Era fim de setembro de 1982 e a atriz Angela Leal estreava no teatro Rival, na Cinelândia, no Rio, com o espetáculo Evita-me que assim não dá (título que brincava com o musical Evita, um dos grandes sucessos em cartaz na época). Autora do texto em parceria com Wilson Cunha, Angela acumulava a função de atriz principal – a amiga Tamara Taxman, originalmente escalada para o papel, estava doente e temporariamente fora de combate. No programa da peça, impresso em preto e branco, os espectadores viam uma foto da atriz-autora com um bebê recém-nascido no colo e o texto que dizia: “Evita-me foi criada junto com o meu mais feliz projeto: Leandra”.

A bebê Leandra – que aguardava as mamadas na coxia e depois ia para o palco receber os aplausos com a mãe – surgiria oito anos depois na televisão como filha de Juma Marruá, a mulher-onça eternizada por Cristiana Oliveira em Pantanal (novela da extinta TV Manchete que abalou a hegemonia da Globo, como poucas vezes aconteceu na TV brasileira). A aparição foi rápida, no último capítulo, mas configura a estreia em rede nacional de uma atriz que literalmente nasceu na (e para a) ribalta.

Leandra Leal hoje tem 32 anos de idade e um currículo de atriz madura: na Globo, onde estreou há 20 anos com Explode coração, de Gloria Perez, são quase 30 trabalhos, entre novelas, minisséries, seriados e especiais; no cinema, outras 20 produções – da menina de A ostra e o vento, de Walter Lima Jr. (sua estreia, aos 13 anos, com direito a troféu da APCA de atriz revelação), à amante desequilibrada de O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra, pelo qual foi eleita no ano passado melhor atriz no Festival do Rio e no Prêmio Fenix, no México. No teatro, peças como atriz, além de projetos como produtora e agitadora cultural do próprio Rival. O teatro em que apareceu ainda bebê foi de seu avô, Américo Leal, e ainda hoje é tocado pela mãe, Angela.

Para 2015 está prometida a estreia como cineasta. Agora que terminou Império – a novela das 9, em que viveu a protagonista Cristina –, Leandra sai de férias por um mês e meio e então pretende se dedicar 100% à finalização de Divinas divas, documentário que produz e dirige sobre a primeira ge­ração de transformistas do Brasil – figu­ras como Rogéria, Jane Di Castro e Cami­­lle K, entre outras. “Porra, a vida delas merece um registro! Independentemente da questão de gênero, são artistas que estão há 50 anos no palco.”

Política, Carnaval e Twitter

Cigarro na mão, bloco de textos no colo, a atriz recebeu a Trip poucos dias antes do Carnaval no apartamento do Jardim Botânico que divide com o marido, o produtor cultural (e nosso colunista) Alê Youssef, e três bichos de estimação: o border collie Carlos Alberto, a shih-tzu Alice e a gata Emilia. Leandra e Youssef estão juntos há cinco anos (antes dele, ela foi casada por sete anos com o cantor pernambucano Lirinha, do extinto Cordel do Fogo Encantado) e compartilham paixões como a cultura, a política e o Carnaval.

Neste ano, mesmo com a apertada agenda de gravações da novela e o calhamaço de textos para decorar, ela não abriu mão de estar na folia: saiu no Acadêmicos do Baixo Augusta, bloco em São Paulo que tem o marido entre os fundadores; no Cordão do Bola Preta, que arrasta 2 milhões de pessoas no centro do Rio (e do qual é porta-estandarte); no Cacique de Ramos, também no Rio; e ainda desfilou na Marquês de Sapucaí, na Portela e no Salgueiro. “Sou mangueirense, mas a verdade é que amo todas as escolas de samba.”

Engajada politicamente (fundou o grêmio da escola em que estudava, foi às ruas em junho de 2013, faz campanha em eleições), votou em Marina Silva para presidente no primeiro turno de 2014 e em Dilma Rousseff no segundo. Lamenta a crise política em que o país está mergulhado, execra o atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha – mas, ainda assim, não desiste do Brasil. "Isso de 'ah, vou embora, isso aqui não dá' é uma viagem! Não nasci aqui por acaso, adoro ser brasileira."

Fã de redes sociais, tem perfil no Twitter e no Instagram, além de uma página oficial no Facebook, e diariamente dá aos seguidores amostras do que está pensando e vivendo. "Assistir ao juramento do Collor tomando posse no Senado me dá nojo"; "Apenas cinco mulheres eleitas para o Senado, entre elas nossa ministra Katia Abreu Motosserra de ouro"; "#portela 

É como diz a própria em outro tuíte: “Gravações, família, amigos, meus bichos... Eu gosto dessa agitação, dessa correria. Essa é a vida que eu sempre quis”.

