por Paulo Lima
Trip #236

Mesmo sabendo que quase sempre não haverá resposta, é preciso seguir perguntando

Há sempre uma grande curiosidade sobre como surgem os temas que pautam as edições da Trip. É frequente ouvirem seminários, encontros com estudantes de jornalismo ou em conversas com leitores, anunciantes e outras pessoas que acompanham nosso trabalho – expressões muito espontâneas desse interesse.

“Como vocês inventam esses temas?”; “Vocês têm equipes de pesquisa?”; “Usam muito a internet ou revistas estrangeiras para detectar tendências?” A resposta, muito simples, causa sempre surpresa – e às vezes até algum espanto. Nossa grande fonte de pautas, ideias e temas é o sofrimento humano.

Trabalhamos fundamentalmente com nossa dificuldade de compreender quem diabos somos, os fenômenos que nos rodeiam e todo o drama que envolve nossa condição, fundada na mais pura e reluzente imperfeição.

Assim, fica fácil. Há sempre ideias brotando, jorrando por todos os lados, para onde quer que lancemos o olhar calibrado por essa lente.

Foi exatamente assim com o tema que atravessa esta edição. Numa conversa des- pretensiosa, olhando para o mar, com uma das mais competentes representantes da ciência brasileira – alguém que, através da biogenética, ajuda a desvendar alguns desses segredos que nos cercam –, algo inesperado surgiu.

Lygia da Veiga Pereira, a acadêmica em questão, vestindo biquíni e uma camiseta de lycra que defendia sua pele dos raios UV (nervosos naquele final de manhã), depois de remar por 50 minutos em seu stand-up em busca de um tipo de iluminação que não se encontra em laboratórios, inicia o relato: assistindo a um importante congresso de sua área realizado nos Estados Unidos, viu-se extasiada durante a apresentação de um colega norte-americano. O cientista apresentava inacreditáveis avanços que ele, junto de uma equipe numerosa, havia obtido na reprodução em laboratório de órgãos genitais de animais fêmeas. Em suas mãos, uma improvável vagina de coelha construída a partir de células-tronco era exibida como uma espécie de troféu científico, que enunciava um salto quântico para o alcance de estágios até pouco tempo impensáveis para a medicina reparadora.

Mas o fato que causou espécie a nossa observadora era ainda mais curioso. Durante cerca de 1 hora de apresentação, o estudioso não utilizou sequer uma vez a palavra “vagina”. Quase tão complexo como os estudos necessários para atingir seu feito histórico, parecia ser o esforço enorme que fazia para encontrar eufemismos e desvios que evitassem o vocábulo proibido.

A tarde caiu, o sol foi embora, mas a pergunta ficou. Por que afinal, depois de milênios de evolução, continuamos temendo e evitando uma parte da anatomia tão fundamental, presente e associada à ideia de vida? O que há por trás (e pela frente) desse tabu que parece resistir bravamente a todas as quedas de muros que se verificaram ao longo das últimas décadas?

Como costumamos dizer naqueles encontros e seminários mencionados no início: mesmo sabendo que quase sempre não haverá resposta, é preciso seguir perguntando.

PAULO LIMA, EDITOR

P.S. Por falar em origem, quero aproveitar este espaço para agradecer à Associação Nacional dos Editores de Publicações pela tão honrosa quanto imerecida homenagem recebida há al- guns dias, quando fui apontado como “Personalidade do ano 2014”. Sem qualquer traço de falsa modéstia, a única razão pela qual compartilho a notícia aqui é explicitar ainda mais um fato já bastante evidente: embora a honraria tenha contemplado o meu nome, penso que simbolizo uma ideia e uma visão de mundo que não foram construídas apenas por mim, mas pelos companheiros (a esta altura, contados em centenas) que estiveram e estão ao meu lado nessa longa e deliciosa viagem que completou, em agosto, 30 anos no rádio e 28 nos meios impressos. Assim, agradeço aqui a cada um de vocês.

fechar