Trip. Estamos fazendo esta entrevista numa brecha de gravações da novela. Você gosta dessa coisa de a vida estar totalmente ocupada por uma personagem?

Leandra Leal. Eu gosto muito de novela, gosto muito do fato de ser uma obra aberta. Isso desperta um nível de atenção o tempo inteiro, é sempre surpreendente. Depois de um tempo de novela, você tem um domínio do seu personagem, de como ele reagiria em certa situação, isso é muito legal. Agora, é difícil a coisa de a rotina nunca se estabelecer. Você fica sempre esperando o roteiro. E aí, cara, não pode sofrer. Nem adianta marcar compromisso na sexta à noite, tem meio que relaxar durante oito, nove meses. Mas também eu sou jovem, não tenho filho... deve ser mais difícil quando a vida tem outras complexidades.

Mas tem escapadas? No Carnaval você conseguiu estar onde queria: nos blocos, na Sapucaí. Cara, você abre essas brechas, né? Você pode dar prioridade a certas coisas, buscar equilíbrio. Eu amo Carnaval. Mas este é mesmo um período em que tenho visto pouquíssimo meus amigos, meus afilhados, o convívio familiar é menor. E tem um cansaço enorme, uma demanda de estudar texto, decorar, administrar o tempo. No domingo, quando tem folga, fico em casa vendo série.

O que você está vendo agora? Acabei de ver a última temporada de Ru Paul [reality show apresentado pela famosa drag queen americana]. Gosto de Girls, vou vendo coisas aleatórias. No momento não tem nenhuma série minha, me prendendo. Tô esperando a nova temporada de Game of Thrones, que eu amo.

"Sempre tive casa cheia; na casa da minha mãe, sempre tinha amigo que vinha pra ficar 15 dias e ficava um ano. Sou filha única, mas tenho uma família do coração que é grande"

Como você decide quando fazer uma novela? Interessa a personagem, o grupo envolvido? Ou existe uma obrigação com a Globo, de topar? Cara, eu tenho uma relação muito saudável com a Globo. Pô, trabalho desde os 12 anos... são 20 anos de Globo. Nessa novela, especificamente, eu nunca tinha trabalhado com o Papinha [o diretor Rogerio Gomes], no núcleo dele. Mas é a terceira novela do Aguinaldo [Silva] que eu faço, sendo Senhora do destino uma das coisas mais marcantes que fiz na vida... junto com Cheias de charme, com A muralha. Foi um convite do Aguinaldo supercarinhoso. Eu vinha trabalhando havia muito tempo no núcleo da Denise Sarraceni, que é praticamente minha família. Achei legal trabalhar com uma equipe diferente. E achei a história bacana, interessante, a coisa do Comendador, bem anti-herói. É raro ter uma novela com personagem masculino tão forte.

Você nasceu numa família de artistas. Em algum momento cogitou ser outra coisa na vida? Nunca tive dúvida. Até tive vontade de fazer faculdade de outras coisas, mas como estudo, não como profissão. Desde criança sou atriz, é algo em que me sinto muito bem. Sou uma pessoa melhor quando estou trabalhando. Meu trabalho não é só para sobrevivência, é uma fonte de prazer mesmo, de completude. Claro que na adolescência tive momentos de querer viver outras coisas, de não querer trabalhar tanto, ter pausas. Mas depois abri frentes na minha vida, não só como atriz, mas como produtora. Talvez se não fosse atriz eu seria isso, produtora.

Como era essa família de origem? Em que bairro você nasceu? Eu morava na Lagoa, em Copacabana. Na rua Gastão Baiana. Nasci na Beneficência Portuguesa. Meu pai era advogado do Banco do Brasil, já faleceu. Meu avô materno, Américo, era produtor teatral, dono do [teatro] Rival. Minha avó era dona de casa e costurava, mas também era uma pessoa superfestiva, animada, carnavalesca. Sempre tive casa cheia; na casa da minha mãe, sempre tinha alguém morando, algum amigo que vinha pra ficar 15 dias e ficava um ano. Sou filha única, mas tenho uma família do coração que é grande.

Há quanto tempo seu pai morreu? Há 20 anos.

Seus pais foram casados até ele morrer? Não, eram separados.

Do que ele morreu? Cara, um erro médico. Ele teve um problema no coração e não foi socorrido da maneira certa.

Quais são as lembranças desse momento, perder o pai aos 12 anos? Eu fui apresentada à morte muito cedo. Tem gente que demora muito tempo até perder alguém. Mas antes do meu pai eu já tinha perdido o [ator] Tony Ferreira, que foi uma pessoa muito importante na minha vida, dividiu apartamento com a minha mãe muito tempo, e morreu de aids. Vários amigos da minha mãe morreram de aids. Depois foi o meu avô, uma figura masculina superimportante. Aí teve minha avó, meu padrinho, meu pai. Várias pessoas morreram no intervalo de poucos anos, entre os meus 10 e 14. Acabei lidando com a morte muito cedo e isso é algo que foi doloroso, mas ao mesmo tempo contribuiu muito pra minha visão de vida. Amadureci bastante.

Como você era quando criança? Mais introspectiva ou pra fora? Introspectiva. Meu pai me colocou num curso de teatro, aos 8 anos, por causa disso. Eu era muito à vontade quando estava num ambiente seguro, mas, se fosse para qualquer lugar onde eu não conhecesse as pessoas, já ficava superquieta.

O primeiro trabalho, a aparição profissional de verdade, foi quando? Quando eu tinha 20 dias, minha mãe substituiu a minha madrinha, que estava doente, num espetáculo lá no Rival. Isso era anos 80! Hoje iriam processar a minha mãe, mas a verdade é que todo dia ela me levava, porque estava amamentando. E eu entrava em cena, todo dia.

Ela trabalhou 20 dias depois de parir? Ah, isso era anos 80! Acho que a vida era bem mais fácil. Eu vejo hoje em dia minhas amigas tendo filho, tudo tão complexo, e falo: “Gente, a vida era mais fácil”.

Por que mais fácil? Tem umas questões práticas mesmo, como o trânsito. Era mais fácil a pessoa deixar a criança no colégio, ir pro trabalho, não sei quê. E tinha segurança também, as crianças iam sozinhas pro colégio, pro curso, muito cedo.

Sua infância teve muito dessa situação, estar no teatro com sua mãe? Várias vezes. Não só no teatro. Entreguei muito bilhete em Ana Raio & Zé Trovão [em 1991], fiz o último capítulo de Pantanal [1990]. Sempre estava em estúdio.

Em Pantanal você fez o quê? Eu era a fllha da Juma [a protagonista, vivida por Cristiana Oliveira].

Você diria que teve uma infância feliz? Ah, foi ótima, superlúdica. Eu morava numa rua incrível, a Gastão Baiana, que tinha vários prédios com muita criança, muita gente. E tinha Paquetá. Minha avó morava em Paquetá, onde eu passei vários fins de semana, férias. E era um lugar assim... de sonho. Todo mundo de bicicleta, sem carro, criança à beça, brincadeira de rua, matinê no clube. Eu tenho até medo de ir lá hoje, porque Paquetá está num lugar tão ideal na minha memória. Faz tempo que eu não vou. Se bem que tem um bloquinho muito bom, e a festa junina também. Tem muita festa de rua.

"Quando fiz A ostra e o vento, com 13 anos, foi a primeira vez que pensei 'caralho, é isso que eu quero fazer pro resto da minha vida'"

E praia? Você é garota de praia? Gosto muito, meu pai morava no Arpoador. Tive muito essa infância livre, na rua.
Onde você estudou? Era boa aluna? Na Escola Parque. Eu era boa aluna. Foi tudo tranquilo, até chegar o segundo grau, a coisa do vestibular. Porque eu não tinha essa noia... Eu fiz, passei em sociologia na UFRJ, mas não cursei. Depois fiz pra dança na [faculdade] Angel Viana. Fiz dois anos e parei, porque mudei pra São Paulo. Lá, fiz artes do corpo, dois anos também.

Quanto tempo você viveu em São Paulo? Seis anos. Dos 21 aos 27. Eu fazia faculdade porque gostava, pra abrir horizonte, conhecer coisas. Diploma não era essencial pra eu exercer minha profissão. Muitas vezes tive que trancar porque ia fazer um filme e ficava, sei lá, dois meses fora.

Sua infância e adolescência foram de certa forma roubadas pelo trabalho? Cara, não tive isso. Confissões de adolescente [seriado da TV Cultura] eu fiz com 10 anos, mas foi uma coisa nas férias. Minha primeira novela foi com 12 anos, que já é pré-adolescência. Então, na infância mesmo, apesar de conviver muito com o trabalho da minha mãe, foi tudo muito lúdico. Tinha sempre um maquiador que me arrumava, era diversão. Minhas amigas de infância têm muitas memórias do Rival, de ser um lugar mágico, em que a gente pegava os figurinos antigos, brincava de fazer shows.

Você tem muitos amigos de infância até hoje? Tenho.

Atrizes, atores? Não... são outras amigas. Mas a Camila [Pitanga] é amiga de infância. E tem a Georgiana Goes, que é praticamente minha irmã. Ela e a irmã dela, Micaela [Goes, hoje apresentadora do programa Santa ajuda, no GNT]. Os pais delas eram amigos da minha mãe, então somos amigas desde sempre. Aí tem as amigas que conheci na adolescência, Taís Araújo, Mariana Ximenes... não vou listar, com certeza vou esquecer alguém.

Você é de muitos amigos? Anda em bando? Eu ando em bando, mas sou filha única. Filho único necessita de solidão. Quer dizer, comigo rola isso. Por exemplo, eu gosto de viajar sozinha. Amo. Amo cruzar a área de embarque com meu passaporte, sozinha. Já fui pra Europa sozinha, pros Estados Unidos... no ano passado, fui pro México sozinha.

Em que momento você teve consciência de que era atriz de verdade? Quando fiz A ostra e o vento [filme de Walter Lima Junior, lançado em 1997], com 13 anos. Foi a primeira vez que pensei 'caralho, é isso que eu quero fazer pro resto da minha vida'.

É um filme denso. Olhando hoje, não parece coisa demais para uma menina? Cara, com 13 anos eu já tinha perdido meu pai, meu avô, já tava na vida. Eu já tava podendo. E ao mesmo tempo o Walter Lima é um mestre. Um grande diretor e um professor incrível. Foi muita sorte na vida o meu primeiro filme ter sido esse. E ainda tinha [o ator] Fernando Torres! Cara, set de filmagem é um dos lugares mais maneiros que existem no mundo. Seja no interior, no sertão, em qualquer lugar; quando chega o circo, o lugar se transforma.

Como você lida com o fato de ser conhecida? Você já se deslumbrou com a celebridade? Não. Na minha adolescência, ao contrário: isso era uma coisa que eu não gostava. Depois aprendi a lidar, mas na adolescência euachava muito ruim. Eu dava até uma negada, era mais punk, não queria isso. Mas é uma característica da profissão. Você só precisa aprender qual é o seu limite, até onde você pode se expor.

Mas e o que acontece à sua revelia, como ser fotografada na rua? Já brigou com paparazzo? Não... acho que não vou muito nos lugares em que rola isso. Às vezes é incômodo, você está numa situação íntima, sei lá, com criança... fico mais incomodada por quem está comigo do que por mim mesma. Porque aí é uma exposição de todo mundo, é desrespeitoso com quem não tem nada a ver com esse mundo. Tem situações que são chatas. Mas é um lugar que você ocupa, não tem muito como lutar contra.

Sua mãe sempre gostou da ideia de você virar atriz? Nunca rolou um medo, por ser uma profissão instável? Ah, sim, total. Muito. Até porque vivi muitos altos e baixos dela, dos amigos dela. Eu não me iludo com o sucesso na minha profissão. Já vi muita gente fazendo muito sucesso e dois anos depois não ter trabalho, não ter nada. Minha mãe teve muito medo disso, teve medo também quando eu me mudei pra São Paulo. “Pô, São Paulo? A Globo tá aqui no Rio, sua família, seu esquema de trabalho.” Mas aí foi. Quando fui fazer Nome próprio [filme de Murilo Salles, de 2007]... sabe aquele filme Lucia e o sexo? Levei ela pra assistir a esse filme lá em casa e falei: “Vou fazer um filme tipo esse”. E ela: “O quê?” [risos]. Eu falei: “Sim, vai ser assim”.

Você estava com que idade?Uns 24.

"Eu acho linda a imagem do corpo humano. Quando é uma coisa que faz parte da cena, e você confia no diretor, no fotógrafo, eu acho tranquilo ficar nua"

Como você foi parar nesse filme? Você que foi atrás? O Murilo chamou algumas pessoas para fazer testes. Eu conhecia já os textos da Clara [Averbuck, autora de Máquina de pinball, no qual o filme é inspirado], já conhecia ela da internet. A internet é algo que entrou na minha vida muito cedo. Sempre fui muito tecnológica, fui uma das primeiras pessoas que eu conheço que tiveram Mac, sabe? Quando vou na B&H [loja de eletrônicos em Nova York], adoro... o cara fala: “Você tem número de cliente antigo! Você nem tem idade pra ter isso”. Eu comprava câmera, fiz curso de Final Cut. Curto a coisa técnica.

Mas voltando ao filme... Eu já conhecia os textos da Clara e aí cheguei pra fazer o teste com sangue nos olhos. O Murilo não queria uma atriz conhecida, mas eu queria muito fazer. E aí rolou. É um filme superintenso, que eu queria viver.

Tem muita nudez. Isso foi tranquilo? A nudez não é a questão central do filme. E mesmo assim não é uma nudez gatinha, é ali a personagem vivendo 24 horas por dia. Tudo é uma questão de contar história. Eu acho linda a imagem do corpo humano, acho lindos trabalhos assim. Quando é uma coisa que faz parte da cena, e você confia no diretor, no fotógrafo, acho tranquilo ficar nua.

E ensaio sensual, você tirando a roupa? Eu acho mais díficil. Fiz poucos na vida e achei difícil, mais duro de chegar. Mas acho que você sempre vai pra um personagem, sempre cria alguma coisa... não é você, sei lá. Mesmo não sendo uma atriz, a pessoa veste uma máscara.

Convidam muito você pra posar nua? Já teve proposta da Playboy, por exemplo? Cara, já teve... Não tem nem porque ficar falando. E também não é uma parada impossível. Nunca diga nunca, que a vida é curta! Depende do contexto. Mas, agora, assim, eu não faria.

Você se acha bonita? Cara, eu gosto de mim... [risos]

Sempre gostou? Ou já teve crise com o próprio corpo? Na adolescência... Todo mundo fala “ah, eu queria voltar na minha adolescência”. Eu nunca ia querer voltar à adolescência! Putz, Deus me livre. Eu me achava horrível, tinha vários problemas... em me aceitar, sabe? De não gostar de muitas coisas. De sofrer muito por amor. Eu era intensa [risos]. Sofria, sofria, sofria muito por amor. Deus me livre. As primeiras vezes em que você vivencia uma dor, é sempre muito intenso, muito marcante. Depois você vai entendendo “ih, já vim aqui...”. Isso quando você aprende, né? Tem gente que nunca aprende.

E quando você deixou de sofrer com o próprio corpo? No meio dos 20 anos eu comecei a entender mais meu corpo. Minha genética, minhas potencialidades. Sou muito contra esse papo de “ah, qual seu segredo? O que você faz?”, porque sofri com isso na adolescência. De ter que buscar um padrão. Realmente cada um tem um corpo e é pra ele ser lindo. Não só a aparência, mas a sua relação com ele. E não só estética, mas principalmente prazer, sabe? Nessa noia da estética, falta conhecimento sobre si. Mas eu tenho amigas que já fizeram cirurgia plástica, e acho que se a pessoa é bem resolvida, se faz com consciência, sem doideira, é maneiro também. A pessoa tem direito, é o caminho dela.

Você fez muitos regimes ao longo da vida, pra entrar no padrão? Ah, já. Na adolescência eu fazia umas dietas muito radicais, loucas. Hoje tenho uma alimentação regrada, de segunda a sexta. Tenho acompanhamento de nutricionista, porque não tenho uma genética favorável. Não sou daquelas pessoas que comem, comem e não engordam.

E já teve muita patrulha? Ler notícias do tipo "Leandra está gorda"? Já, e isso já me atingiu. A sorte é que na minha adolescência não existia internet como hoje. Não tinha paparazzi na praia, nem tanta revista de fofoca. Uma atriz de 16 anos tem outro tipo de exposição hoje. Mas ainda respondo perguntas sobre “ah, você emagreceu”. Caralho, eu emagreci faz oito anos! Agora dei uma mudada, de músculo. Só tenho feito Jun, três vezes por semana.

O que é Jun? É um cara com um método de trabalho que mistura funcional, pilates, levantamento de peso. Eu adoro. Atividade física tem muito disso: você tem que curtir. A Nanda [Costa, atriz] que me levou lá. Já operei meu joelho duas vezes. Numa época, estava superfeliz correndo, coisa que eu nunca tinha feito. Daí veio o joelho, um carma na vida. Pensei: “Cara, eu só tenho 32 anos e já operei duas vezes. Imagina eu velha com esse joelho”. Aí a Nanda falou: “Vamos no Jun [Igarashi]”. Nossa, resolveu minha vida. Tô com muque, perna, abdômen. Mais músculo mesmo. É muito bom você ter um exercício que gosta, que você se dá bem.

Você gostou de fazer 30 anos? Ah, foi incrível. Eu acho muito legal isso, que a experiência da vida realmente é algo magnífico. Acho libertário. A vida fica mais legal, você fica conhecendo mais as coisas... achei muito maneiro fazer 30 anos. Fiz uma festa e convidei gente da minha história toda, desde amigo de infância, de colégio, que eu não via havia muito tempo, pessoas com quem trabalhei. Fiz uma coisa muito legal na minha festa, que é dar camerazinhas descartáveis pras pessoas. Cara, tenho fotos incríveis. Mó recordação maneira.

Voltando um pouco na adolescência, como era o assunto sexo na sua casa? Falava-se disso? Ah, anos 80, né?

Anos 80 quer dizer o quê? Muito livre? É, tive uma formação libertária. Bem libertária.

Sua primeira vez foi legal? Foi ótima.

Com que idade foi? Ai, não vou ficar falando disso, não. É meu limite, nem tudo precisa ser exposto. Se fosse uma história que tivesse algum valor público, se fosse de alguma inspiração... mas foi uma história de amor comum e adolescente. Só tem valor para os envolvidos.

Você está no segundo casamento. Quanto tempo foi casada com o Lirinha? Foram sete anos e meio. E estou há cinco anos com o Alê [Youssef].

Como começou a história com o Alê? A gente se conheceu por amigos em comum. E aí o Facebook deu uma acelerada, trocamos mensagens. Olha como a internet acontece!

É você mesma quem escreve na sua página oficial, no Facebook? Eu alimento um tanto, sim. E tenho Instagram, Twitter.

Você tuíta muito? Tuíto, eu gosto. Mas tem limites, né? Ali você é uma pessoa jurídica, não sou eu com meus amigos. Mas acho rede social superimportante. Principalmente com a minha produtora, pra divulgar coisas. Consigo visibilidade pros trabalhos maiores que faço... mas e as outras coisas que eu quero divulgar? Com o Divinas [divas, documentário que ela está produzindo e dirigindo, sobre transformistas]foi assim. A rede social te dá um contato direto com seu público, é um lugar de muito potencial. E de furar o que está pré-estabelecido.

"A sorte é que na minha adolescência não existia internet como hoje. Não tinha paparazzi na praia, nem tanta revista de fofoca. Uma atriz de 16 anos tem outro tipo de exposição hoje"

Por que você quis fazer o Divinas divas? Você acompanha essas figuras faz tempo? Há muito tempo, por causa do Rival. Quando o teatro fez 70 anos, 10 anos atrás, minha mãe convidou elas pra fazer um espetáculo. Pra retomar a tradição do Rival [de grandes musicais]. Quando vi o espetáculo, achei incrível. E comecei a conversar com elas, a saber histórias do meu avô... até que comecei a formatar uma ideia. Porra, a vida delas merece um registro! Independentemente da questão de gênero, são artistas que estão há 50 anos no palco, vivendo de show. Tem um grau de liberdade nisso! De pioneirismo, de atitude de vanguarda, de luta, rompimento...

Em plena ditadura. É um comportamento extremamente político pra geração delas. E ao mesmo tempo sem nenhuma ideologia. Eu acho elas revolucionárias. E elas não se transformaram por uma falta de identificação com o seu corpo, mas por um desejo de estar em cena dessa forma. Isso é muito louco pra mim.

Não foi uma inadequação que as levou a isso. Exatamente. Eu queria entender isso. E tem uma relação com a arte num lugar romântico, radical, que é algo que me instiga muito, como artista. E, além de tudo isso, tem um registro pelas lutas das liberdades individuais no Brasil. É uma história que precisa ser conhecida, a dessa primeira geração de artistas transformistas.

O filme está pronto? Não, ainda tem coisas que eu vou filmar. Depois da novela eu vou tirar um mês e meio de férias, preciso dar uma descansada mesmo, zerar, e aí na volta vou ficar fazendo isso. A gente ganhou um edital do MinC. Então quero filmar as entrevistas que faltam, comprar as imagens de arquivo, fazer pesquisa... Acho que neste ano termina. Acho não: vou terminar neste ano.

Você já pagou mico, como atriz? Tem algum trabalho do qual se arrependa? Cara, que eu lembre... não. Sei lá, todo mundo já pagou mico, né? Mas, apesar de ser muito crítica, tenho uma tendência de falar ok quando o trabalho é de quando eu era mais jovem. Óbvio que hoje seria melhor, sabe? Às vezes até falo: “Ai, meu Deus... tô linda, bonitinha, mas, ai, como era bobo... por que eu fiz assim desse jeito?”. Mas você também aprende assim.

Você fez filmes densos, como Nome próprio e O lobo atrás da porta, mas também coisas mais comerciais, como Mato sem cachorro. Você transita facilmente entre as duas coisas? Eu acho que é um equívoco a gente separar mercado e arte. É óbvio que cada filme tem o seu mercado. Até o filme de 20 mil espectadores tem, você se direciona a alguém, e é saudável pensar nisso quando você está realizando uma obra. Eu acho Mato sem cachorro um filmaço. É um roteiro muito bom, o Pedro [Amorim, diretor] é incrível, o Bruno [Gagliasso, colega do elenco]. O Carlos Alberto [seu cachorro, de 2 anos e meio] tá no filme! Ele tinha meses na época.

"Eu me envolvo com campanhas, com causas em que acredito. Mas sou atriz, não tenho a mínima vontade de estar em Brasília. O Alexandre acha o máximo, eu acho chato"

Então não tem essa de filme cabeça versus filme comercial. Não, cara. Essa diferença não é benéfica pro cinema. Eu penso em filme bom, roteiro bom, equipe boa, em qualidade. E acho que é saudável a gente pensar em comunicação também. Em mercado. O cinema precisa se sustentar, como uma engrenagem. E dentro dessa indústria também tem que ter espaço pra um filme totalmente radical, autoral, em que você possa experimentar, e que vai ter um orçamento infinitamente menor.

Você é a favor das leis de incentivo para a cultura? Sou. Eu acho que a lei de incentivo não pode ser a única forma de produção, e acho que tem que haver limites pra isso. Mas a gente ainda precisa delas. Seria incrível chegar no momento em que não é mais necessário... mas acho que sempre vão existir filmes com maior dificuldade de realização. O estado tem que ajudar, ser responsável por uma política cultural.

Você acredita que tem uma missão social, como artista? Sua profissão tem que ter essa dimensão? Pode ter, se você quiser. Sou muito preocupada com o coletivo, é uma coisa natural na minha existência. Tem muito a ver com a minha criação. A internet, por exemplo, vejo como uma ferramenta de divulgação de trabalhos, mas também de ideias. Tem causas nas quais me envolvo naturalmente, eu acho importante falar delas.

Desde quando isso é importante? Você era uma adolescente engajada? Ah, fundei o grêmio da minha escola, sempre tive esse pensamento. Tem a ver com a minha criação, com os amigos da minha mãe, com as pessoas que frequentavam a casa dela. Minha mãe foi secretária de Cultura do Rio de Janeiro, é uma pessoa superpolítica. Eu tive essa influência. Mas não acho que a arte tenha a ver com isso, que a arte tenha que ser política. Mas eu, como pessoa pública, gosto de utilizar o espaço que tenho também para essas coisas.

Em quem você votou para presidente? Votei na Marina [Silva] e depois na Dilma.

Por que a Marina? Cara, pra sair dessa polarização. E por convicções pessoais. Acho que ela colocou em pauta assuntos que tinham que ser discutidos. Queria muito que ela estivesse no segundo turno, acho que a discussão teria ido para outro lugar.

E o que você está achando desse momento de Brasil? A gente tá passando por uma crise política muito séria. Mas política pode ser feita de uma forma diferente. A tal governabilidade pode vir por outras formas. Essa eleição foi um baque, especialmente no Legislativo. A gente tem um Congresso retrógrado, o presidente é o Eduardo Cunha! A reforma política precisa acontecer. É uma discussão que tem que envolver os políticos, a sociedade civil, a classe artística, os universitários, todo mundo numa discussão grande, sobre outra forma de política. E precisa haver uma revolução educacional, né? Precisa investir nisso. Porque só no consumo não dá. Não se sustenta um país só aumentando o consumo. E aí tem toda essa crise que a gente tá vivendo, falta de água... é desesperador, né? Uma falta de planejamento, de transparência.

Você gosta de viver no Rio? Gosto muito do Rio. Não tenho esse negócio de “meu lugar”, viveria em vários lugares. O Rio é onde estou por várias razões, profissionais, de família, tudo. Mas adoro São Paulo também. Um trem-bala resolveria minha vida! Tenho muita saudade de São Paulo, dos meus amigos. Acho São Paulo muito ponta firme. Uma cidade concreta, onde você colhe o que você planta. Ninguém tá ali de bobeira.

Moraria fora do Brasil? Sim, já pensei nisso. Moraria em Portugal facilmente, adoro Lisboa. Nova York também, sou apaixonada. Passaria um tempo em Buenos Aires. Conheci o México e achei incrível...

Uma pergunta que estamos fazendo nesta edição: o Brasil é um país bunda? Como assim? O que quer dizer país bunda?

Um pais fraco em certos aspectos, passivo. Você já teve vontade de ir embora, pra fugir dos problemas? Não, nunca. Mudar é legal, o mundo foi feito de deslocamentos. De uma pessoa que estava em um lugar, insatisfeita, e foi pra outro. Mas isso de “ah, vou embora, aqui não dá”... pô, que viagem! Não nasci aqui por acaso. Gosto muito de ser brasileira, tenho o maior orgulho do país, da minha identidade, acho realmente que não tem nacionalidade melhor. Quando viajo, desde criança, o sentimento sempre é “nossa, que bacana o meu país, de onde eu sou”. Culturalmente, o Brasil é incrível. Estamos longe de ser perfeitos, tem muita contradição. As pessoas adoram colocar culpa em alguém, numa elite, num político, na opressão estrangeira. Mas o Brasil é você. Essa negação do país, pela situação em que ele está, é querer ser vítima. Até tem pessoas que são vítimas... não necessariamente quem tá reclamando.

Sua mãe teve um cargo político, seu marido foi candidato a vereador. Entrar na política formal é uma possibilidade pra você? Não, não tenho essa vontade. Eu me envolvo com campanhas, com causas em que acredito, em pessoas em que acredito. Mas sou atriz, não tenho a mínima vontade de estar em Brasília. Precisa de vocação. O Alexandre acha o máximo, eu acho chato. Se um dia ele quiser, serei uma primeira-dama feliz. Qualquer coisa que ele se candidatar, vou achar o máximo. Mas esse dia a dia político não é pra mim.

Você quer ter filhos? Quero. Super. Mas ainda não sei quando. Não é um plano pra agora.

Você faz terapia? Já fiz em vários períodos. Na adolescência, muito tempo. Depois, mais velha, fiz mais outro tempo. Estou há uns três anos sem fazer, queria voltar. Acho que todo mundo devia fazer. Mas tem outra coisa que segura muito, que é meditar. Meditação resolve muita coisa na vida.

Quando você descobriu isso? Há uns quatro anos, fiz um curso. Meditação é algo muito difícil de falar sobre... a pessoa tem que fazer pra sentir benefício. Pra mim, é algo que me centra bastante. Algo que me põe em contato comigo, me regenera, me concentra.

Você fuma muito? Fumo bastante, desde os 27. Não faço apologia de cigarro, sei que é horrível. Mas também não gosto de ficar falando. E não gosto que se metam na minha vida. Eu fumo, foda-se, tá tudo certo. Vou parar, eu sei dos males, e é isso aí.

Você bebe? Bebo.

Usa drogas? Não, hoje estou numa fase careta. E responder o que eu já usei ou não é criar uma polêmica desnecessária em torno de um tema importante, alvo de preconceito. Eu defendo a legalização como política de segurança pública. A guerra às drogas mata muito mais do que as drogas em si. É inacreditável o número de assassinatos, principalmente de jovens pobres, causados por essa guerra insana e ineficaz.

"Defendo a legalização como política de segurança pública. A guerra às drogas mata muito mais do que as drogas em si"

Toma remédios? Estou numa fase cheia de vitaminas e suplementos.

E tarja preta? Antidepressivo, ansiolítico, já precisou? Não. Nunca tomei.

Você esteve na capa da Tpm há alguns meses, com a campanha #precisamosfalarsobreaborto. Você já fez aborto? Não. E nem sei se eu faria. Mas é uma causa que eu sempre defendi. Porque no fim a causa é a liberdade, a necessidade de se posicionar. Sobre isso, sobre os direitos dos homossexuais. Já conquistamos coisas importantes, como o casamento gay, mas ainda enfrentamos inúmeros preconceitos. Agora mesmo existe essa proposta na Câmara Federal de se criar o dia do orgulho hetero. É um retrocessoem uma sociedade que precisa avançar em relação aos direitos civis das minorias. Qualquer ameaça à liberdade de um grupo ameaça toda a democracia.

Numa profissão tão conectada à imagem, você tem medo de envelhecer? Não tenho medo. Eu tenho noção de que o melhor lugar para envelhecer nessa profissão é o teatro. E não há nenhum problema na TV, é apenas como as coisas são. Ao mesmo tempo, a idade em que estou agora é mais valiosa para qualquer ator. Entre os 30 e 50 anos, é a idade do herói na dramaturgia. Então, tenho mais é que trabalhar muito. Agora é a hora de fazer.

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